quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Não chega

Provavelmente a maioria concorda que as capacidades do intelecto humano são limitado. O poder dos computadores também, e bem mais que o humano como bem argumentou Jozeph Weizenbaum.

Ora se as capacidades do intelecto humano são limitados, a abordagem newtoniana para a política está condenada a falhar. Mas não chega, é necessário seguir o raciocínio até a sua inteira conclusão.

10 comentários:

ateixeira disse...

O que é que entendes por abordagem Newtoniana? É que no post Newton is dead não consegui perceber bem o que estavas a dizer.

Mas por exemplo aquilo que eu entendo por abordagem Newtoniana (apesar do contributo de Newton ter sido pouco e eu achar que termos como este não fazem lá muito sentido) falha logo na física. Por isso é que Boltzman teve que criar a mecânica estatística.

ngoncalves disse...

"O que é que entendes por abordagem Newtoniana? É que no post Newton is dead não consegui perceber bem o que estavas a dizer."

De uma forma um pouco mais matemática:

x(t) : função que descreve o estado do sistema (se existirem multiplas particulas, x é um vector) ao longo do tempo (t)

A expansão em série de Taylor é (se não me enganei):

x(t) = x(t_0) + x'(t)(t - t_0) + x''(t)(t - t0)^2/2 + ......

O que o Newton propôs, embora de forma diferente, foi ignorar todos os termos de ordem superior a três e dizer:

x''(t) = m*a (a é a aceleração, m a massa)

x'(t) = velocidade

Portanto, conhecendo as forças exteriores (gravidade no caso do Newton) e o estado do sistema inicial (posição e velocidade), sabe-se o estado futuro do sistema.

Repare que para a época isto foi um salto de fé enorme. Numa época em que o mundo era percebido como imensamente complexo e que só se explicava recorrendo ao sobrenatural, o Newton vem e corta todos os termos do somatório (menos o primeiro) e diz que basta conhecer o valor de "g". E conseguiu explicar o movimento dos astros no céu com uma precisão brutal. Isto é um resultado impressionante.

O método teve tanto sucesso que foi aplicado a tudo o que mexia na ciência.

Substitua "posição e velocidade" por "utilidade" e "força" por "regras" e tem teoria de jogos.

Substitua "partícula" por "pessoa" e "força" por "incentivo" e tem economia em todo o seu esplendor.

Etc....

ngoncalves disse...

". Por isso é que Boltzman teve que criar a mecânica estatística."

Eu não percebo quase nada do assunto, mas mecânica estatística não é considerar valores esperados ? O valor de particulas no sistema, o valor esperado das forças de todas partículas, etc....

E arriscando num campo que desconheço por completo, a física quântica não é substituir "posição e velocidade" por "energia" ?

Estou obviamente a simplificar, mas é necessário para que se consiga generalizar a abordagem newtoniana.

ateixeira disse...

E ainda(malditos 409 caracteres):


"Substitua "posição e velocidade" por "utilidade" e "força" por "regras" e tem teoria de jogos."
Desculpa mas não posso acreditar nisto. Se é verdade o que descreves as pessoas que trabalham em teoria de jogos estão a cometer um erro grosseiríssimo. Se de facto substituem posição e velocidade por utilidade estão somente a demonstrar que não percebem a diferença entre dois conceitos que embora relacionados não são equivalentes. Ou de outra forma a procederm por analogia teriam que arranjar um equivalente para posição e outro para velocidade. Nunca um mesmo conceito poderia chegar.
Outra coisa: no caso da força temos para Newton F=ma. Há também uma fórmula para as regras (se de facto regras é o análogo de força) em teoria de jogos?

"Repare que para a época isto foi um salto de fé enorme"
Não foi só para a época. Também foi para o lugar. Muito do que o Newton fez já tinha sido feito com antecedência por Alhazen com 6,7 séculos de antecedência.

ateixeira disse...

Em primeiro lugar não foi nada disso que Newton fez. Pelo menos não dessa maneira. Pelo menos a ajuizar pelas traduções dos Principia que os meus olhos já viram.

Essa maneira de derivar a lei de Newton é engenhosa, mas de facto não corresponde ao que ele fez.
Já agora acho que Newton nunca disse que x''(t)=ma uma vez que é F=ma ou x''(t)=a.

O que se fez depois de Newton foi dizer que F=ma como um axioma (baseado como deve ser em Física em factos experimentais) e supor como hipótese de trabalho que para descrever o movimento de uma partícula (ou conjunto delas) bastava conhecer as suas posições e velocidades iniciais. Ou de forma mais técnica: que as equações que regiam o movimento das partículas eram equações de segundo grau.
Ora nada na Natureza nos diz que as coisas devam de facto ser assim. Isto é somente uma hipótese de trabalho e deve ser posta à prova. E quando ela é posta à prova de facto se vê que resulta. Não há cá dogmas. Propõe-se uma teoria sustentada em várias hipóteses e retiram previsões. Se aquando se fazer experiências os dados correspondem às previsões então a teoria vai-se aguentando (perdoa-me a extrema sobresimplificação mas este rascunho de como se evolui em Ciência parece-me ser o suficiente para agora).
O problema não está na metodologia de Newton e dos newtonianos. Uma coisa que não se fala muito é que cada teoria científica tem o seu domínio de aplicação e quando se tenta aplicar a teoria fora do seu domínio as coisas dão barraca e novas teorias têm que ser erigidas para explicar como se passam as coisas no domínio diferente.
Há que ter em conta que aqui penso em dois tipos de domínio diferente. Como primeiro exemplo de domínio diferente penso tentar aplicar os pressupostos de uma teoria científica no campo aonde eles não são válidos. Como por exemplo querermos utilizar as equações de Newton quando a velocidade de um corpo se aproxima da velocidade da luz.
Outro exemplo de domínio diferente será levar a metodologia(ou pressupostos) de um campo de saber humano para outro. Muitas vezes isto ocorre com sucesso e outras não. Não censuro as pessoas por fazerem isto, mas censuro-as por não fazerem por estar a par da fragilidade desta acção.

A mecânica estatística foi fundada por Boltzman porque tendo em conta o número de partículas que se encontram mesmo num volume de gás é enorme. Ora resolver um sistema de equações do segundo grau com um número de partículas da ordem do número de Avogadro é impossível em todos os termos práticos (o tempo necessário para o fazer é maior que o tempo de vida do Universo). Assim sendo o que Boltzman decidiu fazer foi concentrar-se em quantidades médias de certas grandezas termodinâmicas ao longo do tempo.
Claro que esta deturpação ao ideal dos newtonianos (e convém distingui-los do ideal de Newton) não foi recebida de bom grado e o pobre do homem recebeu a maior das oposições até ao final dos seus dias. Diz-se até que foi por causa disso que ele se suicidou.
Por isso aqui tem: uma das primeiras pessoas a notar a não exequibilidade do programa dos newtonianos foi um físico e ele fê-lo no domínio da Física.

Quanto á questão da mecânica quântica depende do modo como olhar para o seu desenvolvimento. pode ter a óptica histórica ou a óptica axiomática.
Historicamente foi-se percebedno a não aplicabilidade de muitos conceitos e resultados da Física dita clássica no domínio do átomo e isso impôs uma mudança de metodologia e de pressupostos por parte dos físicos. Mas o que se faz na mecânica quântica é substituir as grandezas dinâmicas (energia, momento linear, momento angular, etc...) por operadores matemáticos que as representem e assumir que os valores que as grandezas dinâmicas podem assumir são dados pelos valores próprios dos ditos operadores. Às tantas isto foi muito abstracto e se achares melhor que faça isto por método de exemplo é só dizeres.

ngoncalves disse...

Em alguns pontos eu não consegui ser claro.

Newton não procedeu da forma que eu descrevi, correcto. Eu apenas tentei explicar por forma a que os princípios básicos pudessem ser aplicados noutros domínios.

A "forma engenhosa" não é minha, mas do Robert Rosen, um biólogo téorico. Pelo menos foi no trabalho dele que eu li originalmente estas ideias.

O fundamental neste processo é abstrairmos-nos dos conceitos físicos e brincarmos apenas com a parte matemática. O que se utiliza muitas vezes é a teoria das categorias, da qual eu tenho apenas um conhecimentos rudimentares.

Voltando ao exemplo da teoria de jogos. O que eu afirmei é que o papel do estado do sistema é feito pela utilidade, enquanto que em física clássica é tipicamente a posição e velocidade.

As forças são uma forma de modelar a interacção entre as diversas partículas do sistema. Por essa razão é que eu afirmo que as regras de um jogo fazem o papel das forças em física clássica.

A forma de provar isto é recorrer à teoria das categorias. Eu estou penso que é possível encontrar mapas (functors) entre a categoria dos jogos e a categoria da física clássica. Não o fiz, e admito por isso que posso estar errado nas afirmações que tenho feito.

ngoncalves disse...

Tem toda a razão quando afirma que os resultados da física clássica são validos apenas ........ nas condições da física clássica.

Este foi o motivo exacto que levou Robert Rosen a questioná-las. É preciso perceber o contexto. As primeiras décadas do séc. XX foram marcadas por um extraodinário sucesso da física: relatividade, bomba atómica, electricidade, etc. A tentação de levar os princípios básicos para outras ciências era grande. E os biólogos fizeram-no, e entretiveram-se a tentar modelar os sistemas biológicos como se fossem nada mais que sistemas físicos. O objectivo declarado era eliminar a noção de "vitalismo" (algo análoga à noção de "calórico") da biologia.

Isto teve algum sucesso, mas o Robert Rosen rapidamente se apercebeu que a manta era demasiado curta. Por isso, procurou alternativas.

ngoncalves disse...

Em economia passou-se algo bastante semelhante. É demasiado tentador não modelar as pessoas como partículas (os economistas gostam do termo "agentes racionais") e determinar quais os incentivos (as tais forças) que os levam a seguir determinados comportamentos.

É fácil de ver onde a metáfora deixa de fazer sentido. As pessoas não são planetas (!) e cada indivíduo reage de forma distinta ao mesmo incentivo. É normal que a partir de um determinado momento comecem a aparecer os efeitos secundários dos incentivos, tipicamente indesejados. É por esta razão que o Hayeck, o Milton Friedman a Ayn Rand e muitos outros liberais se opõem à intervenção estatal. Cada um à sua maneira propõe uma abordagem diferente que depois tentam justificar fazendo uso dos tais conceitos newtonianos. Algumas vezes é subtil, mas eles estão lá.

ngoncalves disse...

Terminando, cuidado com quando afirma que os resultados devem ser confirmados com dados experimentais. Em alguns casos não é possível (experiências sociais por exemplo), noutros os resultados são interpretados da forma mais conveniente para o experimentador. Acho que houve recentemente um moço alemão que publicava 1 paper por semana em física, com os resultados "ligeiramente" adulterados.

Muitas vezes apresentar números serve apenas para confundir o adversário. Por exemplo, é conhecido de todos que metade das famílias em Portugal vivem com rendimentos inferiores á media. Algo deve ser feito ?

ateixeira disse...

Ok ok agora percebo o melhor o que disse. Mas volto a dizer que não censuro as pessoas por utilizar as metodologias que tiveram sucesso num campo. Mas censuro-as por não procurarem inteirar-se das fragilidades de uma dada metodologia no seu campo original e de que forma essas fragilidades se repercutirão no novo campo aonde serão aplicadas. Isso claro para não falar das novas fragilidades que de certeza surgirão.

O problema com o argumento de Friedman de oposição à organização estatal é que se baseia em pressupostos errados. Os mercados nunca, mas mesmo nunca, respeitam as condições que ele supõe existir ao propor o seu modelo. A informação é assimétrica e imperfeita e nestas situações os mercados só levam ao exacerbar de diferenças económicas (o que por sua vez leva ao aumentar de diferenças sociais.), por isso querer seguir Friedman nos mercados é como querer seguir física newtoniana no domínio atómico: está condenado ao fracasso.

A minha afirmação da confirmação experimental referia-se ao domínio da física. É que se algo se diz ciência e não faz previsões testáveis então não é ciência. Ponto final!
Claro que há fraudes neste aspecto, mas tanto quanto sei elas são muito mais frequentes nas ciências ditas sociais (se bem que me lembre de muitos casos na Física). Mas é claro que isto em nada faz fraquejar a necessidade de haver confirmação experimental só faz com que tenhamos que ter mais cuidados com as confirmações.