quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

14,28 euros

Uma das coisas que mais me tem perturbado nestes últimos meses é precisamente a teoria da formação do preço, sobretudo depois de um indivíduo nascido no estado no Paraná, e auferindo um ordenado de para aí 560 euros, me ter gentilmente pedido, no saudoso bar da Cinemateca, primeira vez pisado e última vez frequentado, a módica quantidade monetária de cerca de 2,60 euros em troca de um folhado de queijo de cabra com bróculos, o que me colocou numa daquelas situações a que Truffaut chamaria pseudo-lixadas e que muito devem ter contribuido para os seus actos de delinquência na escola. Escolarizado, paguei e pronto, um folhado de cabra. A Cabra cegou da obscenidade do preço a que a venderam. Mesmo os bróculos pareciam já ter sido mastigados por indivíduos com óculos de massa. Em todo o caso, há quem aceite trocar cerca de 2o eruos por uma fúria bem humilde (e não esqueçamos a etimologia da palavra humilde que nos prende bem ao chão enlameado destes dias) para ser sovado olimpicamente por José Rodrigues do Santos, um homem com ligações simultâneas à Al-quaeda (vocábulo forjado por Manuel Pinho que expressa a derivação de uma queda no Algarve com intuitos turísticos) e às Tardes da Júlia, cujos gritos simulam um bombista suicida três segundos antes de detonar os explosivos num bairro de Jerusalém repleto de discotecas em pleno funcionamento. Por outro lado, uns módicos 14,28 podem permitir-nos levar para casa o livro que Maradona introduziu sozinho em Portugal (este) onde se colecionam coisas como as comparações entre a arte de Keats e a observação das estrelas, a glorificação de Wordsworth como versejador da ciência e do céu, o engenheiro de minas John Budle, a revolução francesa e suas consequências miraculosas na secularização das coisas, descrições feitas de balão pelas charnecas inglesas, a pureza do conhecimento e o seu coração terrífico sedento de sangue, viagens no interior de África, o poder enciclopédico e poético do avô de Darwin, tudo coisas que não se comparam com monhés de fraldas na cabeça a rodopiar em cima de jipes e armados de j-3 até aos pelos púbicos prontos a fazerem saltar os intestinos a toda a gente só porque alguém se enganou no dia em que Maomé viria à Montanha. Existe, eu sei, a questão do suspense. Uma coisa pode ser chata: por exemplo, a descrição minuciosa de uma homilia do senhor cardeal patriarca. Mas se por trás vier, pé ante pé, um turra munido com uma faca na cozinha bem alçada, vão todos à loja a correr comprar o livro. É claro que o medo explica muita coisa. Embora não seja clara a diferença entre morrer recortado pela pressão atmosférica dos explosivos e morrer recortado pelas frases ferrugentas de verbos e pontiagudas de adjectivação circense despoletadas pelas bombas vendedoras de Rodrigues dos Santos. Uma coisa é certa: ou isto é assim, ou o maradona vai ter que me devolver 14,28 euros.

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