domingo, 28 de fevereiro de 2010

Coisas que não importam

Muito se tem falado a propósito de múltiplas e variadas coisas (coisas de ouro, coisas rebrilhando à chuva de Março, Tom Jobim e suas coisas, pau, pedra, o fim do caminho espelhado em garrafas de Whisky importado, Miguel Esteces Cardoso, já não sei a que propósito, tornando presentes à mesa do café as azedas a caminho das Azenhas do Mar): coisas como a tragédia da Madeira, o caso das escutas, escutei, escutarei, escuteiros - nos seus infinitos detalhes de incidência jurídico-jornalística -, os que escutam e os que propõem o problema do serviço da dívida ( e o serviço das empregadas que recolhem tabuleiros nos refeitórios, aviários?, do centro comercial?), a militância de Paulo Rangel no CDS- varão da República, o Estado, o estado do Estado, (e os cheques do Estado nas mesas envernizadas dos escritórios sob o olhar ovino de bustos de Sá Carneiro?), o buraco negro de Pacheco Pereira (salvo seja), o buraco negro das torna-viagens que a vida organiza entre ideias, o nosso corpo é um mapa de ideias a caminho da destruição, as curvas perigosas que o primeiro-ministro terá feito na sua inevitável rota a caminho da verdade (e todos nós, numa rota, a caminho dessa curvas perigosas), tudo coisas que ninguém sabe como colocar na devida perspectiva (a minha, claro), a fim de achar um ponto de observação passível de conduzir a um consenso (alto!). Será que existe aqui alguém com vontade de atingir consensos (os beijos maternos? os beijos fraternos? os beijos profícuos? as mãos no calor metalizado dos talheres em jantares de fim de verão?), o consenso de uma gargalhada de recém-nascido, a manipular rocas multicolores na mesa ao lado? As sardinhas decapitadas no azeite não deveriam querer dizer alguma coisa (esta é a ditosa pátria minha amada, decapitada como uma sardinha (Goa, Diu e Damão)? Não vos grita ao ouvido da consciência os urros dos milhafres (Macau?), o grasnar dos corvos (Luanda?), o piar da coruja, e o rugido do leão (o Rio de Janeiro continua feio, muito feito), meu deus, e que dizer sobre o rugido do leão? Daniel Oliveira é filho do poetastro Herberto Hélder (minha cabeça a estremecer de esquecimento, o esquecimento dos números, o horror das datas, os cruzamentos dos caminhos onde às vezes um acidente fortuito, um lençol branco tingido de líquidos humanos). Já a minha pessoa foi engendrada por um funcionário da Brigada de Máquinas do Hospital de Santa Maria (haverá lugar para uma referência ao Benfica-Marselha, último minuto?): haverá ponto de contacto possível entre os nosso mundos? Já a minha pessoa foi engendrada por um último minuto. Virá um dedo esverdeado com coloração cardíaca na ponta unir aquilo que os astros separaram? Haverá nave capaz de nos conduzir ao planeta de onde fugimos exilados por catastrofe cósmica? O diálogo, no qual devia compadecer-se o nosso espírito, não é que me canse, é simplesmente que me faltam parceiros capazes de brincar. Já na quarta classe se repetiam os mesmos problemas (as equações resolvem-se com prática e método do estudo), passes demasiado puxados, a perderem-se pela linha lateral (mas onde o método das Plátanos na inclinação do vento?), cruzamento atrasados, tabelas mal calculadas contra um horizonte de calor, os barros de uma terra esventrada por ferro, trigo de vento, oscilação de caules de ouro, fogo de ondas a bater cimento, o promontório da terra, ondulação de Agosto, horizonte de construção suburbana, e é isso que fere ainda, não ter ideias, ter apenas pedaços de coisas no lavatório do mundo, circulando numa espiral com o sentido físico da gravidade, (Ó as coisas graves), a caminho da biodegradação, actividade que hoje tanto respeitamos e a que, incompreensivelmente, procuramos furtar os nossos corpos. Haverá assim tanta diferença entre nós e um saco de destroços, no tumulto de um ribeiro de súbito engrossado com as chuvas próprias e devidas nesta fase particular do Inverno?

Sem comentários: