segunda-feira, 11 de março de 2013

O problema do excesso de facilidade na vida, é ficarmos surdos para as coisas fodidas.

 
 
Há qualquer coisa que me diz que não existe aqui mistério nenhum. Este é um livro imperial e soberbo, como todos os livros nascidos da admiração religiosa. Também este está cheio do zelo dos conversos, da impaciência dos que chegaram tarde, da melancolia dos que só experimentam a festa do lado de fora, dos que abrem a esfomeada garganta para as migalhas prestes a rolar da toalha de linho. Contudo, para os que resistem a esse relâmpago humilhante, a prisão do intelecto na repetição profissional do ensino, nada de mais fraterno, compreensível, familiar, do que um autor que fez da ridicularização da pose artística e da violenta crítica à pretensa profundidade da arte, a mais eloquente manifestação de inteligência. Shakespeare foi tanto mais genial quanto mais o comércio da sua desorientação interior foi rendendo os fabulosos juros do mais competente prestamista judeu, criando um incentivo à manuntenção do perigo pessoal na mesma medida em que, por interesse pecuniário, se equilíbrava, sem nunca cair, diante do abismo. Bloom falha em toda a linha quando pretende colocar todas as fichas do sucesso nas condições do destino. A vitória do carácter de uma personagem, como de um autor, depende da taxa de esforço, não das condições iniciais. Ainda não nasceu o indivíduo capaz de sintetizar as características do texto ideal, do ponto de vista da sobrevivência universal. Mas Shakespeare é um caso de articulação perfeita entre combatividade, ressentimento e elegância. Ninguém até hoje deve ter sofrido tanto com o insuportável ruído da sua própria voz. Só um ódio visceral contra a própria personalidade pode levar a expressão da linguagem a estas altitudes.
 
 

15 comentários:

alma disse...

hahahahah és mais um que embirra com a velocidade do Bloom :)

Já aprendi algumas coisas fundamentais com o Shake como com a biblia :), mas ainda vou no inicio e sou uma simples leitora e espectadora do humano.
Acho graça a alguém como o Bloom que se gaba de ler 400 páginas por hora :)

Condenado à Vida e à Morte disse...

Harold Bloom?! não confio nesse gajo.

Tolan disse...

O Cânone do Harold Bloom é um livro magnífico. Gosto muito do gajo.

silvia disse...

Também gosto do HB :)))
estou-me nas tintas para o que pensam os académicos (como uma alzira)e outros que não tem a desenvoltura e a tenacidade de um Bloom :)

Ex-Vincent Poursan disse...

Concordo com o estágio de 5 dias e 5 noites do post do realismo mental. Li-o mais que uma vez. Nada mudava… excepto talvez a fotografia da belluci, tem demasiados adereços e nenhuma ascese.

Só ainda não entendo porque razão o Alf, bardólatra, italocalvinista, primolevyano e obcecado pelo cetáceo pretexto. O Alf que inventa o feudo siciliano na sala do apartamento. O Alf que sonha com dramas remotos contados, em ritmo harmonioso imutável e apaixonado, por faunos oprimidos e imobilizados pelo peso infinito do tempo do sol e do mar a uma plateia faunos, igualmente esfíngicos, que comem talhadas frescas de melancia, chupam laranjas doces e a quem a única cosmografia que importa é a que cobre a ilha nas noites quentes de Agosto. O Alf dos reinos fabulosos de eiras gregas e sombras chinesas. Só não entendo, dizia eu, porque razão entende o mesmo Alf, ser o ódio o motor da excelência da literatura… como fez questão de concluir nos dois últimos parágrafos dos, igualmente dois, últimos posts.

… caralho…agora assalta-me aqui uma dúvida!!!. Normalmente só comento à base da pilhéria, e esta cena não me parece nada pilhérica… fodaçe… serei eu também um siciliano???!!!... tenho de ir já tomar os comprimidos. Esta merda é do equinócio. Todos os equinócios e solstícios corto o cabelo e vejo “o leopardo”… e pronto, é no que dá!!!

silvia disse...

heheheheh
Grande Poursan :)
Grande comentário :)
Também não entendo essa do ódio ser o motor de excelência (sempre pensei que fosse o amor)

Tolan disse...

Talvez o ódio de que se fala aqui seja o sentimento que se tem quando o que amamos não é aquilo que gostávamos que fosse. Não sei se Bloom falhou em toda a linha ao falar do destino. A maior fatia é a do talento, na qual se inclui a própria propensão para o esforço e isso é obra do "acaso" do destino. Mas não conheço a biografia de Shakespeare e não sei qual o contexto de que fala o Bloom, se inclui o talento no "destino" ou se fala apenas de condições sociais e culturais. Em todo o caso, não tenho dúvidas que muitos anglófilos como Bloom (termo que eu utilizo para caracterizar críticos que adoram Conrad ou Shakespeare e odeiam Dostoiévski e qualquer sombra de psicanálise na explicação de fenómenos humanos literários) endeusam os autores de que gostam retirando-lhes aspectos humanos como um eventual ódio, um ressentimento, uma condição de classe.... são extremamente conservadores. Eu senti isso em Bloom, a forma como ele fala do Saramago foi um exemplo, porque ele obviamente não foi submetido à realidade portuguesa em que as pessoas não se calam com o facto dele ser comunista e de haver boa parte do país que o odiava por isso mesmo e depois inventava merdas (a pontuação etc. etc.) para justificar não gostar dele. Não lhe passa pela cabeça que Saramago tenha crescido com um ressentimento brutal de classe bem patente na suas memórias, como quando refere episódios de infância em que se sentiu descriminado e humilhado em episódios, do género a família de um menino rico querer oferecer-lhe um lanche por caridade. Quero apenas dizer que para o Bloom - que admira muito Saramago - me pareceu um pouco distante do Saramago homem. Mas não sei se isto tem alguma coisa a ver com o que escreveste. Talvez não :)

Tolan disse...

peço desculpa pelo comentário um bocadinho desconexo, estava à deriva. Nem todos somos o Poursan!

Anónimo disse...

estou aqui há já 20 minutos a tentar opinar sobre o "motor da excelência" mas não consigo. e percebi porquê. porque nunca procurei a excelência. na minha vida, em tudo o que fiz, e provavelmente no que farei, procurei apenas ser normal, fazer merdas normais, sem levantar ondas, ou então fazer merdas para mim próprio, sem pensar na opinião dos outros.

e o motor da excelência, algo com o qual nunca contactei directamente e dificilmente contactarei, deve ser um pouco isto, entrar no jogo das escalas e esperar que alguém no dê 20. ou seja, tentar fazer merdas "anormais" ou então "fazer merdas que agradem a uma vasta plateia de modo a que um grupo alargado de indivíduos nos considerem excelentes, ou seja, fazer merdas para os outros".

agora, a questão essencial é esta: será que todos aqueles que consideramos excelentes, procuraram a excelência? que direito temos de considerara alguém excelente apenas porque a merda que fez nos diz alguma coisa? que sabemos nós sobre a excelência dos outros?

todos mazé pó caralho pá!

alma disse...

Anónimo,
O teu comentário é excelente :)))

alma disse...

Anónimo,

O teu comentário é excelente :)))

alma disse...

Anónimo,

O teu comentário é excelente :)))

alma disse...

Anónimo,
O teu comentário é excelente :)))

Ex-Vincent Poursan disse...

Reequilibremos a questão. São cinco e meia e só dormi três horas. Tenho o espírito ocupadíssimo a idealizar sestas meridionais enquanto esgalho um exel pra concluir já nem sei o quê, e ainda tenho de descobrir uma florista porque a minha mãe faz anos.

A cena do ódio e do motor da excelência parece que agitou o formigueiro. O anónimo generalizou a coisa e defendeu-se, a alma pegou na forquilha e diz que sim senhor está nessa. Não tarda nada temos levantamento popular, barricadas, pedras de calçada e cocktails molotov, sérgios e adrianas, um carrinho de bebé a descer as escadas de são bento, um conto do peixoto e um panfeto do tordo contra a concorrência dos pasteleiros (que são capazes de tudo, até de se fazerem passar por sebastiões), uma indignação do dr soares e o relvas a cantar o hino da maria da fonte.

Calma, eu só estava a falar da literatura. Toquem a rebate, o caso é sério. Isto mais tarde ou mais cedo tinha de acontecer desde que um gajo se pôs a rabiscar na areia pra fazer a digestão e achou que podia rabiscar bué de merdas. Vai daí escreveu em argila e cozeu, foi-se à pedra, esfolou ovelhas, amassou papiro, inventou papel e civilizou o binário. O desassossego estava instalado. Ficou febril a esgalhar metáforas mirabolantes, contundentes, floreadas, simples, complicadas. Perdeu o sono a procurar expressões ideais, naturais, contra natura, pró natura ou absurda natura… e chamou-lhe literatura.

Este desassossego, esta febre e esta insónia são o sal das nossas vidas (perdão pelo lugar comum). Ler no sofá, no metro, na casa de banho. Ouvir na plateia climatizada, na eira quente ou á sombra fresca duma figueira isolada… tanto faz. A doença não tem cura. Os sintomas são diversos… este é o melhor!… não é nada é aquele!… eu estou-me a cagar no melhor!... a mim a excelência não me diz nada!

Etc e tal que estou com pressa. O blog é do alf ele que ponha ordem nisto… é simples, é só escarrapachar aqui o graal da coisa.

Condenado à Vida e à Morte disse...

"Bloom (termo que eu utilizo para caracterizar críticos que adoram Conrad ou Shakespeare e odeiam Dostoiévski e qualquer sombra de psicanálise na explicação de fenómenos humanos literários)" Estava convencido do contrário: que esse filha da puta do Bloom gostava muito das baboseiras do curandeiro de Viena.

Recomendo ao tolan e a vocês todos o que se segue: http://www.nytimes.com/1986/03/23/books/freud-the-greatest-modern-writer.html?pagewanted=all

Já agora aproveito para questionar ao alf sobre que raio é a "psicanálise de bolso"? Fodasse, que redundância do caralho, ó alf.