sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Carta aberta a Maradona, precedida de um prognóstico antes do jogo (Villas Boas, Nobre Guedes, Sá Pinto - 0, Aimar e companhia - 2)

É sempre com grande ternura que assisto às piruetas argumentativas de indivíduos com formação em ciências ditas exactas, não obstante a genealidade dos indivíduos em causa, no momento de se aventurarem nos terrenos pantanosos da especulação filosófica sobre o lugar da ciência enquanto prática, ou da sua consagração no altar das dignidades sociais contemporâneas, mesmo reconhecendo desde já que no futebol não há homessexuais, desde que o aforismo valha apenas retrospectivamente e somente até 1982, ano em que Pietra, Toni e Humberto Coelho abandonaram a equipa do Benfica, criando a janela de oportunidade para que inúmeros gays suecos (de pernas e facies rapadas) pudessem passear-se nos relvados portugueses. Que a ciência é uma puta que não deve aborrecer (é uma mulher e ama um guerreiro), já um alienado e pervertido moral como Nietzsche o tinha descoberto, enquanto calcava com as suas botas germânicas as neves dos alpes (o passeio pedestre é a única actividade que permite aos intestinos trabalharem os conceitos sem descambarem numa diarreia em torno da superioridade moral da prática científica); e mesmo sem nunca ter posto a cabeça dentro de um sistema informático, o próprio Fernando Pessoa, entre dois copos de aguardente, e quatro frequências de casas de prostituição no Bairro Alto, foi capaz de rir-se «das ciências, meu deus, das ciências». O ponto sensível da prostituição reside quando o próprio Maradona cede o flanco, afirmando que não vale a pena promover a ciência «para além da exposição do âmbito dos seus métodos e das suas razões», como se «o método e o âmbito das ciências» pertencessem a um albergue espanhol repleto de questões há muito resolvidas. Para além da consciência de que Michael Thomas ter sido o pior trinco na história do Benfica (mesmo tendo em conta Bruno Caires, ou a corredor esquerdo no tempo de Nelo) não existe acordo sobre quase nenhum aspecto da actividade humana, e muito menos dessa actividade progressista e iluminista que agora se compara à prostituição (esta última, a segunda actividade mais progressista e iluminista da história da humanidade). Precisamente porque «está mais que visto que o "acreditar" humano trabalha a muitos niveis, alguns deles significativamente diferentes ou distantes dos trâmites da racionalidade», é que «o âmbito dos métodos e das razões da ciência» não deixam descansados os funcionários da mesma grande multinacional que é a prática científica ortodoxa, normalmente ligada a uma veneranda Universidade, e se desdobram, esses funcionários, em cambalhotas estilísticas cruzadas com argumentos lógicos e parenética científica, o que mais uma vez configura uma fragilidade no teu argumento Maradona, quando mostras perplexidade «extraordinária» por uma suposta Professora Universitária não ser capaz de «reconhecer as fragilidades do seu ofício quando se confronta com a psicologia humana». É da necessidade da manutenção do seu ofício universitário (se quisesse ser eruditos chamar-lhe-ia ciência normal, mas já citei Nelo, o que é suficiente) que nasce o ímpeto cego da defesa da boa ciência (a ciência que ela pratica, entenda-se) e a contínua negação da fragilidade do conhecimento, o que, naturalmente, impede os ministros da ciência (magister) de reconhecer que a multicplicidade dos «trâmites da racionalidade são por vezes imunes à aplicação da razão à própria racionalidade». Em suma, caro Maradona, (e com isto é preciso notar que ainda julgo que és, neste momento, um dos maiores autores de língua portuguesa, ainda que com claras fragilidades no campo argumentativo, o que, sejamos sinceros, é perfeitamente aceitável num indivíduo cujo cultivo da metáfora está condicionado pela prática da estética e não da técnica), parece evidente que nunca deixámos nem velha filosofia, (mesmo que seja ela, e sempre, a puta mais competente, e a que menos aborrece) nem a pergunta sobre a possibilidade do ensino da virtude: debaixo desta discussão sobre as virtualidades do método científico, ou mesmo do possibilidade de atribuir o direito de cidade a actividades exotéricas capazes de gerar bem-estar social, está sempre o problema da verdade, autêntica pedra no sapato dos cientistas, mesmo os que, como tu, têm uma perspectiva esclarecida da ciência: permitir-me-ás que num blog erudito como o teu, haja lugar para invocar um filósofo erradamente rotulado de pós-moderno, homossexual, cujo único defeito foi não ter sido contratado para a direcção técnica do Benfica, nesse momento melancólico que acompanhou a chegada de Artur Jorge (foi o fim da ciência benfiquista): é que a ciência sustenta-se num suporte institucional (normalmente as Universidades), onde é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida, disciplinada por um conjunto de práticas, mais ou menos passíveis de credo racional, mas com amplas fragilidades irracionais – a pedagogia, a edição, o peer review, as sociedades de sábios, os laboratórios, a selecção dos fundos das Bibliotecas, a adaptação ao mercado, a utilidade, o que não impede que a ciência apenas veja reconhecida a dignidade do seu âmbito metodológico através da forma como o seu saber é valorizado, distribuído, repartido e aplicado nesse conjunto de indivíduos humanos a que chamamos sociedade; é o velho princípio grego que podemos considerar a título metafórico: «a aritmética pode ser tema das cidades democráticas, pois ela ensina as relações de igualdade, mas somente a geometria deve ser ensinada nas oligarquias, pois demonstra as proporções na desigualdade». Não falo sequer daquele tipo com óculos estilo Rui Santos, da Gulbenkian, ganhador do euromilhões dos cientistas, que quer estudar mecanismos de decisão humana em ratinhos, ideia totalmente compatível com a desproporcionalidade estética dos seus óculos, mas totalmente hilariante numa perspectiva, digamos por facilidade de expressão, minimamente informada, não porque junte ratinhos e humanos, uma vez que não os separa qualquer dimensão teológica ou simbólica que impeça as comparações, penso até que os ratinhos sõa bem mais dignos da atenção da ciência, mas porque separa humanos e ratinhos um problema técnico da mais alta relevância: a complexa diferenciação entre espécies ao nível dos mecanismos da linguagem (e sabendo a importância desta na definição de quadros neurológicos) mais uma vez se confirma que os defensores da boa ciência têm qualquer coisa de padre de Boticas e não são certamente as paletes de estilo que emergem dos óculos escuros com que se dão entrevistas ao jornal da Tarde, transmitido, todos os dias, com densa aparelhagem tecnológica – ou seja, recorrendo à mais debochada prostituição -, a partir do Monte da Virgem, nessa cidade invicta que é o Porto.

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