sábado, 10 de novembro de 2012

«Alegria, homem» diz muito justamente um bêbado num belo livro de Pirandello.

É justo reconhecer que este miserável blogue produzido por um conjunto de inqualificáveis inúteis e injustamente etiquetado por muitos como elitista deve baixar a cabeça e reconhecer a sua insignificância histórico-cultural perante o mais recente monumento explicativo e sensível publicado pela inesquecível e sempre activa Inês Pedrosa que da ocidental praia lusitana se propõe descortinar dentro de mim coisas que nem eu próprio tinha ainda identificado, mesmo no  âmbito daqueles sombrios instantes em que  me vi obrigado a assentar, mais vezes do que teria preferido se pudesse exercer o meu livre arbítrio, a minha maldita testa na cerâmica húmida da retrete e descobrir diante de mim apenas os pobres vestígios do jantar e nunca de forma alguma qualquer coisa que se assemelhe ao oceano. Dirão os mais cínicos e impiedosos: é porque te falta imaginação lírica. Quem sabe, quem sabe; o certo é que esta minha limitação constitutiva num organismo débil e orgânico - conjunto de orgãos que nunca deixa de nos fazer lembrar a sua pertença ao grupo dos conjuntos finitos - sempre me provocou uma inigualável mistura de sensações, entre a grandeza animal e a tristeza filosófica, por ver que dentro de mim só existe o mesmo material fisiológico de todas as outras pessoas, numa constituição tão pouco original que induziu Kafka a comparar-se a um escaravelho de forma a compactar no mais curto espaço e tempo possível a sua visão comovida e solidária sobre as misérias da humanidade e o nojo que nunca deixou nutrir pelas limitações da sua própria personalidade.

Reclinai pois a cabeça perante a exposição luminosa e reflexiva sobre os equívocos da globalização. Posto isto, como pretende a autora desenvolver este programa galáctico? No próprio resumo, generosamente facultado na página da autora, o leitor fica estarrecido perante as promessas argumentativas que transformam num príncipe encantado qualquer trágico participante da Casa dos Segredos:

A vida da fadista Rosa, que procura o pai que nunca conheceu, cruza-se com a de Farimah, que escapa ao fado desenhado pelo pai, e com a de Luísa, que não teve mãe e ofereceu a filha. A história de três mulheres desobedientes e de como cada uma delas encontra a sua própria voz.
Um comovido abraço a todos aqueles que vão sobrevivendo.

4 comentários:

josé está lindo disse...

três pequenas notas:

1 - elitista? de todos os blogues cujos autores escrevem textos enormes e cujo conteúdo, motivação e interesse desses mesmos textos constituem para a minha pessoa mistérios irresolúveis, este é o que mais prazer me proporciona exactamente pela ausência de elitismo. ou melhor, pela dose correcta de elitismo. não te subestimes caro alf. és agradável e interessante.

2 - não sei se kafka tinha nojo da sua própria personalidade ou da personalidade dos outros. ou se sentia limitado ou se pensava que os outros eram limitados. estou em crer que por mais limitada que uma pessoa se sinta neste mundo, e que isso a leve a algum tipo de depressão crónica, por pensar dessa forma conseguirá compreender que, apesar de cada um de nós não passar de um grão de poeira cósmico, será sempre um grão único e original. e ter noção da própria originalidade é um passo importante para ir sobrevivendo nesta merda (retribuo o abraço). viver é para fracos. sobreviver é para heróis. quando nós e a nossa limitadíssima constituição física desaparecermos, ficarão por cá as baratas, as formigas e quem sabe os escaravelhos, para contar a história da humanidade. (isto não uma declaração politica, as cigarras também podem por cá ficar)

3 - quando clicamos no link surge em destaque a seguinte afirmação de Eduardo Prado Coelho “O que Inês escreve é algo que procura forçar os muros da realidade, procura derrubar as convenções e as gramáticas, procura ser político no sentido mais radical do termo." não percebo um cú de livros e de editoras e do caralho, mas sendo este livro de 2012 e tendo o senhor em questão falecido em 2007 (pesquisei na net e não encontrei outro Eduardo Prado Coelho)... expliquem-me vocês, que percebem destas merdas, se isto faz algum sentido. é que eu gosto de ser enganado como deve de ser. assim não dá.

alma disse...

É com alegria e quase euforia que li este ensaio e o comentário do Zé da bola :)

Ir buscar a metamorfose eheheheh para tratar da saude de duas lesmas do sistema é elegante e justo :)

Gosto muito da toca do kafka :)

alma disse...

Em vez de lesmas leia-se larvas :)))

Ex-Vincent Poursan disse...

Finalmente a revelação… talvez mesmo a libertação!!!
Grandes dias que vivemos alf… grandes tempos estes!!!

Vou parar de comer, de beber, fumar e foder… quero estar em jejum absoluto no dia em que vestir o meu melhor fato, me enfeitar com a gravata mais berrante, e puro por dentro e por fora me dirigir à fnac, com o meu cartão no bolso, para comprar O LIVRO.
No metro direi com um radioso sorriso aos estremunhados e apaneleirados leitores:

- parem, esqueçam tudo… o grande livro chegou. Temos finalmente a palavra que procuramos, breve estará a néon nas igrejas de todos os credos, onde recolhidos e humildes refletiremos sobre ela. Toda a verdade descerá holograficamente da luz do transepto. Nesse dia os pombos não cagarão na cúpula e a brisa entoará no zimbório suaves melodias de salmos nunca escutadas. Subitamente abater-se-á sobre nós uma esplendorosa tempestade, que derrubará os muros dos templos, convenções e gramáticas – nos muros e convenções alinho, mas as gramáticas meu deus, porquê as gramáticas? -, e a inês – qual sebastião qual caralho, é a inês… a do pedro ela mesma – em loopings majestosos desmistificará duma penada os equívocos da globalização e os labirintos da identidade… e interrogará, a todos em geral e a cada um em particular, com paixão e humor… - oh panilas, afinal tens medo de quê e que pesadelos te atormentam???!!!


Obrigado alf por me teres aberto o coração prá fé. Eu, anedota ambulante, incréu e analfabeto… já tinha lido a coisa, mas pensei que era o “Maria não me mates que eu sou tua mãe” reciclado, mas agora com um gago que descobre que a foder não gagueja e à canzana chega mesmo a barítono.