terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Subir para os ombros dos gigantes: a mecânica estatística do prestígio virtual.

Nos intervalos das mais variadas coisas, incluindo raparigas que fazem saltar caricas com as mamas, este blogue tem refletido sobre os mecanismos de comunicação em massa, e para maior clareza analítica, tem recusado a espuma, manchada de petróleo, deste singular quotidiano, os ódios enquistados no alto da cabeça dos jornalistas, enfim, tem evitado a estrutura sociológica da nação. Ora, estes dias melancólicos foram palco para mais um desses sismos de notoriedade, nada mais, nada menos do que um sobressalto mediático no sistema blogosférico, o que constituirá, nos próximos meses, utilíssima experiência de laboratório. O caso conta-se em dez segundos. Um blogue excelente: Gremlin Literario; excelente e largamente ignorado pela matilha (chamo desde já a atenção do público para este magnífico texto sobre a cultura italiana, largamente ignorado). A dado momento, eis publicado, no referido blogue, um excelente post, de Margarida Bentes Penedo, sobre Mário Soares a propósito de Eusébio, um post bem escrito, intenso, claro, profundo, parcial (como deve ser todo o ponto de vista honesto, iluminista e democrático). O texto é transformado num fenómeno de fulgurante circulação nas redes sociais. Provavelmente (e arriscamos já um interpretação prévia sobre os dados acumulados por 35 anos de experiência da coletividade nacional a que pertencemos) apenas devido a dois simples mecanismos: a) o facto de um amplo conjunto de pessoas, onde se contam muitas particularmente influentes no país, nutrir um ódio profundo a Mário Soares; b) o facto de um outro amplo conjunto de pessoas, mas muito pouco influente no país, nutrir um particular ódio pela política, pelos livros, e por todas as pessoas que se assemelhem a leitores especializados de livros, o que por aleatória movimentação das coisas, sucede também ser o caso de Mário Soares, ou seja, um político odiado e espertalhão que, apesar de só por notável e profunda ignorância poder ser confundido com um homem culto ou lido, cruzes credo, acaba constantemente por ser tomado pelo povo como um intelectual. Quanto aos complexos labirintos da causalidade: pelo facto de a tocha ter caído sobre um fardo de palha não se deve deduzir que a tocha não tem ímpeto combustível ou eloquente brilho. Consequência: uma explosão de visitas, de impacto imprevisível.

Haverá nisto injustiça, casualidade, desproporção, mérito, mera repercussão das coisas serem o que são (olé)? Bem se vê como nos faltam conceitos (e se calhar coragem) para medir os movimentos do nosso mundo. Dizia um brilhante filósofo francês: estamos condenados a não compreender os textos produzidos pelo nosso tempo. Ora, neste nosso blogue recusamos aceitar essa condenação. Os textos do passado, filtrados pelo exigente e elitista Cronos, deus do tempo, são por nós amados com toda a força do nosso ser e entendimento. Os textos do presente são para nós o campo de batalha que nos recusamos a abandonar de mãos vazias. Por isso, é muito provável que os textos do futuro tenham algo da nossa trágica identidade. Acompanharemos o caso, como é da mais elementar justiça. E logo se verá se a curva de notoriedade pode ser forçada pelo mérito ou se está condenada à hierarquia autoritária, ditada pelo triunfo dos preguiçosos, vaidosos e ignorantes, sempre escondidos por esse enorme carrocel de feira, estridente e horripilante, a que chamam liberdade de informação.
Moral da história: ao contrário do que julgamos, não é o riso ou o raciocínio o maior abono de família da história humana. É o ressentimento contra os objetos do ódio coletivo. Sempre me pareceu que a humanidade estava fundada sobre uma espécie de bullying socialmente tolerado. Desconhecemos o quanto a raiva e ódio impotente sustenta uma grande parte das nossas instituições. Quanto a nós, declaramos guerra ao imediatismo. Morrer sim, mas devagar.


This Week's Visits
 
Evolução das visitas do blogue Gremlin Literário, antes e depois do post Era "só" um futebolista.

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