quinta-feira, 19 de novembro de 2009

On Deadly Ground

Apesar de neste momento me ocuparem o espírito coisas tão relevantes como a liquidação de um carreiro de formigas que circula na bancada da cozinha, não posso deixar de manifestar, pela enésima vez, o meu mais profundo protesto pelo espectáculo deprimente protagonizado pelo mais destacado divulgador de ideias-estúpidas-acerca-de-problemas-filosóficos, o catedrático Nuno Crato. Começo por dizer que Crato é um homem simpático, que é fácil ouvir, com um esmerado sentido de comunicação e alguma acutilância na ponderação de assuntos científicos. O problema começa quando Crato, à boa maneira americana, como é sabido a sociologia ianque está impregnada do provincianismo pioneiro de familías de rurais analfabetos largadas em desgraça nas desertificações continentais de um mundo violento e hostil ao homem branco - depois transformada na postiça ideologia do vencedor (que não é mais do que um tremendo medo de tudo e de todos disfarçado, depois, com o deslumbramento dos novos ricos, com muita ignorância e self confidence), dizia eu que o problema é quando Nuno Crato procura catequizar-nos sobre os méritos educativos do «método científico» e sua suposta iluminação colectiva. Procurando não começar já a rir, eu gostaria de explicar a Crato, se alguém, por acaso, tiver o seu telefonte, que ninguém pretende contrariar a ciência. Mas Crato ainda não percebeu que aquilo a que chama de Ciência pode ser o mesmo que vários outros pensadores chamam de Crítica. Acontece que Crato quer reduzir todo o paradigma de conhecimento à delimitadíssima noção de «exigência», não lhe ocorrendo que o seu paradigma de compreensão do mundo, embora fundamental, não esgota a realidade e muito menos permite que Crato compreenda melhor o mundo do que qualquer um de nós, sejamos ou não pós-modernos, uma vez que Crato explicará como funciona a torradeira e o telemóvel, mas o cigano, como bom selvagem que é, explicará a Crato como se educam filhos que não choram ao primeiro espirro de contrariedade. Certo é que Crato compreende melhor uma parte do mundo, assim como os historiadores e os pós-modernos ou mesmo os preguiçosos compreendem outra parte, não menos importante. Quanto muito, Crato fica habilitado a dominá-lo de forma mais efectiva (não vou invocar o aquecimento global), sendo que é muito discutível se este domínio não o afastará da compreensão do mundo, mais ainda do que à minha tia analfabeta que beija os pés da imagem de Nossa Senhora e calcula a metereologia pela direcção das nuvens, mas sobreviviria sozinha na montanha vários anos (quando Crato não duraria três semanas). Não é preciso ser Jorge Jesus para perceber que há muitas maneiras de ganhar um jogo. Isto são banalidades, é certo. Contudo, seria necessário explicar ao catedrático Crato que a objectividade do real move-se por caminhos bem mais misteriosos do que aqueles que julga vislumbrar. Dois exemplos: 1) Crato afirma no seu justamente famoso livro sobre o eduquês, apoiando-se num absurdo dicionário de filosofia de língua inglesa que Jean Jacques Rosseau influencia, alegadamente de forma negativa, a pedagogia pós-moderna. 2) na recente autobiografia publicada no Jornal de Letras, Crato afirma ter sido fascinado na juventude pelas ideias de Marx mas menos pelas de Foucault. Ora, concordo profundamente com Crato quando afirma que os programas educativos não podem ser configurados a partir do que os alunos gostam ou que a formação dos professores é essencialmente na matéria que vão ensinar. Todavia não é desculpável que Crato ande a invocar o nome de filósofos que não leu. Pois é, isto é tão objectivo como a matemática: bastam duas linha de crítica a filósofos como Rosseau ou Foucault para alguém que os tenha lido, perceber em dez segundos, se a pessoa que os critia os leu ou não. E é óbvio que Nuno Crato não leu nem Rosseau nem Foucault. Porquê? Isto leva-me à derradeira e mais relevante questão deste post. Crato nem repara, na sua impância tecnocrata, que pretende resolver um problema histórico (porque razão os teóricos da educação se profissionalizaram dando origem ao eduquês) sem sequer conseguir identificá-lo o que o leva, em desespero, a atirar todos os disparates pedagógicos (e concordo que eles existem como cogumelos) para as pobres costas de Jean Jacques Rosseau. Apetece-me citar Nossa Senhora de Fátima e rogar a todos os exigentes da educação que «não ofendeis mais a Jean Jacques Rosseau que já está muito ofendido». Pois é: seria o mesmo que um historiador procurar comentar equações de Einstein a partir de leituras da sua biografia. O resultado das deambulações de Crato por matérias que lhe escapam (como a complexa história das instituições educativas) é o retorno à crítica do céu (a estratosfera das ideias na definição dos comportamentos) que representa no pensamento da história mais ou menos o mesmo que um retorno à Síntese Matemática ptolomaica para explicar o movimento da terra: é bonito mas não chega.



3 comentários:

ateixeira disse...

Só tenho uma dúvida: que parte do mundo conhecem melhor os pós-modernos?

alf disse...

aquela precisamente onde começa a pós-modernidade, que é na origem dos discursos. Se aquilo que vulgarmente se chama pós-modernismo são aqueles seres segregados em terceira mão que vituperam contra a exactidão da ciência, então eu sou o primeiro a cuspir no andor do pós-modernismo. Mas se pós-modernos são filósofosos, alguns deles profundamente racionalistas como Levi-Strauss, Chomsky ou Foucault, que operaram uma verdadeira viragem "científica no estudo da linguagem e do discurso humano, então merda para quem critica os pós-modernos.

ateixeira disse...

Nesse caso também eu sou pós-moderno. Não em termos de proficiência ou profundidade claro, mas em termos de objectivo.

Mas só para te chatear deixo estas palavras do Chomsky: "Keeping to the personal level, I have spent a lot of my life working on questions such as these, using the only methods I know of--those condemned here as "science," "rationality," "logic," and so on. I therefore read the papers with some hope that they would help me "transcend" these limitations, or perhaps suggest an entirely different course. I'm afraid I was disappointed. Admittedly, that may be my own limitation. Quite regularly, "my eyes glaze over" when I read polysyllabic discourse on the themes of poststructuralism and postmodernism; what I understand is largely truism or error, but that is only a fraction of the total word count. True, there are lots of other things I don't understand: the articles in the current issues of math and physics journals, for example. But there is a difference. In the latter case, I know how to get to understand them, and have done so, in cases of particular interest to me; and I also know that people in these fields can explain the contents to me at my level, so that I can gain what (partial) understanding I may want. In contrast, no one seems to be able to explain to me why the latest post-this-and-that is (for the most part) other than truism, error, or gibberish, and I do not know how to proceed. Perhaps the explanation lies in some personal inadequacy, like tone-deafness. Or there may be other reasons."

http://libcom.org/library/rationality-science-noam-chomsky