quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Esboço de epitáfio em forma de remate.

Peço desculpa a todas as pessoas que gritaram «tomaaaaaaaa» no terceiro golo do Benfica diante do Sportin Clube de Cascais-Estoril de Portugal: foi um excesso de estilo e uma falha imperdoável chamar ignorante ao Mark Twain, uma vez que não era bem isso o que se pretendia. Como penitência obriguei o meu próprio pobre espírito a ler consecutivamente, entre o fim da tarde de ontem e a hora do almoço de hoje, O Príncipe e o Pobre, uma obra-prima sem sombra de dúvida, e nisto reside a minha grandeza, lamento. Sobre o Huck insisto que há em vossas senhorias um latente elemento Proustiano, o que é sempre uma chatice, e que consiste numa incapacidade em abandonar o para sempre incandescente lugar da infância. Claro que Twain é um grande romancista, claro que Melville ou Shakespeare ou Proust são chatos, claro que sim, tal como estar doente é chato, ou levar com um não me toques é uma grande chatice, tal como Newton, Leibniz, Kant ou Einstein são chatos nas suas elocubrações maravilhosas, mas convém não perder de vista o tema do assunto: génio, verdade, resistência, grandeza, raridade, dureza, fecundidade. Quando pretendo rir ou obter momentos de boa disposição prefiro cócegas de loiras com 174 cm.
 
 
Todos estão familiarizados com as minhas dúvidas sobre as externalidades da literatura de entretenimento, mas estou disposto a abdicar das minhas influências apocalípticas, dando de barato que existam benefícios misteriosos na liberdade de expressão para os Niltons de todo o mundo, unidos em torno dos ignorante e indigentes de todo o mundo que insistem em medir apenas com o seu próprio nariz o interesse do que lhes aparece diante da cabeça: como li aqui num comentário há bem pouco tempo, o problema, como em tudo nesta desgraçada vida, não é comprar porcaria, o problema é estarmos equivocados sem o sabermos. Estou farto de chamar a atenção para o problema da chatice como critério de avaliação da vida em geral: os chineses já nos toparam à séculos e explicam a crise ocidental como um mergulho comunitário em ocupações de adolescente, videojogos, entretenimento, espectáculo, animação, nada que Rosseau - outro chato - não tivesse previsto, explicado e até desejado. Quem não gosta de uma boa gargalhada, quem não sente o apelo sedutor do distanciamento erótico da ironia? O problema é quando o nosso controlo sobre o real adormece em virtude do consenso, da animação, do divertimento e se deixa escravizar por uma só figura de estilo: Roma eterna, sempre beneficiária das minhas mais amargas lágrimas, implodiu no interior deste erro. Não me quero parecer com o José Manuel Fernandes mas também não quero ser um gajo espectacularmente porreiro que se deixa citar pelo ignomioso ignorante do Sérgio Lavos. Mesmo depois de morto, não se pode ter tudo: eis um dos grandes príncipios regulares da economia emocional e um adágio que teria agradado às pessoas que usam bigode em geral.
 
 
 
 

5 comentários:

Tolan disse...

ih ih ih é verdade, «uma incapacidade em abandonar o para sempre incandescente lugar da infância»... li Twain depois dos 30 e conservo sempre o incandescente lugar da infância :) Devias ler o Huck, nem é o Tom Sawyer, um livro incomparavelmente menor. Se calhar já leste. Sei que o Twain é muito irregular, escreveu muitas coisas más.

toda a literatura é entretenimento, dá-se o caso da tua sensibilidade apurada exigir ideias complexas e requintadas para se entreter. As ideias filosóficas são entretenimento. A ciência é entretenimento para a curiosidade. É uma passatempo como outro qualquer, descobrir porque acontecem as coisas e assim. As ideias políticas são entretenimento quando não implicam grande coisa na vida prática, o que só sucede nos casos extremos em que te suprimem entretenimentos como emitir opiniões e discordar ou o entretenimento de ter algum dinheiro ou de não ir para uma guerra qualquer, o que também suprime muito entretenimento.

tu linkaste o mesmo post que foi citado pelo Lavos, vocês têm algo em comum, se calhar até podiam ser amigos e tudo :)

Anónimo disse...

Tudo é entretenimento. Vítor Gaspar ou Adam Smith, Passos Coelho ou Lincoln, Julia Roberts ou Manuela Ferreira Leite, Rojo ou Garay, Capel ou Messi, Mark Twain ou José Luís Peixoto, ciência ou crimes rituais, tudo é entretenimento.

Ai a confusão em que andam as pessoas dos mercados :)

Izzy disse...

Penitencia-te seu patife. Como castigo, deverias deixar crescer um bigode maior que o Mark Twain. Mas isso eh para homens, nao para meninos que choram com a queda de Roma.

silvia disse...

Confesso-me derrotada :))) a Condessa de Segur e o Tom Sawyer estão para lá da minha capacidade intelectual :)

silvia disse...

Estou a exagerar :)
Foi exactamente com "os desastres de Sofia" onde aprendi com os meus 8 anos que havia mais miúdas no mundo gulosas e asneirentas como eu :)))