quinta-feira, 10 de março de 2011

Eu sou um indivíduo capaz de muita coisa

excepto produzir um texto com um mínimo de clareza e inteligibilidade. A ver se consigo desta vez.

O Gonçalo Teixeira fez um longo comentário ao que eu aqui balbuciei. Vamos por pontos. Li no Público, na entrevista feita aos organizadores da manifestação da geração à rasca,  que não escolheram o fim-de-semana do Carnaval porque acreditavam que a maior parte da malta não estaria para disponível. Supondo que é correcto, isto mostra que os manifestantes têem outras prioridades. Seja visitar a família fora de Lisboa, como o Gonçalo lembrou, ou ir até a neve em Espanha esturrar o dinheiro dos pais. Seja qual for o motivo, têem outras prioridades e isso desvaloriza e enfraquece o protesto.

Adiante, para os dez anos de miséria que nos esperam. Os manifestantes do próximo sábado querem, presumo eu, mudanças agora e não daqui a dez anos. O problema está que, fora um milagre superior ao de Fátima, eu não vejo como é que as condições de vida podem melhorar significativa e sustentadamente no espaço de meses. Poderá ser miopia da minha parte, mas sinceramente não sei como é que tal pode vir a suceder.

As manifestações são acontecimentos mediáticos, por natureza de curta duração. E é também esse o entendimento que tenho do grupo que está a dinamizar o movimento. Lido o manifesto, continuo na ignorância sobre o que pretendem. É tão vago que facilmente são confundidos com outros movimentos.
E depois do protesto, o que sucede ? O objectivo do movimento é apenas fazer ouvir as vozes que os compoẽm ? Vão formar um partido e concorrer a eleições ? Vão fazer a revolução ? A ideia que me fica do movimento é a de uma amálgama de gente onde a única condição para se ser membro é querer reclamar. Até os sócios do Sporting são mais homogéneos que o movimento Geração à Rasca.

O Gonçalo, presumo, e os que no sábado estarão a reclamar têm bons motivos para isso. E mutatis mutandis, eu também estou no mesmo barco dos enrascados. Mas eu não me revejo neste protesto, não me revejo neste movimento e estou convicto que o protesto nada mais serve do que reforçar os esterótipos: quem protesta quer tacho, quem critica já tem tacho. Aliás a comunicação social tem sido incapaz de fazer mais do que repetir estes esterótipos.

Eu não vejo outra forma de mudar a não ser através de um trabalho de fundo, estabelecendo prioridades, definido objectivos e ignorando os protestos mediáticos que se vão fazendo. No sistema político actual, estas tarefas cabem em exclusivo aos partidos políticos. Ou nasce um novo partido ou se modificam os actuais. Isto não é um convite à inactividade, apenas um convite a estar quieto em vez de fazer asneira.

Este texto continuaria não tivesse eu que contribuir para produção científica do país. Mas não termino sem deixar claro que faço minhas as críticas do Gonçalo ao estado do país. E que à geração à rasca faltam objectivos, organização e vontade para cumprir o seu manifesto.

4 comentários:

gng disse...

Agradeço a resposta.

No entanto, vamos lá por pontos: a tendência que todos nós - não só eu, o ngoncalves, mas, quiçá mais importante ainda, os "media" - em desconversar chega a ser desconcertante. Explico adiante.

Em relação ao Carnaval, temos todos razão, cada um na sua perspectiva: eu vejo a escolha do fim de semana que não o do Carnaval como uma questão prática, logística; o ngoncalves prefere, e talvez tenha razão - isto é como as derrotas do SLB: nunca ninguém sabe ao certo qual o valor do suborno dado ao árbitro pelo FCP - apontar esta escolha como uma priorização descredibilizadora.

Quanto às criticas feitas ao protesto: que é mediático e de curta duração; que não aponta a soluções; a ausência de um caminho visível para o dia seguinte, etc, parece-me inapropriado. Todos nós aqui queremos resolver o problema da precariedade, é certo. Mas não estará o ngoncalves a criticar o protesto porque este se limita a ser... um protesto?

Vou, pela 10ª vez em 3 minutos (houve aqui uma ou outra palavra que escrevi cujo significado ainda desconheço) visitar o priberam:

Protesto:
1. Declaração enérgica e solene de que se reputa ilegal alguma coisa.
2. Promessa, demonstração de um sentimento.
3. Resolução, decisão inabalável.

Ora, parece-me que, enquanto protesto, este cumpre todos os requisitos. Não apresenta soluções? Nem tem de! E entenda-se porquê: assim que começamos a discutir soluções, começa a fragmentação ideológica! Ao procurarmos as soluções antes do protesto estaremos a enfraquecê-lo! Parece-me evidente. Agora, interessa discutir soluções? Obviamente. O protesto é simplesmente o primeiro passo: o que daí surge ainda é uma incógnita! Um movimento? Um partido? Quem sabe? Agora, e até sábado, interessa juntar o máximo de pessoas que estão unidas contra a precariedade! O número traz o mediatismo: quantos mais, melhor. E, de certa forma, o protesto já ganhou: estamos, aqui, a discutir o assunto; o país também o discute (com muita desinformação, muita idiotice, mas discute-se!). Há 2 meses ninguém falava em "precariedade" ou em "jovens" e os seus "problemas" e certamente não teríamos ouvido o PR dedicar 4 páginas do seu discurso aos "jovens" e à "sociedade civil".

E sim, tenho excelentes motivos para reclamar. Repare bem: tenho contrato sem termo, sou bem remunerado - em comparação com os meus amigos, da minha geração, até sou bastante bem remunerado - e tenho dignidade no trabalho. Mas vejo amigos a emigrar, vejo amigos a trabalhar a recibos verdes, durante 2/3 anos (ainda são jovens!), sem qualquer tipo de garantias ou de direitos laborais e, acima de tudo, julgo ter consciência cívica e política: é uma injustiça, e isto é um facto. Como se corrige? Tenho uma data de ideias, e nenhuma delas é de solução imediata. Mas isso é outro assunto (e isto já vai longo).

Protestar contra a precariedade, lançar o tema na praça pública e procurar, a partir desse dia, formar algo mais consequente parece-me tudo menos uma asneira.


Abraços! (Desculpem o tamanho: estou de férias)

gng disse...

Quanto à comunicação social e à cobertura que fazem do mesmo: completamente de acordo. É interessante, e, para os que ainda estão a ler isto, lembro os seguintes FACTOS:

- O manifesto (rídiculo) do grupo da "1 milhão na avenida da liberdade para a demissão de toda a classe política" foi associado, por chain e-mail, ao protesto do dia 12. O Mário Soares escreveu uma crónica no DN, comentando esse manifesto - pensando que se referia ao manifesto onde, as we speak, 55000 pessoas dizem comparecer.
- O VPV responde-lhe, também sem perceber a confusão original.
- O MST acusa o manifesto de "demagógico" e onde o português escrito até é uma vergonha: obviamente, também ele, jornalista que deveria verificar as fontes da informação que obtém, comenta este protesto com base no manifesto desse grupo.
- Hoje sai editorial no jornal de negócios onde também é referido este protesto e erroneamente associado ao manifesto do "1 milhão na av da liberdade..."
Enfim, estamos perante uma série de comentadores e opinion-makers que não opinam sobre o que deviam: opinam apenas sobre o que todos os outros opinion-makers opinam, numa camada fútil e completamente alheada da realidade. E chamam-se jornalistas.

ngoncalves disse...

Ế natural que exista precariedade entre os jovens. Têm menos experiência e qualificações que os mais velhos (e uns meses de experiência valem por anos de universidade).

Pode ser que o próximo sábado seja o ponto de partida para acabar com a atrofia de oportunidades, mais importante para mim que a precariedade, mas o pessimista cínico que há em mim não está convencido.

Daqui a uns meses espero estar enganado.

Nelson

Manuel Pimenta disse...

Boas! Foi-me dado conhecimento desta animada discussão por um colega e não quero deixar de, em primeiro lugar, aplaudir efusivamente que se discuta isto de uma forma cívica e clara, ao invés de, das duas uma: a) aderir cegamente só porque é "fixe"; b) deixar a discussão derrapar para o ridículo.

Elogios feitos passo à minha opinião.
Creio que no geral concordo mais com o que disse ngonçalves sem no entanto chegar ao extremo de achar o protesto uma asneira. Quanto muito será inconsequente.
Tenho, como o gng, uma situação laboral confortável, com um contrato sem termo e uma remuneração bastante folgada. No entanto também convivo com a situação de amigos que ou se encontram a recibos verdes num auto-denominado emprego, ou os seus empregadores têm pelo menos a decência de lhe chamar um estágio remunerado. Qualquer um destes meus amigos está obviamente desconfortável (no mínimo) com a situação e tenciona ir protestar.

Tudo ok. Tudo muito bem. Mas então pergunto-lhes: que soluções apresentam vocês e o movimento ao qual se juntam para resolver esta situação de uma forma credível? Porque, como disse o ngoncalves, eu também li o manifesto e também o achei demasiado vago. Realço um ponto a favor: pelo menos os seus autores tiveram o talento, consciente ou não, de o tornar suficientemente específico para ganhar apoiantes e suficientemente genérico para não se comprometerem com medidas concretas.

O Gonçalo diz que o protesto pretende ser só o primeiro passo. A questão é que o primeiro passo assenta-se em componentes mais específicas do manifesto que por si poderão não fazer sentido.

Passo a explicar: discordo que devamos ficar sentados 10 anos à espera porque não é possível mudar o país em menos tempo.
No entanto, é um facto que acabar com os recibos verdes e o trabalho precário e a tão falada "dignidade no trabalho" (que só de si é um conceito ridiculamente abstracto que como medida, acabar com isso dá margem a tudo) são posturas "muito bonitas" mas não são possíveis no futuro próximo. São situações erradas? Injustas até? São, sem dúvida, em algumas condições. Mas há sectores da sociedade que estão assentes sobre isso: Serviço Nacional de Saúde? Grande maioria das firmas de advogados do país?

Compreendam uma coisa, eu não digo que devamos ficar quietos, mas não consigo deixar de ver nesta manifestação a tal amálgama de gente de que o ngoncalves fala, sendo que pelo menos metade terá aderido sem conhecer bem do que se trata. Acho que o direito ao protesto fará sentido neste caso, mas creio que pelo menos umas medidas mais concretas e assentes em dados credíveis fariam muito por este manifesto.

Não consigo, mais uma vez, deixar de olhar para uma manifestação com menos confiança se os seus responsáveis não me apresentam opções e alternativas para os problemas que apontam. E acho que esse é o ponto chave.

Abraços!