segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Tenho um peixinho vermelho chamado António José Seguro.

Um dos mais prementes assuntos da atualidade - e sobre o qual os estivadores do mundo inteiro estão desde a primeira hora seriamente comprometidos com as noites de sono mal dormidas da sua resolução - consiste em nada mais, nada menos do que o estudo da opinião sobre os impactos do apagamento das paixões no interior da consciência humana, agora que nos subtraíram a metáfora cardíaca do amor e a literatura disponível (da revista Lux até à Harvard Review Of Psychiatry) aponta, ainda que confusamente, para os elos estranhos, e perturbadores, entre o sistema nervoso, a tensão ocular, a produção de imagens, e a irrigação sanguínea das várias protuberâncias do nosso corpo.
 
 
Antes de desejar uma boa tarde a todas as pessoas e uma profícua leitura dos vários blogues brilhantes e muito engraçadas que por aí abundam a transbordar de pertinência emocional e inteligência política, desejo partilhar que um dos mais estranhos efeitos da existência é o rendimento marginal decrescente da contemplação do rosto amado. O jovem Marcel elaborou sobre isto, mas hoje é claramente ultrapassado em influência e ostentação de elogios pelas mais diversas pessoas muito engraçadas que por aí abundam cheias de pertinância emocional e inteligência política. Podemos suportar todas as desilusões, infidelidades, escassa correspondência, alterações afetivas, tudo menos a mudança da nossa própria opinião. Porque o apagamento da coroa de louros, o desaparecimento dos gotas de orvalho, o esmorecer da luminosidade que cercava o rosto amado e imperial sobre a nossa carne, lança sobre nós o anátema da dissolução e lembra cruelmente, a cada indivíduo que se vê desapossado da sua paixão, que a condição subjetiva, longe de ser um problema para o triunfo da ciência e o controlo das nossas vidas, é precisamente a dificuldade que inventámos para que existisse diante nós um inimigo (a personalidade) contra o qual se pudesse erguer um sentido de combate, e de caminho definir a fronteira da consciência.
 
 
Por isso se tem elogiado a invulgar capacidade de escritores como Shakespeare ou Pessoa, ao perseguirem o estilhaçamento temático, e a diversidade de pontos de vista com que retratam a vida, em função de uma despersonalização: mas isso é o que todos fazemos todos os dias, simplesmente a grande maioria das pessoas não cultiva a arte de bem escrever - pois prefere rir e ler irrelevância cómicas e ligeiras (somos todos tremendos economistas amadores e não gostamos de perder tempo com chatices), e mal uma pessoa se relaciona com a linguagem de uma forma intencional, começa logo a ser vítima do seu sistema nervoso, um  sistema que começa logo a economizar em caso de tensão, como o avidor perseguido pela bateria anti-aérea, que em vez de fazer uso de um comportamento altamente complexo que lhe salvaria a vida, e impediria o inimigo de prever a sua manobra, recorre ao material assimilado e aos planos de vôo amplamente treinados que o levam a tirar partido da velocidade, simplificando a rota, e tornando-se previsível para os cálculos do disparo.
 
 
Os tentáculos da personalidade não têm limite, sendo tão rápidos a envolver a presa, como a largá-la inteiramente à sua sorte. Os sentidos e a mutação das suas impressões, ora aparecem como uma onda destruidora, ora como uma farsa onde observamos a destruição da própria dignidade e a ideia que tinhamos de subjetividade, aquilo que em nós pertence a categorias inteiramente coerentes entre si e consistentes num sistema único e irrepetível (eu) que apenas por acaso recebeu um número de polícia, é um dos mais impressionantes mitos da nossa aventura trágica neste planeta. Tenho hesitado muito sobre se o declínio dos prazeres que emergem do rosto amado constitui a prova de que a mudança do coração é a pior dor que podemos algum dia sentir, ou se é apenas a evidência de que nos protegemos do sofrimento, neutralizando a fonte onde pulsa a dor, como um pequeno peixinho que sob a pressão da gigantesca massa de água segue um rumo que não compreende, nem quer compreender, pois não encontrou ainda nenhuma utilidade em refletir sobre problemas teleológicos, ao longo da sua evolução. Uma coisa é certa, se soubermos injetar nos acontecimentos toda a intensidade que é possível, as coisas vão perdendo a sua vibração, isto é, a vida cansa-nos, fazendo declinar a ansiedade sobre a queda da mente e do corpo, e nesse sentido, parece-me que está tudo bem.

2 comentários:

AM disse...

ainda esta tarde tematizei sobre o sexo e a luta de classes

alma disse...

Este Texto lembrou-me isto:

"Morning, boys. How's the water?" And the two young fish swim on for a bit, and then eventually one of them looks over at the other and goes "What the hell is water?"
Vai tudo correr bem , basta para isso que além de alguma sorte ter a simplicidade e humildade de saber aproveitar o dia a dia para isso basta ter uma mente aberta , generosidade, sorrisos corajosos e um coração grande:)))
Quem se ri:) ou é porque já sabe :)) ou ainda não :) que não é mais que um peixinho vermelho :)