terça-feira, 10 de novembro de 2009

Aletria com atum

Continuo a achar que António Pedro Vasconcelos é muito melhor comentador de Camilo Castelo Branco, mormente o Camilo das disputas entre velhos senhores de Entre Douro e Minho por vínculos da jurisdição de Felgueiras, do que analista de jogadores, sobretudo porque a leitura de prefácios a obras de Camilo ou Teixeira de Pascoaes não pressupõem a audição daquele sibilar que lembra os ventos das penedias de Viseu a roçar, ao de leve, nas faces graníticas da serra. Se um indivíduo afirma que Maxi Pereira não tem classe para jogar no Benfica, e atenção ao timing em que digo isto, após, provavelmente, a pior exibição do Uruguaio ao serviço das águias (para os leigos, este recurso da invocação do timing - em que o opinador invoca a sua própria ombridade e coragem por efectuar uma crítica num contexto de grande adversidade, tendo em conta o sentido lógico da sua argumentação - é um dos recursos mais prestigiados do cronista desportivo hodierno, sobretudo se foi capaz de engolir três minutos da análise de Luís de Freitas Lobo sem coçar, preocupadamente, o alto da cabeça) dizia eu que se um indivíduo afirma que Maxi Pereira não tem classe para jogar no Benfica (note-se que os conceitos «classe» e «não tem» remetem para gravíssimos problemas, quer da ordem da evolução histórica da teoria da propriedade, quer para as complexas identificações da estratificação social, agravadas neste caso por se tratar de uma estratificação dentro de um segmento profissional, o que nos levaria à questão da avaliação dos professores não fosse o facto de estar prestes a iniciar-se mais uma edição de Trio de Ataque em que Rui Oliveir e Costa vai repetir duzentas e dez vezes a expressão «ponto» para, precisamente, pontuar o final de cada ideia) dizia eu que é impensável que António Pedro Vasconcelos, realizador dos Imortais, o filme mais conseguido de toda a história da produção portuguesa com o final menos conseguido de toda a história da produção portuguesal, tenha um dia pensado que Maxi Pereira não tenha classe para jogar no Benfica. Porque isso nos levaria à consideração, quer dos problemas da ambição política das classes inferiores, quer dos problemas em torno do mérito desportivo, para não falar das angústias em atletas de alto rendimento, e isso não se coaduna com a aletria com atum que tenho ao lume neste momento, a ponto de queimar meia lata de atum Ramires. Além de que Maxi Pereira é, indiscutivelmente, o único jogador do plantel do Benfica cujo corte de cabelo nos lembra uma lixa de marceneiro, o que não sendo uma desvantagem, não deixa de ser uma invocação das origens do clube, tão contrárias às origens brasonadas, e famílias de boa cepa, de outros emblemas bem mais refinados na hora de definir o perfil dos atletas a contratar, ou, como diria Carlos Azenha, a contratualizar no iniciar de cada época desportiva.

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