terça-feira, 29 de janeiro de 2013

É preciso aprender com estes gajos, ou seja, as pessoas em geral. O quê? Não sei.

Para ser justo, pois não tenho ainda o dom de viajar no tempo, embora pouco falte, não vi ainda a nova peça de José Tolentino Mendonça, simplesmente porque não estreou; apenas folheei o texto editado pela Assírio e Alvim e pareceu-me, é claro, mais do mesmo: falta de sentido do que é a linguagem dramática, falta de sentido do espectáculo - o que é de estranhar num padre - falta de sentido da tragédia em que nos meteram - o que não é de estranhar num padre, uma vez que vivem numa redoma de adulação e conforto - falta de sentido da nossa própria irrelevância, falta de sentido das gajas boas, falta de sentido da beleza viril, falta de sentido da humilhação constante que é ter de viver da literatura, meu caro Fernando Pessoa. Lá está, outra das razões porque escrevo textos longos; estou positivamente pouco preocupado com considerações estético-políticas, concentrando-me essencialmente, e por agora, na tentativa de pensar logicamente o que estou a dizer. Quem quer literatura (o que quer que isso seja) ou quem quiser cuspir-me no túmulo, terá que procurar-me noutro lugar. Paciência, que já faltou mais. 
 
 
Quero apenas dizer que depois de um comentário do Tolan, estou cada vez mais convencido de que se queremos escrever coisas profundas, é preciso, por força, que exista em nós um Jorge Jesus humilhado, de cabelo ralo de velhice, mas acinzentado de ilusão contra a velhice, um Jorge Jesus capaz de arrancar a pastilha ao mandibular nervosismo, segurá-la bem cerrada como um tesouro, no interior do punho, gritando com ferocidade e convicção a um jogador relapso um bem sonoro: vai para o caralho, enquanto pensa sobre as dificuldades de fazer concordar o género com a declinação verbal. Em linguagem dos gajos dos livros, isto quer dizer que não basta a técnica, a experiência, o conhecimento teórico e prático do mundo, o desejo de vitória e de comunicação, é preciso também alguma consciência do ridículo, mas sempre num contexto de loucura quanto baste para continuar a expressar ideias num mundo que sabemos absurdo e impiedoso. Reparem por exemplo como se pode dizer, este teatro é uma merda, mas com grande elegância, pensando que se está a dizer uma outra coisa completamente diferente, e apenas porque não se escreveram textos longos, previamente, a clarificar a estrutura do próprio raciocínio, para mais tarde se poder desenhar em dez ou quinze linhas um bom e consciente exercício crítico. Para se controlar a interpretação e atingir a perfeição do estilo, sintético e sem redundâncias, é preciso exercitar e este blogue é um ginásio. Chama-se a isto acreditar no trabalho e na crítica pública. Adiante. Em O sentido do trilho escreve José Mário Silva: 
 
Em O Estado do Bosque, a nova peça que poderá ser vista na Cornucópia entre 7 e 24 de Fevereiro, com encenação de Luís Miguel Cintra, há também uma personagem descrente do discurso que a engendra: «Sinto que o teatro acabou.» Mais do que autoconsciência pós-moderna, trata-se aqui de honestidade intelectual. Porque este texto só é teatro no sentido em que foi escrito em cenas, com diálogos, para ser dito por actores. Se há nele uma força dramática, essa força não tem centro, nem objecto. É uma névoa de palavras, uma imanência. Não há propriamente um enredo, uma história, antes um desígnio metafísico que se materializa, elíptico e fugidio, através das subtilezas da linguagem poética de Tolentino Mendonça.
 
O sublinhado é nosso e assinala que não havendo nada (nem enredo, nem história, nem força, nem centro, nem objecto) então para haver verdade e magia (ou se quisermos, desígnio metafísico), falta Jorge Jesus, tanto na peça como no texto crítico. Por exemplo:
 
O melhor de O Estado do Bosque são mesmo os momentos de poesia em estado puro: «Rosas espalhadas pela neve. Chega até mim o seu perfume. As pétalas são como brasas no gelo. Não sei explicar, mas tudo ganha uma beleza que antes não tinha.»
 
Não são nada, as pétalas não são como brasas no gelo, porque segundo as leis da física, nem as pétalas das rosas são incandescentes, mas baças como veludo, nem as brasas estabilizam sobre o gelo como as rosas sobre a neve. A redundância analógica entre gelo e neve é tão infantil que desespera qualquer leitor minimamente crítico. Além disso, quando se lançam brasas sobre o gelo, ou as brasas se transformam em pedrinhas negras, ou o gelo derrete, ou ambas as coisas, acabando as brasas por desaparecer, modificadas e feridas de toda a beleza; perdem vida e parecem mirrar, enegrecer, afundar-se na superfície gelada, causalidade que me sugere muito mais as consequências não intencionais da política fiscal do que o perfume das rosas. Confundir variações cromáticas sobre o estados dos objectos, com a expressão intelegível de ideias e sentimentos pessoais codificados a partir dos objectos, é uma das muitas e muito habituais confusões estéticas sobre o sentido da poesia. É tudo o que  por agora podemos dizer. Deixo-vos com uma pequena ilustração de  um excerto de um comentador à crítica da peça O Estado do Bosque - a salvação da blogosfera são os comentadores -, a quem gostariamos de ler no Expresso, em vez do José Mário Silva, mas como diria Ruy Belo, «eu vinha para a vida e deram-me dias», que é como quem diz, eu vinha para a crítica e sairam-me burros ao caminho.
 
  
Caro, José Mário Silva,
 
para Tolentino Mendonça o teatro acabou, simplesmente porque não o sabe escrever. Porque é que essa coisa do pós-modernismo tem de servir de desculpa àqueles cujas capacidades, ou predisposições estéticas, não possuem a força ou a vontade suficiente para cumprir os designios propostos por Aristóteles há mais de dois mil anos, mas cuja validade deveria, ainda hoje, manter-se?
Ricardo Régua, comentador do blogue Bibliotecário de Babel.
 
 

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