quarta-feira, 22 de maio de 2013

São onze contra onze e no fim ganha o futuro.

Um pequeno interlúdio antes do anunciado post sobre Primo Levi; sim, um interlúdio, porque isto dá trabalho ou pensam que eu sou o José Luís Peixoto?

Mal eu sabia que o choque titânico entre o empreendorismo e o parasitismo intelectual apaixonaria a opinião pública durante o dia de ontem, de hoje, e sabe-se lá mais quando. Juro que não sabia, não sabia, se não, nunca teria dedicado o texto a um assunto desta magnitute; pensei que era única pessoa a assistir ao programa, e nem sequer pude ver em directo a já famosa intervenção da estimada Raquel Varela, pessoa que passa neste momento pelas esquinas da vergonha pública, sem poder contar sequer com a simpática protecção do Daniel Oliveira. Mas há algo de perturbador em tudo isto: a Raquel Varela é doutorada, um dos alvos preferenciais da dinâmica turba habitante das caves digitais. Fosse a Raquel Varela uma simples analfabeta, como a grande maioria dos habitantes das caves digitais, e nada disto teria acontecido. Já sabemos que um doutorado pode ser um analfabeto funcional, mas fosse a Raquel Varela, repito, uma analfabeta sem títulos académicos, e nada disto teria acontecido, uma vez que nada há de tão entranhadamente detestado pela cultura portuguesa quanto a vida universitária, e com uma certa razão, diga-se, ou não fosse este o país onde a inenarrável Universidade de Coimbra reinou durante séculos sobre os escombros de qualquer possibilidade crítica. Ou não fosse este o país onde os Professores Universitários parecem ou curandeiros de aldeia, fechados sobre os seus estranhos e obscuros projectos, ou sindicalistas acossados, acorrentados às necessidades de proteger a sua própria reprodução em cativeiro.


O exemplo também serve para as pessoas de bem, que por acaso pertencem aos quadros do raciocínio académico, entenderem que não devem entrar em diálogo no contexto de climas perigosos, sejam as feiras quinzenais nos terreiros de vila realengas, como Ponte de Lima ou Estremoz, ou em programas de televisão de grande audiência, como o Prós e Contras ou as Tardes da Júlia, a não ser que estejam dispostos a fazer parte da ficção que nos domina porque sempre nos dominou. Porque não publicam antes livros de qualidade a baixo preço estimulando boas editoras universitárias? Bem, vamos ao que interessa.

O que apaixona em todo este episódio é a exemplaridade dramática do caso, a sensação de que nenhum dos dois, Raquel e Martim, tinha grande escolha, pelo facto da vida os ter levado até aquela arena, onde deviam ser consistentes com todo um plano trágico: ser um ganda maluco, despachado, certeiro, voluntarioso, cool, no caso do Martim, ser uma abnegada mártir, obstinada e convicta, mais afectiva do que lógica, um animal político das causas justas, no caso da Raquel Varela. Por isso, o encontro violento, do qual emergem os guinchos da dor pública, tem qualquer coisa de mítico, onde os tipos sociais realizam as suas possibilidades, obrigando-se ao combate para não trair o jogo dramático que dá sentido à existência de ambos. Duas categorias fragilizadas mas em ascensão, o jovem prático e a intelectual mulher, defrontam-se no palco do mundo, e jorra o sangue do prestígio e da chacota social. Ganhou a juventude mediatizada e habituada à pressão de comunicar, porque sempre mais amada pelos deuses. Pena não ter sido uma «Constança» contra um «Fernando Rosas» e eu próprio teria dado pulos de alegria e vivas ao futuro em pleno sofá.

8 comentários:

Vincent Poursan Reloaded disse...

Li (ou antes, tresli, derivado ao facto de eu agora andar no zaping de programas com felinos por ter caído numa esparrela subliminar) os teus 2 posts. Por acaso também vi esse tal de prós e contras. De modos que, agora assim de repente e porque tenho que ir ver uma cena com chitas e leões, só me ocorre que achei o programa uma real cagada. Só o vi porque fui olhando prá raquel varela e prá bárbara rosa enquanto fazia cálculos minuciosos das probabilidades que eu tenho de etc etal… o que me deprimiu.

Pra dizer mais alguma coisa… eh pá, olha… por exemplo que a bárbara rosa devia mudar o nome pra rosa bárbara. Prontos, agora assim de repente (como já acima referi), não me lembro de mais nada sobre esse tal faz de conta, pós e montras ou lá como aquela merda se chama.

E desculpa lá mas agora não tenho mais tempo, tenho de ir pôr betadine nuns arranhões.

Zé disse...

Querido Alf

Não vi o "pograma da Fátima" porque é sempre uma merda tão grande que espelha bem o país. Ora, por força do meu múnus já me confronto com o país bué e ainda pago 48,5% de IRS o que passou de me chatear para uma coisa pior que não sei bem o que é. Quero eu dizer: sou um intelectual que só gosta de ler livros e merdas interessantes e bem escritas como as tuas e as do maradona. Este último já praticamente não escreve. Na televisão só vejo desporto e honras sejam à Sport TV e demais canais desportivos disponíveis no MEO.
Mas, dizíamos então, graças a ti, fui ver que história era esta e comento o seguinte:
É claro que o facto de ter sido atribuído um doutoramento, para mais seguido de um convite para ir à televisão, a uma mentecapta como a Raquel Varela a torna a ela (e a nós todos e é sempre isso que faz sucesso em Portugal) alvo de chacota. É a chacota deprimida, a graça triste, o fado português...
Dito isto nem percebo o último pagrágrafo do teu post. Não queres explicar para inteligentes?
Abraço admirador

Anónimo disse...

caro zé,

o último parágrafo é um estudo sobre a exigente audiência portuguesa. entre big brother e o cansativo manzarra, o público português, neste momento de grave crise, para formar opinião sobre o que o rodeia, exige que na arena mediática se confrontem a creme de lá creme do pensamento filosófico e empresarial português. assim sendo, o que de melhor produz portugal além do empreendedor cool e da doutorada obstinada, representados no famigerado prós e contras por martim e raquel?

nada. querias quem? escritores falhados contra futebolistas de qualidade muito duvidosa? josé luís peixoto contra bruno alves? tás maluco pá! pintoras gagas contra físicos vesgos? paula rego contra carlos fiolhais? não pode ser pá!

os debates entre o empreendedor cool com as suas ideias, qual arquimedes dos tempos modernos "eureka, vou estampar camisolas e vendê-las pela net, criar riqueza e empregos" normalmente jovem rapaz com vida desafogada q.b., e a doutorada obstinada com as suas opiniões, qual galileu dos tempos modernos "Eppur si muove, isso é tudo muito bonito mas o tu tás é a perpetuar o sistema económico de exploração dos mais fracos pelos mais fortes" menos jovem mas com vida igualmente q.b. desafogada, serão de tal forma determinantes para a formação das mentes futuras que os tempos vindouros só poderão sem bons.

no fundo, alf está a dizer-nos que tudo correrá bem. a vitória da juventude mediatizada isso o comprova. o empreendedor cool sairá sempre vencedor e cada vez mais cool, porque a doutorada obstinada terá de sair perdedora para continuar obstinada, para firmar opiniões ainda mais obstinadas contra as cada vez mais cool ideias empreendedoras.

a crise vai passar.

Zé disse...

Obrigado irmão anónimo. Acho que é isso que o alf quer dizer, só não me parece que tenha razão nenhuma. O puto (quer dizer o empresário em geral, no caso concreto do puto não faço ideia) faz o que faz porque gosta de fazer negócios. Se for bom empresário faz porque gosta do negócio e tá-se a cagar para o resto. A gaja nem percebo porque aquilo é abaixo de toda a crítica. E olha que eu adoro intelectuais. Ao contrário do que diz o alf eu acho que o povo gosta de intelectuais. O povo não gosta é de tótós daquelas (ou um Boaventura Sousa Santos) que vê-se a léguas que estão a reproduzir lugares comuns que lhes enfiaram na cabeça porque são totalmente desconhecedores do que é o mundo e portanto não têm qualquer capacidade crítica da realidade. 98% da esquerda portuguesa é esta merda.
Se a crise passa ou não passa não sei e acho que tem pouco a ver com isto.
Abraço fraterno

Anónimo disse...

irmão zé,

fraternalmente te digo que sim, instintivamente concordei à primeira com o martim e os restantes martins que apuparam raquel varela. que mal fez o puto? de facto, pareceu-me que a doutorada obstinada em questão perdeu uma extraordinária oportunidade de permanecer calada. mas, pensando melhor, e fico-me apenas pelas merdas mais básicas, como é que um puto de 16 anos vai parar ao prós e contras para falar do seu espírito empreendedor e de como consegue exportar a sua marca? hã? terei ouvido e visto bem? é que foi mesmo isto que aconteceu. no meio de um debate deveras pomposo e importante "Mudar o País ou Mudar de País", surge o martim, e a sua roupa "na linha de cascais" que passou a ser estrela das redes sociais. o marketing cose-se com linhas que nós, irmãos anónimos comentadores da caixa de comentários do elogio da derrota, não compreendemos na plenitude. e depois é o rótulo de empreendedor. mas desde quando um empreendedor tem de ser um vendedor? e a raquel varela não é empreendedora porquê? quem era a raquel varela entes de ter escrito aquele livro, de o ter promovido em tudo o que era poiso intelectual?

seja como for, está tudo bem, a crise vai passar.

ps: 98% da esquerda portuguesa é de facto merda, mas na direita consta que os níveis alcançam cerca de 99,9999978%, segundo os estudos mais recentes.

Anónimo disse...

Quer o Zé, quer o Anónimo carregam carradas de razão.

Viva os comentadores deste blog.

Mas agora alguém podia explicar como é que esta merda de assunto se transformou numa polémica com tal magnitude.

Anónimo disse...

Será que a Nossa Senhora de Fátima se vai pronunciar sobre esta assunto?

Zé disse...

Irmão Alf,
Eu como já disse só soube do assunto derivado a ti. Antes não sonhava as existência da Raquel e do Martim e até já quase tinha esquecido a existência da Fátima (Ferreira, da Nossa Senhora lembro-me amiúde).

Querido anónimo,
A história do empreendedor é uma foleirada, mas acredita que eu sei: a pobreza deste país resulta de não haver cá empresas. E empresas são empresas privadas. abraço