domingo, 27 de março de 2016

A f. fez barda da grossa, eis porquê

É importante perceber porque esta cagada é efectivamente uma cagada.

Porque todo o texto tem um sabor a reportagem antropológica sobre uma tribo perdida na Amazónia, feita enquanto a autora matava tempo até abrirem as lojas do Sablon e da Avenue Louise. É uma falta de respeito por quem lá vive.

Porque é uma caricatura de um bairro e como tal, apoia-se em esterótipos e preconceitos. É tão idiota caracterizar Molenbeek como um viveiro de terroristas, como é dizer que aquilo é tudo gente de bem. Para criticar certo tipo de esteótipos, a Fernanda Câncio limita-se a utilizar outra classe de estereótipos.

No 40 miutos que estive na Bourse, com um custo monetário de 2.30€ em estacionamento, fui entrevistado pela CNN para a América Latina, estiveram estes marmanjos a gritar e a fazer confusão, nas escadarias da Bourse discursava um senhor, presumo que, paquistanês, ao meu lado estava uma tuga a cortar na casaca de uma colega de trabalho e atrás estava um negro a beijar o BI belga enquanto uma criança loirinha desenhava a giz corações no alcatrão. Para além da minha presença na Bourse e os 2.30 € por 40 minutos de estacionamento, que mais poderemos dizer sobre estes 2400 segundos que não sejam absolutas banalidades sociológicas ? Não será antes preferível o reconhecimento da nossa ignorância, seguido por um esforço continuado em atenuar a dita ?

quarta-feira, 23 de março de 2016

Vénia profunda a Dostoievski, um dos poucos que sabe escrever sobre a locura

O mais difícil para mim, neste dia pós atentado, tem sido eu descobrir em mim uma sede de sangue, de vingança. Passo o tempo a discutir comigo próprio, porque não agarrar numa kalash e varrer Molenbeek a chumbo. Ou então, ir esta sexta-feira largar granadas numa das mesquitas de Bruxelas. Ou fazer uma visita aos familiares dos terroristas. Ou....

Eu sei que é errado. Eu sei que provavelmente seria até contraproducente. Eu sei que depois de derramado o sangue, não é possível voltar atrás. Mas não consigo calar esta sede de sangue.

Também sei que daqui a uns dias, volto à normalidade. Foi assim em Novembro, quando Bruxelas foi fechada durante um fim-de-semana fechada. Foi assim aquando os ataques de Paris. Mas até lá cohabita em mim um ser medonho.

quinta-feira, 3 de março de 2016

Carta aberta à minha própria estupidez.

Aos desiludidos com o silêncio retroactivo sobre o assunto do momento, tenho respeitosamente a declarar a minha falta de jeito para as simplificações. A partir do momento em que começo a ser arrastado para a lama, fruto da estupidez sempre galopante em todas as matérias consideradas virais, reservo o direito de subir à minha torre de marfim, e apagar qualquer vestígio sobre tão deprimente figura e assunto. Fizeram de um parvo, publicamente agressivo contra pessoas e instituições, e atrevidamente ignorante, um mártir da liberdade de expressão. Com que então, um cronista de um dos jornais de maior tiragem, com acesso a televisões, financiado por uma das instituições culturais mais ricas do país, alçado a combatente pela liberdade, passou a ser apresentado como intelectual perseguido e silenciado? Ao que chegamos. Só nos últimos dois dias, já vi três novos textos do referido «silenciado» em três órgãos de comunicação social de grande tiragem (para não falar dos directores de jornais, televisões, revistas, políticos, jornalistas, almirantes, poetas, empresários, farmacêuticos, que logo correram a fazer soar as trombetas do alarme, em solidariedade com a vítima do povo em armas). Para isto, contribuiu uma incrível falta de inteligência, a começar por mim, mas sobretudo de todos os que. estupidamente, correram a insultar e a ameaçar a figura, da forma mais desajeitada e selvagem possível, incluindo na caixa de comentários deste blogue.

De um simplificador boçal e cheio de si mesmo, fizeram um herói da coragem literária e da biografia pessoal. Pois bem, não contribuirei mais para essa inacreditável perversão dos factos. Por estar nos antípodas do estilo e substância de um autor como Henrique Raposo, só posso vir a público reconhecer o meu erro. Quem sabe não terei ajudado, fruto da ironia mal compreendida, a incendiar algumas consciências. Quem sabe não terei contribuído para as tristes ameaças e insultos, e muito pior, para a construção do mártir. Só posso nesse caso fustigar a minha própria burrice e incapacidade.

A melhor forma de combater os estúpidos, é ignorar a estupidez, eis um princípio estrutural de uma boa vida, que teimo em não aprender. O controlo (e a proeminência) no espaço mediático pertence invariavelmente aos brutos, insensíveis e ignorantes. Os mais críticos de si mesmos, inteligentes, sensíveis e delicados com os outros e os seus problemas, afundam-se na incapacidade de resistir ao caos, à falta de sentido do mundo. Os mais cuidadosos e responsáveis acabam torturados pela sua consciência, perdidos e assustados no labirinto de consequências e desastres criados no seio da sua poderosa (desgovernada?) imaginação. Hesitam até à paralisia, diante da enorme variedade dos imprevistos humanos, receosos de terem prejudicado indevidamente alguém, triturados na máquina de esconder a injustiça a que chamamos realidade.

Talvez se possa chamar a isto cobardia. Ou cansaço de viver.

quarta-feira, 2 de março de 2016

A vida é curta mas não podemos recuar diante dos grandes dilemas da humanidade.

Na sequência da vaga de fundo irreprimível, vamos voltar a publicar a nossa entrevista fictícia (e satírica) e repito, entrevista fictícia, ou seja, inventada (ficou claro?) ao ilustre Henrique Raposo, mártir da liberdade de expressão.


Henrique Raposo, cronista do Expresso, licenciado em História, investigador em Ciência Política, homem desassombrado, considerado provocador, atacado pela esquerda, bastião da liberdade. Fomos entrevistá-lo a propósito do seu mais recente livro, Alentejo Prometido, no contexto desta recente polémica. A obra incendiou as redes sociais e alegadamente, um grupo de alentejanos já considerou a hipótese de invadir o local de apresentação do livro, apimentando o evento com uma carga de porrada bem distribuída, e fazendo jus à acusação de que o Alentejo é uma terra de violência, num estado de pré-guerra.

Henrique Raposo, obrigado por nos ter recebido aqui em sua casa. Antes de mais, sabendo da sua relação amor-ódio com o Alentejo, pergunto: como é viver em Lisboa?
Sabe, viver em Lisboa é excelente, as pessoas confiam imenso umas nas outras e as raparigas usam variadas vezes a palavra violação, sobretudo para descrever os preços das saladas vegetarianas.

Henrique, já que fala nisso, deixe-me ir direito ao assunto. Durante a sua polémica participação no programa Irritações da Sic Radical afirmou: «as alentejanas antigas não têm a palavra violação para descrever os abusos que sofriam. Ele chegou-se ao pé de mim e pronto».
Isso foi mal interpretado pelas redes sociais, aliás, as pessoas, burras e esquerdistas como são, neste país socialista, atrasado e cheio de alentejanos, tendem a interpretar mal as minhas lições de vida. Eu próprio, ao ser convidado para escrever este livro pela prestigiada Fundação Francisco Manuel dos Santos, fui alvo de uma experiência parecida. O gajo responsável por estes livritos (note-se, livritos vendidos praticamente ao preço do quilo da Amêijoa vietnamita, 3,15 euros, isto é quase dado) chegou-se ao pé de mim e pronto, convidou-me a escrever uma merda qualquer, desde que batesse nos comunistas. Como o Alentejo está cheio deles e a minha família é de lá, não precisava de perder tempo com esses vícios do socialismo como ler livros e exercer a crítica lógica.

Como definiria a experiência de escrever esta magnífica obra, Alentejo Prometido?
Vou dar um exemplo. Sabe, ainda em tenra idade, no monte da minha avó, um maltês pousou a pistola na mesa, e enquanto lhe eram servidos os ovos com linguiça, eu, uma criança já irrequieta, considerei aquilo uma infâmia e perguntei ao maltês se não tinha lido as obras completas de Toqueville. Ele encolheu os ombros. Irado perante o esquerdismo evidente do gatuno, quis saber se o mal-educado não tinha um Pingo Doce onde ir comprar os ovos e a linguiça.

Desculpe interromper, a esquerda é muitas vezes acusada de considerar o Pingo Doce uma instituição perversa, e considerando que o incentivo à criação intelectual deve ser controlado por instituições públicas, com critérios de selecção públicos, critérios esses passíveis de revisão por debate e mudança eleitoral.
Nem mais. Como vê, um absurdo, de outro modo, o público não teria sido brindado com a obra em apreço. Não é para me gabar, mas temos aqui um livro essencial como representação de segmentos da sociedade, descurados pela produção cultural, nomeadamente, os jumentos, mas adiante. O maltês ali estava, a mamar à conta da minha diligente e empreendedora família, quando podia perfeitamente ter adquirido os ovos e a linguiça num magnífico estabelecimento da excelente empresa Soares dos Santos. Mas não, bem pelo contrário, veio incomodar a minha família com uma pistola, dando uns tiros, e pousando a referida pistola em cima da mesa, num claro e inaceitável gesto de terrorismo regional.

Bem, é como diz, Henrique, e isso não o impediu de alcançar uma obra penetrante e arguta, sobre uma das regiões mais trágicas do país, o Alentejo.
Não, de todo, até porque ao escrever, não costumo utilizar o raciocínio lógico. Misturo umas memórias mais ou menos esfarrapadas de mau cinema americano, leio duas ou três páginas daquele velhinho meio holandês, e já um bocado tolinho, o José Rentes de Carvalho, passo a minha língua pela banda magnética do cartão multibanco, e sai-me naturalmente esta capacidade de provocar e combater os lugares comuns.

Fale-nos um pouco mais desta sua especialidade: a provocação. O Alentejo do turismo e do neo-realismo não é o verdadeiro Alentejo. Há toda uma verdade por revelar. No Programa da Sic Radical diz: «Os meus avós (avôs) não tinham carinho pelos filhos porque não tinham a palavra que afunilasse (e sublinho o afunilasse) o carinho, que é "criança"». Esta teoria de palavras capazes de afunilar conceitos, neste caso, o carinho, é algo que nestes últimos dias tem feito brado em algumas revistas de linguística, das mais prestigiadas universidades norte-americanas. Um estudioso chega a sugerir que a origem desta sua clarividente teoria, pode estar relacionada com o facto de os Alentejanos usarem muito o funil, quer para passar o azeite dos tonéis para os galheteiros, quer para passar o vinho dos garrafões para as garrafas.
Não me parece, nunca vi nenhum alentejano a utilizar o funil. A relação entre os conceitos e as palavras, no seio dos alentejanos, é uma relação feita através da faca e da pistola, razão pela qual existe tão pouca gente no Alentejo. E se pensar nisso, verá que é natural, as pessoas têm medo e vão viver para locais onde a confiança é predominante, como Rio de Mouro ou Almada, locais onde, em vez dos Malteses, os antepassados são decoradores de interiores vegetarianos e adeptos de budismo.

Algumas pessoas, tomadas pela inveja, avançam uma outra hipótese para a sua teoria do funil e da criança: a de os seus avós poderem eventualmente ter conhecimento da palavra criança, mas não se sentirem convidados a usá-la, diante de uma figura com a sua maturidade, mesmo quando tinha 6 ou 7 anos, e já lutava pela liberdade das galinhas poderem estabelecer o seu próprio sistema de saúde. Concorda?
Não concordo e vou explicar porquê. Essas pessoas devem ser todas alentejanas. O alentejano é por natureza uma pessoa desconfiada. Pense no cão, por exemplo, o rafeiro alentejano, ninguém fala nisso, mas é uma vergonha. Se chegar a uma aldeia ou vila alentejana, verá um grupo de cães a caminhar na diagonal, de um lado para o outro, em busca de um bocado de osso ou de uma cadelita onde sossegar os instintos, sem que as cadelitas conheçam qualquer latido para designar violação. São animais egoístas os cães alentejanos. Mas se chegar a Arouca ou a Vila Nova de Gaia ou a Santa Comba Dão, verá os cães reunidos em assembleia, desde rafeiros até galgos, a tocarem violino em orquestras de câmara ou reunidos em Parlamento, de onde se conclui que as escolas do norte do país, por estarem menos dependentes do socialismo do Ministério da Educação, e por serem fruto da liberdade cívica e do fervor das comunidades religiosas, até entre os cães conseguem estabelecer laços de confiança e criatividade.

Segundo afirma, os laços de comunidade são fortes no Norte e fraquíssimos no Sul.
Rigorosamente. No sul, como disse, predominaram sempre os malteses, uma espécie de cowboys, bandidos e revolucionários. Uma espécie de cruzamento entre Che Guevara, John Wayne, um cesto de coentros e umas calças de ganga. Os malteses ameaçavam incendiar as colheitas dos proprietários e com este repugnante ataque à propriedade privada, semeavam a violência, e por isso, a desconfiança. Como toda a gente sabe, os malteses são os antepassados da Mariana Mortágua. Só lhe falta ladrar.

Mas no norte, não existirá registo ou vestígio de violência similar?
Nem pense, de todo. Conheço bem o norte, tenho um primo maluco que fez a tropa em Chaves.

Mas em que dados históricos ou sociológicos se baseia?
Ora, não me diga que também é socialista. Baseio-me na minha rica e paranóica experiência em casa dos meus familiares em Santiago do Cacém. Mas deixo aqui mais uma prova irrefutável: já viu a quantidade de malucos no Alentejo? A opção de semear sobreiros ou oliveiras, espaçados entre si, decorre de uma intenção perversa. É para melhor se poderem enforcar em solidão, e com absoluta desconfiança entre si. No norte, por exemplo, predomina o pinhal e nalguns casos, o castanheiro, ou o carvalho. Em todo o caso, tudo árvores altas, precisamente devido ao facto de as pessoas não gostarem de se suicidar. No caso de se verem forçados a fazê-lo, as árvores estão todas juntinhas, o que reforça os laços de confiança.

Mas diga-nos Henrique Raposo: o suicídio é ou não um fenómeno natural no Alentejo?
É curiosa essa pergunta. Repare: ninguém contesta moralmente um terramoto ou o nevoeiro.

Depende, no estádio da Choupana, na Madeira, contesta-se o nevoeiro.
Está bem, nesse caso, sim, mas em geral, as coisas chatas acontecem e pronto. O alentejano vê o suicídio como um fenómeno natural. Olha, matou-se. O que é uma vergonha, as pessoas julgarem que podem agarrar numa corda, enrolar um ramo de figueira, fazerem um nó, e enforcarem-se, num mundo onde existem tantas maravilhas, como eu próprio, ou os livros do Pingo Doce. No outro dia, pretendia ir a um café, numa aldeia da zona, algures no Alentejo, e a senhora, olha para  mim, com um ar de alentejana e diz: está a ver aquele ajuntamento ali. Ele matou-se. E disse isto como quem diz: eu sou do Porto ou do Benfica, ou mesmo, ofereceram-lhe um livro do Henrique Raposo. Já viu bem? Isto não é admissível.

Há muitas pessoas que o consideram apenas um parvo, a quem foi dado um incrível protagonismo, ou por razões comerciais, uma vez que a raridade da sua estupidez atrai imenso público, ou simplesmente por similar estupidez de quem o convidou a escrever, incentivando a sua falta de noção perante o disparate, dando livre circulação à sua despreocupada ignorância e olímpica burrice. O que diria a estas pessoas?

Sinceramente, diria que não passam de uma cambada de socialistas e inimigos da liberdade de expressão, adeptos dos lugares comuns e dessas banalidades, nomeadamente, a crítica esclarecida, a especialização, o trabalho e conhecimento da literatura específica dos assuntos em apreço. Se dermos demasiada importância a essas pessoas, corremos o risco de acabar encurralados numa sociedade totalitária, controlada por alentejanos, sem venda retalho e sem lucros, nem Fundações, sem incentivos privados à criatividade dos verdadeiros intelectuais, num país tão necessitado dos meus conhecimentos.