quarta-feira, 29 de março de 2017

Uma simpática interpelação (e não estou a ser engraçado, a interpelação é mesmo simpática) merece resposta digna dada a importância do assunto

Deixemos de lado o assunto sobre a correcta redacção das quotas ou cotas, sou daqueles para quem a ortografia é como a regra do fora de jogo, o que interessa é que a bola (da minha equipa, claro) entre na baliza. Assumo desde já a minha culpa, pelo facto de o texto ter sido escrito num certo estado de embriaguez, não clarificando cabalmente a minha posição. Quero dizer com toda a frontalidade: sou favorável às cotas para mulheres (isto ao som de uma fanfarra com duas bonitas bombeiras a rufar caixa logo na dianteira - peço desculpa). As cotas resolverão um importantíssimo problema: o da diversidade no acesso ao poder, não o da qualidade no exercício do poder. Mais: a justificação das cotas para mulheres com base num alegado aumento do mérito e da competência - e esse era o meu ponto - enfraquece o principal esteio na fundamentação das cotas, a saber, a justiça e a paridade no acesso a cargos de poder. E isto parece-me claríssimo como água, e foi precisamente isto que a jornalista Fernanda Câncio não compreendeu, seduzida pela força da pseudo-lógica e da autoridade do argumento científico e do sacrossanto princípio da (risos) meritocracia no mundo contemporâneo.

É precisamente pelo facto de as coisas poderem correr mal que a decisão será bonita, progressista, humana e absolutamente desejada. Se a clarificação deste ponto ofende a causa, calo-me de imediato, mas tenham paciência, estou devidamente enfadado quanto à fundamentação de valores políticos com base na eficiência. O julgamento do valor deve ser livre, e a política serve, como aliás julgo que defende a nossa leitora, para obter consensos sobre o que deve ser imposto pela força por ser moralmente desejável (como a protecção da vida ou a necessidade de abolir a saúde privada, temos pena) e por isso, impenetrável a qualquer fundamentação mecânica de ganhos materiais ou (risos), incluindo ou sobretudo, qualquer ideia de mérito ou de superioridade da inteligência.

Clarifiquemos os princípios metafísicos do nosso raciocínio. Diz a leitora e autora do blogue Um jeito manso:


Afirmações muito interessantes mas problemáticas. A ousadia na utilização de um termo como medíocre é comum talvez em pessoas habituadas a cargos de chefia. O que é um medíocre? O que é um medíocre sobrevivente? Eu tenho uma ideia: uma pessoa num cargo de chefia. É precisamente por existir um conflito entre evolução e sobrevivência, por um lado, e valor moral, justiça, mérito ou mediocridade, por outro, que a imposição de um princípio «artificial» à evolução natural, nada nos diz sobre os benefícios para a evolução desse artifício. Como a sobrevivência não garante a bondade ou inteligência do sobrevivente mas a sua existência, não podemos fundamentar as nossas decisões políticas em termos de benefícios para a evolução, até porque, caramba, quantas vezes temos de repetir, nós não sabemos para onde vamos. Temos ao nosso lado, outros ilustres doidos varridos como Philip K. Dick ou Emanuel Pimba Kant: a capacidade de alterar as respostas em virtude da estupidez dos resultados obtidos é precisamente o que nos caracteriza como humanos, mas isso nada nos diz sobre a nossa relação com a natureza, pois, senhoras e senhores deputados, nós não sabemos onde termina a natureza e começa o artifício. Mais: a ideia de mérito tem uma relação muito problemática com a evolução e ainda mais com a inteligência, e julgo que nisto também estamos de acordo. Vamos então pensar se andam entre nós andróides, ou seja, pessoas estúpidas e mentecaptas.

Como é evidente, não vos sei dizer, mas posso eventualmente tentar responder onde andam pessoas maldosas - seguramente, muitas, nos cargos de chefia das organizações - e essa é talvez a ideia mais bonita da literatura em geral, sobretudo na obra do não devidamente apreciado e já referido autor, Philip K. Dick. Todavia, tenho cada vez mais dificuldade em qualificar as pessoas como estúpidas, não pela inexistência de estupidez, mas por nos estarem vedados, quer as razões da estupidez dos outros, quer o contributo dessa estupidez para benefícios eventualmente gerais mas invisíveis no momento. Sei como isto me aproxima perigosamente de um qualquer budista californiano neste momento pedrado com canabis e a babar-se algures em S. Francisco, no meio de uma pilha de livros de Tagore, mas como leitor de Cervantes (meu amado mestre) não posso trair a minha natureza de pessoa com uma certa coragem para enfrentar a realidade.

Na verdade, estou convicto de que a infinita beleza e especificidade do ser humano reside precisamente no facto de as pessoas mentecaptas poderem reconverter-se e sei muito bem como a autora de Um jeito manso pensa como eu, ou não teria perdido tempo a dirigir-me a palavra, tentando reconverter um engraçadola que não tem qualquer experiência sobre a dificuldade de ser mulher. E por isso, aconteceu aqui um daqueles bonitos momentos tão comuns nas redes sociais, mas a que os aparelhos ideológicos do Estado não conferem a devida importância: foi-nos apontada cordialmente uma outra perspectiva, com base numa comunicação simples, e nós aceitamos o reparo. Ou seja, a minha estupidez tem obviamente limites e não me julgo muito melhor do que a esmagadora maioria das pessoas. Vou então refazer o meu raciocínio - agora sem alusões indirectas - reforçando uma conclusão radicalmente diferente. Peço paciência para quem me acompanhar.

Sim, é verdade, o poder de sobrevivência nada tem a ver com o mérito ou a mediocridade, posso sobreviver e isso resultar num rotundo falhanço da minha inteligência, aliás, posso sobreviver precisamente por ser um bocado estúpido. Estamos portanto de acordo. E pode dar-se o caso de as mulheres eleitas para cargos de poder, precisamente por estarem, na sua formação, sujeitas a um ambiente muito adverso, serem ainda mais estúpidas do que os homens chegados de forma «natural» aos cargos de poder. Teríamos de analisar cada caso, pois em assuntos humanos, é muito perigoso aplicar princípios gerais em assuntos como o mérito: e este, repito, era o meu ponto. Creio que continuamos a usar a selecção natural e a teoria da evolução sem uma cabal compreensão do equivalente à hereditariedade genética em termos de reprodução em cargos de relevância social. Ou seja, não conhecemos muito bem a economia humana na articulação entre autoridade, prestígio e género sexual, caso contrario, já estaríamos todos no paraíso. Vamos então à adaptabilidade do mecanismo das quotas no sentido de garantir o triunfo sobre a mediocridade. Senhoras e senhores, aqui começam os problemas. 


A autora refere «não acreditar» na inexistência geral de uma mulher pelo menos tão competente quanto o menos competente dos homens nessa comissão, mas a sua crença e a sua experiência pessoal são argumentos, se me permite, muito frágeis, pois eu diria que depende muito da organização, do número de mulheres a trabalhar nessa organização e sobretudo, dos critérios de quem escolhe os colaboradores. Não subestimaria a hipótese de a mulher escolhida ser pior do que o pior dos quatro homens (e pior em quê?), tudo depende do conjunto, e sobretudo dos critérios, repito, dos critérios com que foram seleccionados os homens e as referidas mulheres. A autora de um jeito manso diz que, em geral, em níveis mais baixos das organizações, há normalmente muitas mulheres e esse é um dado em que tenho de confiar, mas é um dado no mínimo vago. Na verdade, um dos problemas das cotas, será a obrigatoriedade de estender a obrigatoriedade de um mínimo de mulheres escolhidas, em todos os níveis da organização, caso contrário, o efeito pode ser um bocado pífio, e resultar precisamente no contrário aos objectivos pretendidos, um fenómeno aliás, estatisticamente muito comum na política. 

Creio que no afã de suportar uma causa justa (e a causa é justa, relembremos) estamos a esquecer que o mesmo raciocínio poder servir para um caminho inteiramente diverso. E por isso, a argumentação do meu post anterior: se o machismo é dominante e se os homens estão em franca maioria (e não me parece que apenas no cargos de chefia, depende das profissões, e por isso, teremos de, em seguida, passar ao problema das profissões «masculinas»), a pressão de competição entre os homens será maior, e talvez a injustiça, em termos relativos, quanto a nomeações por competência nos cargos de chefia, seja até maior no caso dos homens. Não vejo por isso qualquer relação entre a determinação de cotas para mulheres e o aumento da competência nos cargos de chefia - e este era o meu ponto. A obrigatoriedade de cotas para mulheres no topo das organizações pode, pelo contrário, demonstrar uma «falsa» inaptidão da mulher para cargos de chefia, ao recrutar num ambiente menos numeroso, mas muito adverso, e isso seria mortal para o argumento da competência e da meritocracia. Todavia - e agora as bombeiras começaram a rufar as caixas - isto não tem qualquer interesse para o argumento da paridade no direito da mulher obter um cargo de chefia, seja mais ou menos incompetente do que os seus colegas homens. 

Talvez o meu erro tenha sido argumentar sobre um assunto onde, concedo, a urgência de garantir a igualdade deve preceder considerações de ordem meritocrática, até porque as organizações, as empresas, os clubes de futebol, estão cheios de homens estúpidos e incompetentes. Nesse sentido, tenho o prazer de anunciar que concedo inteiramente este ponto. Talvez não seja o tempo de cobardes considerações teóricas sobre os equívocos da meritocracia em termos de selecção dos cargos de chefia (até porque em geral as pessoas escolhidas, i.e., os sobreviventes, serão, com toda a certeza, lamento, os piores de nós). Talvez seja, sim, o tempo de conceder a igualdade de acesso às mulheres no comando da sociedade. Quanto aos resultados, logo se vê.

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terça-feira, 28 de março de 2017

Novels are about other novels — and how they make us suffer

Felizmente, ainda há pessoas preocupadas com o nosso entretenimento. Saiu o novo livro da fabulosa Elif Batuman. Aqui.

segunda-feira, 27 de março de 2017

Era no tempo em que os escritores ganhavam dinheiro

The editors of the Post agreed to the idea of a series, but suddenly there was a problem. Faulkner discovered that his plan would not work with just the three additional stories he had in mind. H e needed to provide a bridge; he had to use some of his material to get him from what he called "the War-Silver-Mule business"" to the Reconstruction. Then another problem developed. Graeme Lorimer, of the Post's editorial staff, would not offer as much for the series as Faulkner wanted. At this juncture the flirtation from Hollywood turned into a contract offer from Hawks: Universal Studios would hire him at $1,000 on a week-to-week basis. He may have been relieved to leave the stories for the time being, and he made plans to fly out.

quinta-feira, 9 de março de 2017

Um dos mais impressionantes inícios da literatura do século XX recusado por todas as editoras

I am made out of water. You wouldn't know it, because I have it bound in. My friends are made out of water, too. All of them. The problem for us is that not only do we have to walk around without being absorbed by the ground but we also have to earn our livings.

Actually there's even a greater problem. We don't feel at home anywhere we go. Why is that?

The answer is World War Two.