segunda-feira, 3 de maio de 2010

Shakespeare comparou um dia o peixe apanhados na rede com os direitos do homem pobre apanhados na lei

O ngonçalves - um dos dois autores deste blogue que, confessadamente, já conseguiram dar vida a um novelo de ligações electro-mecânicas - esboça aqui em baixo, ainda que timidamente, uma quase-defesa (resultante da observação continuada das performances psico-motoras de Rui Patrício) do célebre argumento de que esta merda toda que nos rodeia é demasiado organizada, bem gerida, ostensivamente bem esgalhada (ou bem limitada pelas leis da física) para ser fruto do acaso. Discordo. Em primeiro lugar, discordo da apresentação formal dos conceitos: se é verdade que a evolução não pode ser remetida para a caixa das leis universais - uma vez que é o resultado diferenciado (as aves voam, os pexies nadam, os homens andam) de diversos organismos sujeitos a processos também diversos, parece-me simples ver na evolução das espécies não uma homogeneidade de capacidades mas o desenvolvimento de capacidades diversas (resultantes de posições diferentes: essencialmente geográficas) pela resposta casual, mas não arbitrária, (resultante da dupla e muito imbricada relação entre adaptabilidade e selecção natural) dos equipamentos de sobrevivência dos genes e da sua replicação. Se a evolução natural das espécies está bem delimitada pelas leis naturais do planeta, isso em nada permite a pirueta à rectaguarda desenhada pelo ngonçalves no ponto seguinte, onde vemos desfilar um conjunto de palavras-aladas que não aparentam o rigor do primeiro ponto, e eu sei porquê: porque no primeiro momento ngonçalves está a pensar e no segundo está a procurar recrutar-nos para a contemplação do grande mistério das coincidências que não podem ser coincidências. As «características únicas da mente humana»? A «teleologia» que nos diferencia da máquina? Quanto à perspectiva elogiosa da mente humana, sem dúvida ela é enternecedora mas padece, sem dúvida, de um complexo, não teleológico mas auto-referencial, o que também explica o fascínio com o problema da criação e das coincidências: será assim tão difícil à maravilhosa, plena e super-omnisciente consciência humana suportar a ideia do sempre-existente ou será que ainda nadamos na lama medieval das causalidades totalitárias? O retorno aos jardins pré-cristãos é hediondo. Contudo, a cambalhota no sentido das coordenações inteligentes parece-me um retorno ainda mais pronunciado ao animismo cavernoso das ensanguentadas unhas compridas do neanderthal. Não tenho nada contra a existência de criadores mas aviso desde já que esta questão enferma de conceitos deformados por catequistas com decotes pronunciados e pernas voluptuosas que não nos saiem da consciência e ela, maravilhosa e única, não a catequista, mas a mente humana, continua a viver essencialmente segundo princípios em nada diferenciados dos teleológicos princípios do arminho, da porco preto ou da águia de asa redonda.

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