segunda-feira, 25 de março de 2013

A filosofia aos filósofos: Bruno de Carvalho e o problema das cenas nunca serem o que parece que são, pois de outra forma não necessitariamos de linguagem, bastaria rugir e estava tudo bem.


Ou seja, nada. Vou introduzir uma citação do Milan Kundera (de quem não gosto) porque vem mesmo a calhar: «a luta política é sempre uma luta entre a memória e o esquecimento». Os sportinguistas caracterizam-se por esquecer repetidamente o que é o Sporting. Se não, vejamos. O maradona acordou da hibernação política que o tem caracterizado, beijado por mais uma branca de neve das lideranças desportivas proféticas, Bruno de Carvalho, o taumaturgo popular e autor de um desses momentos antropológicos em que por excelência as pessoas acordam da sua hibernação mental, recordando que afinal somos «nós, o povo», os únicos detentores da chave do destino, e correm-nos as lágrimas nos olhos, não fosse a capa de A Bola dizer isto mesmo (o que só por si é já para semear a desconfiança em todo o sportinguista que se mantenha acordado). O ensaio do maradona é estimulante e saúdo o regresso do mais adestrado estilista da blogosfera mas impõe-se uma nota de moderação no que ao argumento diz respeito, sobretudo porque subjaz a esta inauguração dos novos labirintos da verdade, por onde se quer guiar o raciocínio do pobre sportinguista, uma tremenda falácia política-filosófica.  Vemos ainda uma outra vez, neste tempos nebulosos e estranhos, erguer-se em toda a sua plenitude e competência retórica, o mais extraordinário dos artíficos subsidiários a modelos de gestão do raciocínio, e sobre os quais Rosseau foi o primeiro a erguer a sua pena de avestruz, a saber, a natureza democrática do homem comum, sem que se esclareça o que acontece em todos aqueles momentos em que o homem comum escolhe o jogador de golf ou o administrador do Santander como detentor da chave dos destino coletivos.

 
 
Devo esclarecer que dificilmente obteria maiores índices de satisfação do que aqueles proporcionados por esta defenestração categórica da elite político-administrativa dos membros subsidiários da gestão da Herdade do Esporão mas o mega-embuste tecnológico no domínio do pensamento, desenhado no post do maradona, tem sido causador de muito sofrimento nos países da Europa do Sul e é preciso denunciá-lo de cada vez que ergue a sua cabeça monstruosa: estamos a falar de uma clara violação para fins obscuros do já por si só muito obscuro mecanismo de representação. Maradona baseia-se no ser-para-a-democracia como vitalidade instintiva natural do humano, erigindo-o como o contrário do artíficio (lá está, a demonização da anti-natureza) e identificando esta pseudo separação democrática entre eleitos e eleitores como o crime dos crimes (separação que não negamos ter estado presente em parte dos presidentes sportinguistas, mas que muito dificilmente se pode opor a uma hipotética devolução popular expressa na eleição de Sábado) como se essa separação, essa distância, não fosse o seguro de vida da próprio mecanismo de representação tal como o conhecemos, e ainda mais nos clubes desportivos. A identificação do elemento político nefasto  que se teria caracterizado, no caso do Sporting, por uma gestão baseada numa coreografia desportiva subsidiária de "modelos gestão", resultou, alegadamente, segundo o maradona, na distância entre o acontecer do relvado, as tragédias sempre espectantes do movimento desportivo e o palpitar vibrante dos seus impactos no organismo dos sportinguistas. Mesmo que a eleição de Bruno Carvalho não garanta maiores resultados já garantiu a vitória da vontade popular (com resultados muito inferiores de legitimidade quantitativa, note-se, em relação a esbirros aristocráticos como Bettencourt ou Soares Franco, duas figuras que abomino energeticamente, devo dizer).  Sustenta-se então no referido post que o organismo sportinguista já não colonizado por essa epidemia nascida nos camarotes, nos campos de golf e dentro dos carros desportivos oriundos das garagens situadas entre Estoril e a praia do Guincho, se vê, agora sim, soberano e livre, ligado pelo coração a uma liderança que se sente viva, verdadeira, genuína, apostada na revitalização do sentimento da bancada, na devolução ao povo dos destinos desportivos da sua agremiação porque afinal de contas, um clube de futebol vive da paixão, o que quer que isso signifique. 


Ora, este raciocínio é típico da desorientação liberal que preconiza para a organização formal da distribuição dos recursos um modelo de competição e especialização, mas sempre advogando em espaços como a religião ou o desporto (não falo da cóltura porque no caso do maradona conheço as suas posições de fundo, com as quais concordo na generalidade) a vitalidade soberana e instintiva da democracia. O instinto que nos informa da utilidade de demonstrar vontade colectiva, e onde é que devemos procurar para a encontrar e mobilizar, é o mesmo que nos informa acerca das probabilidades de satisfação de uma curvatura feminina, do retorno do investimento num livro muito publicitado ou de um parolo qualquer que se apresenta como providencial na resolução de um qualquer problema. Que eu me identifique com outros parolos nesta escolha e chegue com o meu voto a agremiar-me numa intencionalidade coletiva que tem um determinado resultado, nada nos diz sobre as razões e consequências da escolha, o que deveria levar-nos a ter mais respeito pelo labirinto político que criámos ao fazer recair a legitimidade num critério quantitativo.
 
 
 
Não será o tempo das inteligências fortes como a do maradona não facilitarem e gastarem algumas energias a procurar sair da frente deste touro que ameaça espetar-nos os cornos? Não será o tempo de fazer uma aposta clara em tentar perceber se a vontade coletiva depende da nossa identificação com o instinto? Não será o tempo de investigar com mais calma e ponderação de que forma o instinto seleciona as preferências tanto na eleição de um barão como na eleição de um salsicheiro, sabendo que o problema está em relacionar (num mecanismo mais eficaz de representação eleitoral) quer a mutação das imagens mentais, quer a dinâmica de formação de novas opiniões (do coletivo a que pertencemos) com as alterações do ambiente que a todos nos envolve e afecta? Quer isto dizer que Bruno de Carvalho falhará retundamente na sua missão de devolver o Sporting aos Sportinguistas? Não, quer dizer que não há espectáculo mais deprimente do que ver um espírito crítico facilitar perante um problema tão desafiante e carregado de consequências políticas, filosóficas e económicas como a eleição democrática de um Presidente de uma coletividade, mesmo que essa coletividade se caracterize por ter sido fundado pelo Visconde de Alvalade.

4 comentários:

silvia disse...

Tenho pensado muito neste efeito do bruno no maradona :)
concluo :
não basta ser inteligente
não basta ser muito lido
há algo que é fundamental que é conhecer que é a geografia/geologia (social).

Parece que o maradona encontra-se no salão da falsa princesa de Guermantes, convencido que está perante a verdadeira :))))

alf,o final do post é sublime :)



Condenado à Morte disse...

Bruno de Carvalho?! Sim, sim, senhor, gosto muito gajo.

Condenado à Morte disse...

*gosto muito do gajo

Anónimo disse...

apenas mais um salvador da pátria. o maradona está a ver mal a cena e isso acontece a todos.

como todos os salvadores da pátria, vai falhar de forma espectacular ou então, num curto espaço de tempo, vai revelar-se corrupto.

estaremos cá para ver e para comentar.

a foto do leão com a língua de fora é muito bonita.