sexta-feira, 28 de agosto de 2009

No momento em que me preparava para um conclusão brilhante sobre a escola pública alguém sintonizou o rádio num tema de António Calvário

Vamos falar da escola pública. Melhor dito, vamos jogar aos paulitos e lançar a malha. Que é como quem diz vamos aquecer uma alheira de mirandela confeccionada há mais de uma semana e vomitada pelo cão da vizinha, isto para não faltar a tradicional alusão bíblica. Que é como quem lembra que o cão não deve voltar ao seu próprio vómito, mesmo sendo o dito cão pertença de uma vizinha não negligenciável. Porém, sendo eu sabujo como um cão negro volto a Henrique Raposo, autor predestinado cujos textos, não deixando os seus créditos por mãos alheiras, abrem novos horizontes de sentido, tornando qualquer fenomenologia hermenêutica uma espécie de introdução aos folhados de salsicha. Mesmo um Quim Barreiros - tiro o carro, ponho o carro - ou um José Malhoa - não me vem agora ao espírito um refrão de qualidade inquestionável entre os vários de mediana genialidade -nada podem contra o texto de João Cardoso Rosas destacado por Henrique Raposo. Acontece que Rosas navega em águas mais turvas do que a ribeira de Moscavide, desenhando esboços ético-ensaísticos que lembram um cruzamento entre César das Neves e José Mourinho, num hipotético dia em que o Inter fosse goleado pelos Unidos do Cartaxo e o Papa Bento XVI confessasse publicamente a sua inclinação homossexual. Cardoso Rosas, sendo professor de teoria política, ensina que abertura da escola pública a todos afastou dela as classes de maiores posses o que teria acabado por transformá-la num factor de exclusão social. Claro que o Professor Cardoso Rosas salta a associação entre o hipotético afastamento das classes de maiores posses e os factores de exclusão social, resultando de tudo isto, se o leitor for detentor da mais elementar honestidade, a admissão de que a origem desta ideologia é o pensamento da esquerda e uma visão irreflectida das implicações do ideal de igualdade. Neste momento estamos já perdidos, de régua e esquadro na mão, entre a suposta inclusão de um ensino que não fosse facilitista, não permitindo que as classes de maiores posses o abandonassem, e, por outro lado, as irreflexões da esquerda, incapazes de vislumbrarem as mais translúcidas reverberações do ideal de igualdade. É-me difícil compreender a partir de que instrumentos teóricos deduz Cardoso Rosas que o abandono da escola pública pelas classes de maiores posses resulte num decréscimo do nível do ensino. Se como acredita o estimado Professor, o facilitismo deriva de políticas de esquerda irreflectidas, que é como quem diz políticas onde não estão reflectidas as ideias de planeamento social do Professor Cardoso Rosas, não me parece lógico concluir que desse facilitismo decorre uma suposta exclusão social. Isto seria acreditar que a promoção social, e inversamento a exclusão dos ignorantes - lembre-se o exemplo do Professor Aníbal Cavaco Silva, que me escuso de comentar -, se efectua através da medição do capital real de conhecimento detido por cada um dos cidadãos - medição que concerteza se efectua por acção daquelas instituições que só existem nos artigos escritos por professores de ciência política. No entanto, sabe o Professor Cardoso Rosas, e sabe o cão negro que redige estas linhas, que a promoção social, como a amostragem do cartão vermelho num jogo de futebol, como o lançamento do dado no Casino da Figueira, depende de vários e complexos alinhamentos dos astros, sobretudo num território onde Professores de Teoria Política acreditam que a solução do ensino passa por uma divisão dos alunos e turmas de acordo com os ritmos de aprendizagem. Se vamos falar de ritmos, será inevitável convocar ferrinhos de Barcelos e um reco de Rio de Tinto, isto se queremos evitar o vómito antes do terceiro copo de tinto, que é a única forma de suportar um derradeiro debate sobre a escola pública, sobretudo se o mote é dado pelos clarins da ciência política, que é aquela coisa entre uma interpretação musical de Alberto João Jardim e uma curva de Philips desenhada num guardanapo da festa do Pontal.

1 comentário:

binary solo disse...

não acredito que te esqueceste do refrão do "aperta, aperta com ela" do josé malhoa, talvez um pouco acima do nivel a que o quim barreiros nos habituou. E tendo em conta o que escreveste sobre o texto do senhor, até o malhoa sabe mais de escolas.