quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Há-de chegar o dia em que o dr Eduardo Barroso perceberá que um número é uma coisa tão relativa como uma batata cozida

Indíviduos constitucionais, leia-se Pedro Lomba, desconhecem que a realidade é feita de nuances em torno do conceito de indiferença. Indiferença, que é como quem diz diferença de in-clinações. Enquanto esbracejam esbaforidos contra a escassez de indignação do público perante aquilo que julgam ser uma patológia indiferença corporizando-se a pátria numa anémica incapacidade de indignação, falham o alvo ao não perceberem que os cornos da "questão-essencial" investem precisamente do lado contrário: a saber, a indiferença com que eles próprios são recebidos na sua boçalidade. Se em Portugal não ocorressem níveis siderais de indiferença talvez o "público" começasse a inquietar-se sobre o processo que levou Pedro Lomba ou Henrique Raposo a escrever em jornais de indiferente referência. Bendita a indiferença que, em «democracias decentes» poupa Lomba e Raposo a um processo inquisitorial que me faria, de bom grado, aceitar ordens perpétuas para poder manipular instrumentos de tortura. O problema é que não existem países mais indiferentes do que outros no que diz respeito à liberdade de imprensa, mas países mais ilustrados do que outros em matéria de cultura escrita, e só a menção técnico-semântica do conceito de liberdade (palavra que remete para o sabão azul-e-branco) serve como instrumento agitador para joeirar (o que eu esperei para utilizar este verbo) o intelectual que frequenta a cinemateca do indivíduo realmente conhecedor do mundo e detentor dos níveis de ansiedade que normalmente acompanham todo o pensamento erguido à custa de muito sangue e estruturas metálicas pifer-tubos, alusão que serve aqui como metáfora à realidade ferrugenta e enlameadamente humana de toda a reflexão que recusa conceitos teológicos como "liberdade" e "decente" e, por outro lado, pretende reflectir alguma coisa que não as trombas do próprio reflector. Na verdade, até Pacheco Pereira, do alto das barbas cinza-branco-sujo, talhadas por navalha de filiação constitucional, é capaz de entender que o problema da prática da imprensa se prende com níveis de incidência local, ou seja, com a desmultiplicação territorial da capacidade de ler um texto, comprar livros, agitar opiniões, esgrimir argumentos. De outra forma, se a indiferença fosse realmente um problema, o que faria Carlos Carvalhal aquela agremiação de criaturas saídas de um filme de Carpenter que foi encaixar cinco batatadas na cidade invicta e cujos associados, impolutamente brazonados e patrioticamente frequentadores dos mais respeitavéis forum cívicos, apenas estão verdadeiramente escandalizados não com a merda de equipa que possuem mas com as alegadas movimentações obscuras de um clube de Benfica cujos associados apresentam a maior taxa de consumo de vinho tinto de toda a zona euro.

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