terça-feira, 27 de junho de 2017

O homem pré-histórico, a dor emocional e João Tordo

Nada tenho contra o autor multi-premiado João Tordo, e digo isto com toda a sinceridade que me é possível, tendo em conta o facto de me terem sido concedidos, no atrapalhado e aleatório processo de evolução, um sistema nervoso, competências sociais e linguagem natural dotada com o poder da ambiguidade, mas as reacções apaixonadas dos leitores, e acreditando na escassez de intencionalidade individual implícita na natureza humana, levam-me a esta torturante e infinita missão de compreender os para mim desesperantes enigmas do comportamento em rede, e dou por mim a ler críticas literárias de jovens mulheres, no GoodReads, tal como a que vai seguir-se:


Ser-se português implica carregar todo um legado emocional. Se é verdade que o sentimento saudade só tem palavra definida na nossa linguagem, também é verdade que existem pequenas particularidades que parecem ser encontradas só na nossa gente. A literatura portuguesa tem-se mostrado, nos grandes romancistas, recheada de uma profundidade que é raro encontrarmos na literatura estrangeira. Não falo de complexidades ou genialidades, falo antes de uma capacidade em explorar emoções e locais intrincados da mente humana no que toca ao relacionamento do eu consigo mesmo e do eu com os outros. Estreei-me na escrita de João Tordo com Biografia Involuntária dos Amantes e não demorei muito a aperceber-me que estava perante um escritor com essa capacidade. O luto de Elias Gro, embora num registo diferente, confirma esse talento nato, de alguém já amadurecido na escrita e capaz de enfrentar as suas próprias sombras.

E remata com um excerto do referido livro, O Luto de Elias Gro da autoria do próprio João Tordo:

"Parece que o lugar onde estamos nunca é suficientemente agradável. Deixa-me ver se acolá se está melhor. E, quando lá chegamos, percebemos afinal que a vida também estava a acontecer onde estávamos. Mas agora já estamos acolá e não podemos regressar, porque a vida também acontece acolá."

Vamos deixar por agora esta variação primária, da autoria de João Tordo, sobre um tema original de António Variações, Estou Além, e concentrar a nossa atenção sobre o que nos diz esta simpática leitora que vou manter no anonimato. Quero sublinhar uma afirmação da jovem leitora, quando na posse de uma invejável lucidez diz: Não falo de complexidades ou genialidades, falo antes de uma capacidade em explorar emoções e locais intrincados da mente humana no que toca ao relacionamento do eu consigo mesmo e do eu com os outros. Apetece-me assinalar aqui a enorme generosidade das mulheres, como dizia Vinicius de Morais, colocadas no mundo «só para sofrer pelo seu amor e ser só perdão», não creio que restem dúvidas sobre isso.

Queridos leitores, não quero ser mal entendido! Nesta altura do campeonato já não tenho saúde, idade ou peso para condenar a experiência psico-motora dos meus concidadãos quando se sentem democraticamente representados na página de um livro. A minha perplexidade é sincera, fruto de uma intratável curiosidade mórbida pelo amor gratuito e injustificado, e decorrente de um filtro lógico (imposto à minha mente por um misto de disciplina escolar e recusa da autoridade) viciado em compreender padrões de adesão à realidade. 

Bem sei que um teste sobre a cultura literária (e as competências analíticas e linguísticas dos leitores) nos desvendariam, com excruciante simplicidade, a chave destas problemáticas relações sociais de produção de gajas e gajos apaixonados por livros cheios de tralha sentimental, sem ponta de compreensão sequer da ponta de um corno de um touro de Benavente, quanto mais sobre os locais intrincados da mente humana no que toca ao relacionamento do eu consigo mesmo. Uma das características do eu na relação consigo mesmo é a incapacidade de saber de que forma o eu dos outros se relaciona com eles mesmos. Neste domínio, recomendo um vídeo de Gustavo Santos.

Sabemos bem como tudo isto resulta da liberal desigualdade na distribuição de motores de busca adequados à procura de sentido para o absurdo medo do mundo em que vivemos, num tempo em que a religião deixou de ser socialmente aceitável. As pessoas (e bem) ficaram entregues a si próprias, e invadiram desesperadas as livrarias, em busca de um texto onde a sua incapacidade de subjugar os outros pela inteligência (ou o poder profissional e financeiro) encontre o justo (e generoso) correlato de uma cura para as dúvidas sobre as suas próprias inseguranças. 

Em cima de uma linguagem saturada de palestinianos pescadores de sandálias e platonismo filtrado pelo voluntarismo semita (repetida incansavelmente aos nossos ouvidos durante dois milénios) os sacerdotes descentralizados da pós-modernidade (os cultores da palavra impressa) já muito encostados à parede pela jargão da psicologia popular (os lugares emocionais, as feridas da memória, os amores feridos) vão agora, esfarrapados e esfomeados, recolher pobres leitores perdidos nesse gigantesco subúrbio formado pelos corações atribulados da sociedade do (risos) conhecimento. Sofrem as mulheres (em maior número, na medida em que sempre foram o público mais dotado em capacidades de organização do tempo e interesse pelo que os homens confusos têm a dizer) e sofrem os homens apanhados nas garras da sentimental-literatura-premiada pelo desejo de negociar em espécies raras.

Será justo libertar o riso por cima desta Tragédia? Sim, pois não se trata de uma tragédia mas da vida de todos os dias, em que é necessário respeitar o adversário, mas não dar tréguas à ignorância, ao oportunismo e à falta de respeito pelas pessoas, mesmo, ou sobretudo, as que não devem ser tratadas como atrasadas mentais só porque não possuem um Doutoramento em Sociologia dos Transgénicos Pouco Apreciados por Tatuados Comedores de Saladas Biológicas Com Familiares Afro-Ameríndios. Claro que a reacção mais evidente será a de recusar um discurso, neste caso, o meu, assente na expressão eventualmente grosseira de um julgamento (eventualmente sobranceiro e cruel) sobre a trapalhada sentimental em que labora o projecto literário de João Tordo. Afirmativo, como dizem os agentes da autoridade, é essa a beleza de sermos todos diferentes (em diversa relação com o nosso eu e com o eu dos outros) onde acresce o facto de eu ser um gajo particularmente irritante (muitas vezes em desacordo com o meu eu) e apostado em diversificar a fauna do nosso mundo literário. Nesse sentido, queridos amigos, vou partilhar convosco um texto de trabalho, acompanhado por materiais didácticos.

 Aos 4 minutos e 54 segundos do instrutivo vídeo que o estimado leitor pode ter a oportunidade de visualizar no link abaixo, o companheiro de luta João Tordo profere as seguintes afirmações, e passo a citar:

«Como é que eu lido com o sofrimento? Quando eu escrevi o livro percebi alguma coisa sobre o sofrimento que eu não tinha percebido antes, no sentido em que, quando eu terminei o romance... (pausa, confusão mental, curto-circuito, bzzzzzzz, prossegue em esforço) Nós temos uma relação física com a dor que é muito óbvia, quando eu parto um braço (João Tordo agarra o pulso) ou se me dói aqui (João Tordo aponta para o ombro esquerdo) eu vou ao médico e trato o braço, ou trato aqui (João Tordo, um pouco atordoado, aponta para o ombro esquerdo, já visivelmente aterrorizado pela trapalhada em que se meteu) e sei instintivamente que o sítio onde está a dor física é o sítio onde a dor se cura (bzzzzzzz, pfrrrrrrrrr, válvulas em alta pressão, perigo de colapso na cabeça do João Tordo, ó rodas e engrenagens rrrrrrrr eterno! e prossegue em esforço) ou tem a possibilidade de chegar à conclusão. (João Tordo faz nova pausa, olha para o infinito, e de uma forma decidida, corajosa, autoritária, impenitente, remata para a conclusão). Na dor emocional a coisa é muito diferente. Porque na dor emocional, na dor emocional a nossa resposta é a fuga (pausa para pensar, pânico, dúvida existencial, e prossegue). E isto é assim, desde sempre (riso embaraçado, encolher de ombros, pânico, dor física no intestino, vontade de fuga, mas prossegue) Já se falava, já se falava dos homens, do, dooo, doooo, os homens pré-históricos, o homem pré-histórico reagia assim também, os, os, os, tinham três comportamentos, luta (com as mãos abertas, querendo agarrar a fugidia ideia pelos cornos) fuga e paralisia  (olha para o entrevistador como se tivesse avistado um búfalo agressivo, mas retomando a sua posição de estadista, prossegue) E a paralisia surge quando, quando há um fenómeno de tal maneira, de tal maneira, aaaaaaa, estranho ou que cause tanto sofrimento que a nossa única resposta é paralisar (sensação de alívio na cara de João Tordo por ter chegado ao fim da paralisia) E essa nossa reacção que se foi propagando geneticamente (João Tordo faz um gesto de espiral, simbolizando um esforço neuronal no limite das suas possibilidades sinápticas) chegou até hoje, portanto, a nossa resposta perante a dor emocional é fugir». 

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2 comentários:

Anónimo disse...

as mamas da senhora do gif estão com uma grande dor emocional e por isso querem fugir! libertai-as, senhor, libertai-as.

Anónimo disse...

João Tordo, mais um escrevedor lampião na linha de grandes vultos da escrita vermelha como Jacinto Lucas Pires.