quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Eram merdas deste género que eu escrevia nos bancos da faculdade, no tempo em que o Bruno Caires era considerado um jogador com margem de progressão

Durante a década de 1930, Martin Heidegger repetiu variadas vezes, numa conferência sobre a essência da verdade, que o verdadeiro significava a concordância entre uma coisa e o que dela previamente se presume, ou seja, a verdade seria a adequação da coisa com o conhecimento[1]. A enunciação deste principio coloca-nos desde já perante o mais decisivo dilema da historiografia sobre a Revolução Francesa: a concordância entre o que previamente se delimita conceptualmente e a análise do conceito in situ, a partir da análise histórica. Quando Albert Soboul, referia a inadequação entre a estrutura tradicional da sociedade e as forças económicas e sociais nos finais do século XVIII, respondia na sua análise a uma enunciação ideológica das alterações políticas, previamente estabelecida no seu quadro instrumental de análise[2]. O ano de 1789, estabelecido como ano um da liberdade, obedecia a um esquema formal da liberdade enquanto possibilidade de acção ao serviço das forças inelutáveis dos ciclos económicos. Heidegger tinha já há muito referido que a reflexão acerca do laço essencial entre a verdade e a liberdade, conduzia ao problema da essência do homem[3]. Furet fustigará de forma inapelável a obra de Soubol, a partir desta pre-conceptualização e mesmo reconhecendo a impossibilidade de uma total des-conceptualização instrumental do historiador, pois ele pensa com toda a sua estrutura pré-fabricada de conceitos originários no tempo histórico, Furet, elogiará, o carácter historicamente a-conceptual à sua contemporaneidade, da análise de Tocqueville[4].
Ora toda a estruturação do pensamento histórico assenta sobre uma mundividência conceptual, facto que hoje parece indesmentível, mas essa conceptualização pode ser circunscrita por uma apresentação dos processos analíticos, sendo que o historiador que clarifica o seu aparato conceptual, desvela no ciclo da interpretação a chave para uma descodificação dos signos históricos que deduziu[5].
[1] HEIDEGGER, Martin , "Sobre a Essência da Verdade", in Conferências e Escritos Filosóficos, Nova Cultural, São Paulo, 1991, p. 123.
[2] SOBOUL, Albert, 1789, L'An Un de la Liberté, Caminho, Lisboa, 1978, p. 17.
[3] HEIDEGGER, Martin, Op. Cit., p. 127.
[4] Cfr. FURET, François, Pensar a Revolução Francesa, A Regra do Jogo, Lisboa, 1978.
[5] Cfr. RICOEUR, Paul, A Teoria da Interpretação, Porto Editora, Porto, 1995, pp. 125-132.

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