quinta-feira, 21 de maio de 2009

Explicação de uma insuficiência política que o desastrado autor destas linhas remata com uma referência ao poeta

Roma sempre pagou a traidores. Desde o primeiro dia, a variação semântica da traição foi já uma espécie de comércio com a moral. «Sagradas são armas quando só nelas reside a esperança» registou em tempos um velho historiador do Império, chamado Tucídides. O que valida a santidade das acções é a sua eficácia: e, assim, nasceu o que chamamos a modernidade. Alguém fez contas e obteve mais trigo do que aquele que gastou o seu tempo a considerar o movimento das oliveiras e as ondas sucessivas de uma seara percorrida pelo vento. Desde sempre, tudo sempre se comprou e se vendeu: o que muda, o que sempre tem mudado, são os modos de pagamento. E desde sempre os traidores foram sendo coroados, quer pela riqueza que o seu comércio das coisas foi acumulando, quer pela turba que explodiu em aplausos perante a metálica violência daqueles que nasceram, nascem, com o selo da vitória. De qualquer modo, desde o Liceu havia por vezes um bando de aves em passagem pelo azul pérola do céu - uma cortina de seda de súbito atravessada pela luz - um pedaço de névoa que subia da barra e ia rodear a outra margem do rio destacando, em formas rigorosamente nítidas, os contornos das falésias sépia. O rio parecia então estrangulado pelas margens, esmagado pelo peso do céu que desabava, uma vezes carregado de nuvens cinza, outras vezes dilatado pelo movimento lento do sol qur tudo vinha tingir de fogo. Por vezes, os meus olhos fixavam-se num homem de cabelo ralo - óculos desajustados com a moda e uma expressão aflita, uma expressão de quem errou a porta de saída - um homem recortado contra uma parede de granito, numa expressão de súbita alegria como quem ao longe visse anunciar um sentido para coisas que jamais aceitarão a mais ténue sombra de sentido. Momentos havia em que, na sala de aula, vindas de longe, ecoavam considerações sobre as variáveis de um problema para o qual não encontrava solução, enquanto os meus olhos percorriam insistentemente a folha de um livro aberto sobre a secretária: «este meu ódio visceral contra mim mesmo/ este meu profundo amor pela arte».

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