segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Keats

Estive algum tempo bloqueado pela facilmente compreensível atmosfera gerada a partir da contemplação da imagem colocada em baixo. Porém, fui salvo por mais um post de Nogueira Leite, o economista que manobra as ideias económicas com a destreza do espadachim maneta (não estou a falar de Cervantes) colocando as suas ideias num tabuleiro de marfim ao cuidado do dr. Aguiar-Branco, acompanhadas de bolinhos de arroz e chá inglês. A proposta de congelamento dos salários dos funcionários públicos fica desculpada pela revelação de que também a mulher de Nogueira Leite sofrerá (ó clemência, ó piedade) as farpas do draconiano e corajoso projecto do economista. Como é difícil e perigoso expressar uma opinião! As sobrancelhas tremem com a vibração da ideia, os olhos flamejam de risco, os dedos atacados pelos suspiros da crítica, o peito arfando entre as vagas alteradas da decisão frásica e Nogueira Leite, impávido como Washington atravessando o Hudson, comanda a barca do Congelamento dos Salários pelo frio glacial do país sindicalista, enquanto na sua conta bancária cai um ordenado roliço e anafado recém chegado de férias nas caraíbas de pele tostada e bem alimentado pelo sol particular dos negócios meridionais. Congelamento de salários com estas temperaturas? Gelado pelo Inverno inglês, morreu Keats aos vinte e cinco anos, quando exilado na tropical Roma contemplava a sensação de que aquelas pessoas se encontravam em 1821 mas ele se encontrava algures num prado de flores silvestres. Rezei toda a noite para que Deus concedesse ao poeta a graça estético-temporal de que Frances 'Fanny' Brawne fosse tão bonita como Abbie Cornish. Morrer novo, sem um tostão, a mendigar quartos famélicos, com os pulmões a derreterem-se em sangue, enquanto ao longe se formava aquele vago remoinho de moscas em torno das cabeças dos economistas ingleses (apopléticos de jantaradas no Parlamento e em quintas de recreio) - remoinho que por má sorte viria até nós para assombrar as escassas possibilidades de resolução desta fractura chamada Portugal - é sina que nem tuberculoso romântico, entre ravinas e ondas tumultuosas, conseguiria suportar.

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