terça-feira, 21 de maio de 2013

Um gajo tem que ver as coisas como elas são!

O futuro de Portugal está nas mãos das mulheres, ninguém duvide. Tive o privilégio de assistir à transmissão de uma exemplar sessão do consagrado programa Prós e Contras, e desde logo devo comunicar que se debateu, com grande profundidade e detalhe, o papel dos jovens na salvação de Portugal, do mundo, das moléculas de carbono, dos genes como catalizadores de proteínas. Vou passar, de subito, como dizem as belas italianas, ao âmago deste texto, uma vez que me foram apontadas mortais tendências para a dispersão, uma coisa que me ficou desde que em 1992 assisti - ainda escuteiro adolescente, e na época especialmente interessado num grupo de gajas da cidade de Aveiro, também escuteiras como eu - a uma desinteressante conferência informal do actualmente nomeado cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, naquele dia envergando camisola castanha com flor-de-lis negra, e calças de ganga americanas, e estando na posse do seu inconfundível estilo mortalmente entediante, versando sobre um assunto qualquer de fundamental interesse se bem me lembro, ou pelo menos foi o que pude notar quando o sol rasou os pinheiros da gândara, momento em que me deu para observar as dunas de Cantanhede, e o rumorejar atlântico das ondas, revolvendo as pedrinhas e conchas no fundo mar, deus guarde sua alteza real, o rei D. João V que nos dotou com um patriarcado à semelhança de Veneza, cidade dormente, circundada pela sua formosa laguna.



Regressados ao ano de 2013, noticio aqui que as duas bancadas do programa televisivo de ontem foram representadas por duas moderadamente atraentes mulheres, Raquel Varela e Bárbara Rosa, curiosamente, as duas entaladas entre dois ridículos exemplos masculinos (que me dispenso de caracterizar por motivos endócrinos), sendo que foram as duas mulheres, sem margem para dúvidas, quem mais se destacou em termos de clareza dos argumentos, exemplaridade intelectual e, mais importante que tudo, na performance oral. Discutiram-se modelos sociais. Para grande tristeza minha (e digo isto do alto do meu jarro de tinto bebido agora mesmo numa pitoresca rua de Lisboa, mais concretamente a rua de S. Paulo, Restauramente O Gaiteiro, exemplo máximo da excelência gastronómica magrebina de baixo-custo) tanto a Raquel Varela como a Bárbara Rosa prolongam o modelo ético-católico da mulher portuguesa e oferecem como solução financeira para as contas públicas, nada mais, nada menos do que o controlo das virtudes cívicas. Caramba, como são brutas e dolorosas as patas da desilusão mugindo no túnel do destino, Alexandre O´Neil salvai-nos e salvai Portugal, terra das sardinhas decapitadas no azeite.


O problema pátrio, segundo as duas intelectuais em crescendo mediático, não passa de um défice ético-moral, político-institucional, sistémico-estrutural, e logo agora que estava mesmo convencido (depois de ontem ter lido duas páginas de um opúsculo de Alain de Botton sobre a sexualidade) de que o problema de Portugal era o sub-desenvolvimento da sua indústria pornográfica. Segundo o aclamado filósofo britânico, a pornografia on-line está a constituir-se numa instituição destruidora, manipuladora da atenção dos adolescentes, voraz devoradora do nosso tempo de produção e do nosso potencial criativo. Botton dá o feliz exemplo de que uma coisa é oferecer a leitura de Tchekov numa noite nevada, quando os custos de substituição implicam percorrer a pé os vinte quilómetros da casa mais próxima de um amigo, e outra coisa é oferecer a mesma leitura quando os custos de substituição implicam clicar no computador para abrir uma janela visual onde se agita uma voluptuosa e desnuda trintona russa. Como solução, o filósofo britânico propõe uma fusão entre pornografia e erudição, com o intuito de promover a educação do intelecto através do vector desejo, utilizando as pulsões naturais dos adolescentes como driver político, desde que os enredos do chavascal possam incorrer em deambulações aristotélicas, versando paralelismos entre a beleza renascentista e a humildade das posições na cópula, o ensino da afectividade e o respeito sexual pela mulher, especialmente a boazona, isto por intermédio da mistura entre conteúdos filosoficamente ricos e situações de sexo explícito. É um caminho, ninguém duvide, e é Alain de Botton quem o defende, não sou eu. Sim, porque a minha pessoa, leitora atenta da inolvidável obra de Adam Smith, Teoria dos Sentimentos Morais, está bem alertada para os efeitos de elasticidade nos mercados do prazer, o que desde logo me sensibiliza perante as diferenças vincadas entre graus de aversão ao risco, manifestados, respectivamente, por indivíduos masculinos e femininos, quando se trata de ajavardar, ou em linguagem depurada, intensificar o comércio sexual, qualquer que seja a modalidade da intensificação (muitas vezes com a mesma pessoa, poucas vezes com diferentes pessoas, muitas vezes com diferentes pessoas, poucas vezes com a mesma pessoa). Uma coisa é o efeito de satisfação pessoal (cuja magnitude só tem leitura definitiva em séries temporais longas) e outra a alocação do tempo e dos capital físico em face das expectativas futuras (Keynes, Teoria Geral, Cap. 9) o que constitui um incentivo para ler Tchekov, ou arranjar um bom rendimento mensal, em vez de consumirmos a maior parte do tempo a esgalhar, isto se não queremos ficar para todo o sempre e irremediavelmente a esgalhar. Como literatura de apoio recomendo o clássico instantâneo: Egalitarianism, Housework, and Sexual Frequency in Marriage.


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A certa altura do estimulante programa apareceu um jovem tolo intitulado Martim, responsável por um projecto de venda de camisolas da (pseudo)moda a baixo preço, e que tem gerado a indignação moral de muitas pessoas parecidas com a Raquel Varela. O Martim, segundo consta, não precisou de bater punho, foi a expressão utilizada pelo blog de referência entre os profissionais da indignação justiceira, pois, alegadamente, o Martim convenceu as miúdas mais giras da escola a envergar as suas camisolas. Não vou sequer perder tempo com a importância de saber se o facto de o Martim estar convencido de que sabe quem são as miúdas mais giras da escola (ignorando os problemas implícitos sobre a informação incompleta na definição da sua curva de vendas de camisolas) não poderá ditar a sua falência em breve, o que seria suficiente para entender que estando os profissionais da indignação tão indignados, pouca clarividência lhes resta para evitarem padecer dos mesmos erros da economia clássica que tanto pretendem combater. Prefiro antes dizer que é perfeitamente injusto acusar o Martim de não bater punho, pois é bem provável que um rapaz de 15 anos, apostado em comercializar camisolas a baixo preço, ande a bater o punho até demais, e como se não existisse amanhã, pois até eu, que era como adolescente uma versão de S. Francisco de Assis mas em melhor defesa esquerdo, já tinha com essa idade ultrapassado parte dos problemas de punho, o que me retirava tempo para comercializar camisolas e me obrigava a ler a obra poética de Almeida Garrett, uma cena que, nunca compreendi porquê, tinha grande saída entre as adolescentes da minha geração.


Contudo, tanto a Raquel Varela como a Bárbara Rosa acham que vivemos um problema de polícia, de vigilância dos comportamentos, uma dificuldade na disciplina do desejo e isto é muito triste porque me lembra quanto desperdício de energia o século XVIII levou a cabo para demonstrar que o homem é um aglomerado de indecisões e que a informação incompleta e as limitações da razão (ou seja, os problemas que julgámos durante muito tempo associados à mordidela na maçã) explicam quase tudo sobre a nossa infelicidade. Mas do ponto de vista das duas bloguistas, o problema é o da limitação forçada das opções, uma (Raquel Varela) defendendo a colectivização do poder (Parlamento democrático com eleição popular directa) a outra (Bárbara Rosa) defendendo a transparência e a denúncia dos atropelos jurídicos (elegendo as decisões Parlamentares como critério ético). Em ambos os casos, e para limitar a acção do mal (sem que curiosamente se tenha definido o mal) privatize-se a banca (Raquel Varela); ensinem-se as virtudes da cultura cívica (Bárbara Rosa); nacionalizem-se os recursos (Raquel Varela); combata-se a corrupção (Bárbara Rosa); evitem-se as rendas e monopólos privados (Raquel Varela); puna-se a prevaricação perante o direito público (Bárbara Rosa). Minhas caras pessoas e mulheres de bem: menos estardalhaço e mais estudo, ora aí está uma boa receita moral, pois a limitação das opções, seja feita por incentivos monetários, reguadas do professor ou cacete da polícia, tem inevitavelmente um custo. E este custo, como bem viram os senhores de cabeleira de rolos, sapatos de fivela e casaca de seda, pode ser reduzido ou através da punição ou através do incentivo, mas em qualquer dos casos, estaremos sempre a falar de um custo social que precisa de ser medido e imputado a alguém, se possível com distribuição do esforço e esta merda é que é muito difícil de fazer; chorar todos sabemos, já nascemos a guinchar e se não guinchamos, levamos uma palmada, e zás, problema resolvido. A corrupção, a parasitagem no Orçamento de Estado, ou a rentabilização privada de monopólios naturais, prendem-se com a dispersão de objetivos humanos, ou como diria Herbert Simon, um homem da ciência da computação, prendem-se com a separação física entre os diversos sistemas nervosos centrais, separação onde se revela o ponto crítico do problema pelo qual deviamos manifestar mais respeito, isto se o queremos resolver. Mas será que queremos? Não sei, não sei.


Claro que tanto a Raquel Varela como a Bárbara Rosa já nos abandonaram neste ponto da discussão pois estão mais ocupadas a ganhar a vida segundo a tradicional militância empenhada da responsabilidade cívica (risos) e o empunhar das bandeiras válidas e disponíveis segundo as regras vigentes do jogo monetário (ainda mais risos), onde se cavalgam as famosas e estafadas condições naturais do homo politicus ou economicus: muita indignação perante as injustiças da realidade (pela qual ou não somos responsáveis de modo nenhum, ou somos inteiramente responsáveis com grande contrição e reconhecimento de culpa). A política do século XX está baseada na esperança da perfeição, quase sempre ou por meio do cárcere e do julgamento ou por meio da transparência das relações num mercado. Eu, como sabem, uso o computador para colocar problemas, e digo às duas estimáveis meninas a figura ridícula que ambas fazem, mas sem defender as algemas para qualquer uma delas, e muito menos processos judiciais para todos os abençoados prevaricadores que nos lembram o passado recente da humanidade.

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Se dúvidas existissem (e agora volto-me particularmente com especial caridade para a figura da Bárbara Rosa, aquela que julgo mais perniciosa porque mais sofisticada) basta saber duas coisas: que a autora abandonou a profissão jurídica, segundo a própria, porque se sentiu impotente perante a burocracia (mas quer agora ensinar-nos o que é uma «má despesa pública», sem antes ter conseguido resolver os problemas clássicos do que é um mau sistema de justiça) e vá de ganhar a vida a explorar a nudez do rei, a saber: a incapacidade do sistema político monitorizar a sua despesa ou clarificar os impactos nominais e os custos sociais das suas políticas e despesas públicas. Além do mais, a estimada Bárbara Rosa tem como editora deste estapafúrdio projecto, a burra da Zita Seabra, uma pessoa que oscila, como o bêbado da aldeia, entre duas das maiores parvoíces da história da humanidade, o comunismo e o catolicismo. Utilizar a raiva e o descontentamento de funcionários, públicos e privados, para obter informação sobre contratos e publicar essa informação, é um negócio lucrativo e quem sou eu para julgar formas de ganhar a vida reconhecidas pelo Estado de direito. Agora, refletir sobre processos e sistemas de controlo sobre a execução orçamental na sua relação com a distribuição de rendimentos e os incentivos necessários a uma eficiente alocação do trabalho e dos produtos, isso fica para blogues obscuros e isentos de publicidade como o Elogio da Derrota.


O simples facto de a Bárbara Rosa e a Raquel Varela estarem a experimentar a animosidade do público, ao entrarem nesta discussão geral, serve como exemplo eloquente do que está em jogo: o problema não são apenas os recursos escassos, pois a imaginação humana tem poderes muito amplos de potenciar recursos, o problema é a nossa necessidade de encontrar um contraste para definir um objecto de desejo. Sem inimigos, como demonstraremos as nossas virtudes? Tanto faz que o inimigo seja a banca ou o poder político, precisamos de um inimigo, e a forma como definimos esse inimigo, define a unidade de medida do nosso papel político. Falta construir uma política segundo este princípio geral, eu agora não tenho tempo, desculpem. Sobretudo porque tenho muita dificuldade em encontrar inimigos e talvez por isso ainda não me tenham chamado à televisão. Aqui não sujamos a mãos em batalhas de sobrevivência e muito menos no mercado (assumimos a nobreza da nossa condição e ganhamos a vida recorrendo ao Orçamento de Estado) e se falamos da Raquel Varela e da Bárbara Rosa é só com o intuito de introduzirmos o importante tema do próximo post: «a economia clássica e a degradação humana segundo Primo Levi».

8 comentários:

Tolan disse...

clap clap clap

Anónimo disse...

avanço técnico sem controlo demográfico não serve de nada. a onda dos Martims está a chegar. Disem que são todos sobredutados, como os astrunautas,e vão salvar o dia.

Anónimo disse...

a onda dos martins já chegou! levamos com ela nas trombas, gostámos e agora estamos a sofrer as consequências. mas, já agora, quem é esse martim?

Bárbara Rosa disse...

Boa noite,
- "elegendo as decisões Parlamentares como critério ético" - eu disse, está gravado, q o exemplo não vem de cima (nem do gov nem da AR), ou seja, o contrário daquilo que escreve;
- eu não exerço advocacia (pese embora permanecer inscrita na OA, adianto-lhe para o caso de ter cusiosidade) o que não é o mesmo que não ser jurista, como dever saber.

Louvo-lhe a disponibilidade mental para ter pensado tanto em mim.

Atenciosamente,
Bárbara Rosa

Anónimo disse...

Cara Bárbara:

Se o exemplo não vem cima, gostaria de saber qual o critério utilizado para considerar uma despesa pública como má, como aqui referi uma vez, sobretudo quando, como no seu caso, se reconhece a soberania parlamentar e executiva, por exemplo, em relação à dívida pública. E creio que num outro post a sua resposta foi invocar um regime jurídico qualquer. Se isto não é ter o Parlamento como critério ético é pelo meno laborar numa gigantesca confusão.
, porque também ainda não conseguimos perceber os fundamentos da sua ética.

Sobre a diferença entre jurista e advogada é irrelevante para efeitos do argumento. A questão é: porque não utilizar os mecanismos legais, incluindo a lei eleitoral, para resolver o seu problema com a despesa pública de forma sistemática? Tavez a resposta seja: porque dá muito trabalho?

Eu gosto muito de pensar nas pessoas e em todos os assuntos em geral, obrigado pelo louvor, e a Bárbara é uma pessoa simpática, embora um pouco confusa.

cumprimentos.

Bárbara Rosa disse...


Classificamos (eu e o outro autor do MDP) a (má) despesa pública tendo por base os seguintes pressupostos:

a) Classificação económica da(s) despesa(s) pública(s) constante do anexo III ao Decreto-Lei n.º 26/2002, de 14 de Fevereiro, que aprova o regime jurídico dos códigos de classificação económica das receitas e despesas públicas;

b) Gestão pública com o exclusivo objectivo do cumprimento das tarefas prioritárias do Estado, tal como definidas na Constituição da República Portuguesa.

Assim, todo e qualquer montante pecuniário de natureza pública aplicado em situações não contempladas na referida classificação económica das despesas públicas é por nós assumido como exemplo de má despesa pública.
Por outro lado, analisamos a despesa pública à luz dos princípios fundamentais da contabilidade pública, como sejam a legalidade e a transparência na aplicação dos recursos públicos, associados aos princípios de rigor e eficiência financeiros, visando a concretização das prioridades de política económica e social. Ou seja, analisamos, caso a caso, a adequação da despesa efectuada com os respectivos objectivos a atingir, tendo como vector a relação custo-benefício de cada despesa, em observância a uma gestão orçamental adequada e consentânea com o estado em que o país se encontra.

Atenciosamente,
BR

Bárbara Rosa disse...

NB1: essa info está disponível na pag do Facebook do MDP desde a sua criação-há mais de 2 anos.
NB2: a referência ao não exemplo da AR e GOv por mim mencionada foi no contexto da ausência de soluções para o país, independentemente de terem origem na esquerda ou direita- foi na parte em que afasto essa dicotomia no que concerne à resolução dos problemas, mormente em crise. Basta ver o vídeo.
Se tiver qualquer dúvida pode contactarnos por e-mail: a única coisa que nos move é a informação sobre má despesa pública-a pouca q encontramos nos tempos livres, extra-profissionais.

BR

Bárbara Rosa disse...

*contactar-nos