segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Hoje mesmo estareis comigo no Paraíso da Crítica Literária mas agora peço desculpa porque não tenho tempo nem para me coçar. Até logo.


Fora a insistência na tua robusta qualidade de leitor de livros e aquela peregrina ideia de que o único prazer e satisfação que assiste aos leitores de textos literários é achar algum interesse em comparar o seu igualmente rico mundo interior com o mundo interior de um outro sujeito – eu não me entretenho a comparar, digamos que parasito, na medida em que somo ao meu, muito do que me impressiona em textos literários e não só. E não me fodas porque fazes o mesmo. Esse murro no peito e o grito alfa do: eu leio livros; é o almíscar do teu -, fora isto, dizia eu… porque é que pensas que te leio???

Ex-Vincent Poursan, na madrugrada de um dia qualquer
que já não me lembro qual foi
e que agora não me apetece ir localizar 
mas que em o todo o caso 
me correu bastante mal, deve dizer-se.
 


Dada a qualidade das solicitações que têm sido enviadas generosamente para a caixa de comentários e da minha também manifesta e ostentatória generosidade, vamos ver se me consigo explicar a mim próprio com a mesma furiosa elegância com que a mim próprio me tenho fodido desde que me conheço capaz de endireitar a pilinha, ao fazer explodir continuadamente ao longo dos largos anos têm milhares de dias merdosos todos os meus projetos de enriquecimento e grandeza, com a meticulosidade de um terrorista politicamente radical mas apenas em relação à sua própria existência, o que deve, em princípio, fazer de mim um bombista suicida que por não ter Jerusalém ou Nova Iorque contra a qual desfazer-se contra, passa uma grande parte da vida a instruir a inteligência na justificação da sua própria menoridade emocional, o que o habilita a uma posição de especial compreensão em relação ao fenómeno narrativo Lobo Antunes (mas já voltarei a este tema, se me apetecer caralho, que eu ainda não ganho para isso) e isto se entretanto não rebentar por aqui nenhuma bomba ou entrar furibundamente pela porta do café um leitor do ex-vincent com vontade de remeter o génio ao silêncio, uma sugestão mental que me compara a John Lenon e que aceito como um violento insulto já que gajos de Liverpool que comem japonesas ecologistas e de esquerda não são propriamente o meu tipo ideal weberiano de identificação mimética. Há quem sugira que se pode resumir toda esta longa frase dizendo que a grande obra literária é sempre o vestígio do espetacular naufrágio intelectual de uma grande inteligência, e quem sou eu para me contrariar a mim próprio.

 
 
Quando algures na historiografia da minha adolescência, para citar uma expressão do silencioso Maradona, a fisicamente horrenda professora de Matemática do décimo primeiro ano depois de ter começado o inferno deste artista enquanto jovem, concentrada na sua muito superficial ética profissional do ensino secundário, e incapaz de compreender que tinha diante de si um gajo que se estava a marimbar para os resultados e as demonstrações, e que apenas se interessava por problemas realmente difíceis, como os que estão incluídos na domesticação da insuportável dor que sempre lavra imparável na floresta assombrada das recordações e que constituem a glorioso e insidiosa mente de um indivíduo sensível, resolveu alegremente humilhar-me em frente da turma apelidando-me caridosamente de «pobreza franciscana», não só me insultou como pessoa na época especializada na leitura de um livro pornográfico intitulado Florinhas de S. Francisco (e isto é rigorosamente verdade, ó suprema ironia das coisas reais) como entrou diretamente e sem passar pela casa da partida para a história da literatura mundial - figurando como uma lendária atualização do igualmente feio e impiedoso Herodes - como marcou ainda indelevelmente a minha carne  com um projeto de crescente afastamento da razão quantitativa que me tem feito arrastar por salários precários e uma boa vida, sendo que é preciso também dizer que, nesse momento, algo de muito grave ganhou uma importância mórbida para o significado ontológico da vida do autor destas linhas: morreu o homem, nasceu o monstro, pelo que não sei que diga sobre a intervenção da boa e horrenda velhinha, uma vez que tudo em mim apontava para o afastamento do tipo exemplar representativo da confusão que a humanidade tem espalhado pelo mundo, pelo que talvez aquela mulher tenha sido um acontecimento providencial nos destinos artísticos do mundo.
 

Quero chamar a atenção para o facto de esta consciência clara e límpida ser a principal prova de que se não fosse a sucessão de causalidades histórico-psiquiátricas que me afastaram de um aplicado e responsável percurso de estudos, podíamos estar agora todos a celebrar com grande satisfação o grande cientista ou político ou sacerdote português que acaba de mudar o curso da história. Mas não, estamos apenas num lugar obscuro do mundo virtual a fazer uma figura tristemente trágica uns diante dos outros, à semelhança de pavões embriagados que não sabem muito bem o que fazer com o espectacular recurso de penas coloridas com que a natureza, sempre irónica e cruel, resolveu dotá-los. Acontece que a grandeza da vida está em que podemos aplicar este mesmo argumento de causalidade arbitrária a qualquer pessoa que se preze pelo menos um bocadinho e que é a única defesa para evitar a queda ou na auto-mutilação mental ou na auto-glorificação estupificante.
 
(Posso dizer a título de exemplo que este post foi publicado agora mas redigido durante a tarde de Sábado, enquanto um conjunto de pessoas que decidem o que devo ou não escrever profissionalmente, se entretinham a fazer uma figura ainda mais triste do que a que aqui fazemos, embora todas essas pessoas sejam largamente remuneradas por instituições que dependem da nossa extraordinária vontade democrática mas que se auto-anulam de forma circense a cada minuto que passa, sem a mais pequena consciência do festival de parvoíces que lhes sai da boca pelo simples facto de que à semelhança dos aristrocratas dos reinos decadentes, ostentam ainda títulos e folhas de rendimento, ignorando que na noite já se afiam os punhais para a vingança. Está tudo bem, não se incomodem).

Ao contrário do que acontece com as pessoas normais, os indivíduos especialmente doentes e perturbados* são os mais rápidos a identificar o génio, a cultura, o inacreditável e sempre fundamental número de livros assimilados, e a grandiosidade relativa que uns e outros vão demonstrando neste jogo de xadrez a que chamamos vida, o que facilita muito as coisas, e nos permitiria passar já ao que interessa, mas isso se eu tivesse tempo.


* À semelhança de Sua Santidade o Papa, Joseph Ratzinger, e por intermédio dos comentários irados de um dos mais fiéis e exigentes polícias de estilo deste blogue, AM - que muito prezamos por força do critério de excelência a que submetemos as nossas ações - sou forçado a interpretar as minhas próprias interpretações, o que se explica por uma longa exposição da minha altamente rigorosa e influenciável sensibilidade aos efeitos radioativos dos sucedâneos dos discursos eclesiásticos, pelo que se confirma o acerto do meu conceito de perturbação, isto é, alguma coisa que afeta o normal funcionamento das instituições cognitivas que nos habitam interiormente os cornos, o que não quer dizer que o contrário da doença seja a normalidade, ou o contrário da normalidade, a psicopatia grave.  As pessoas especialmente - e faço notar o efeito modificador deste especialmente - doentes e perturbadas devem ser aqui entendidas como pessoas que se perderam da instintiva normalidade da natureza  - uma coisa que ninguém sabe o que é, com a excepção do Merleau Ponty, que é o único marxista que conheço que sabia coisas - ou como dizia o velho Popper interpretando um mito de origem: «para aqueles que comeram da árvore do conhecimento, o Paraíso foi perdido», o que não quer dizer que tenham por isso, e consequentemente, caído no fogo do inferno, acrescento eu. Tudo esclarecido?
 
Caravaggio, Estigmatização de S. Francisco de Assis
 

3 comentários:

AM disse...

silvia, não leia este comentário que saiu cheio de palavrões

e o caralho do autor desta posta (só podia estar a pensar com a pilinha) a dar-lhe (e a dar-lhe) com a peregrina ideia que a loucura e esses merdas todas é candeia que alumia mais à frente
como dizia o outro, o dos desenhos animados: foda-se
e duplo foda-se
no resto tenho a dizer que nunca vi nenhum pavão (do reino mesmo animal) embriagado
um perú já, mas um pavão nunca

AM disse...

mais uma merda
o caralhavaggio é golpe baixo

alma disse...

Uma nota de rodapé justa.