quinta-feira, 16 de julho de 2009

Teoria do reconhecimento: ou Truffaut embevecido por Hitchcock (sou ou não sou um pós-moderno)

Francisco José Viegas escreveu recentemente, no seu ressuscitado blogue, um mini-ensaio sociológico sobre a blogosfera. Entre vários conceitos que não retive, tenho andando aos trambulhões com pelo menos dois: «maledicência», esta palavra que encarna a espiritualidade portuguesa, desde a ética quotidiana prescrita pela irmã Lúcia até às considerações amorosas de uma donzela descrita por Camilo Castelo Branco, e «ressentimento», tipo de emoção sobre o qual gostaria de tecer um ou dois comentários, movidos por uma inveja irremediável, após consulta médica ao blogue da menina do limão. Parece que a blogosfera destila ódio, ressentimento, maledicência. José Pacheco Pereira queixa-se muito deste padecimento. Talvez seja necessário explicar, uma vez que ninguém explica, porque surge aqui um dos mais interessantes problemas das sociedades mediáticas. Quem não aparece, não existe. Quem não está na televisão, não tem existência pública. Quem não é visitado no seu blogue, vê definhar lentamente a sua massa cerebral. Quem não escreve no jornal - e lê quotidianamente as crónicas de Constança Cunha e Sá ou César das Neves - envelhece à velocidade da luz, enquanto agita nervosamente os dedos das mãos em direcção á chávena de café. Com efeito, sem existência pública, que nos perdoem todos os apóstolos pequeno-burgueses, a psique tem tendência para a degenerescência. Algures entre Cabo Ruivo e a Venda do Pinheiro, li no outro dia um pequeno ensaio que identificava na origem da ciência económica - Smith e também Rosseau, pasme-se, o inimigo da liberdade - o reconhecimento dos outros como grande motor da acção humana. O reconhecimento, após três séculos de cultura capitalista, onde a riqueza material era o meio fundamental para o obter, faz-se cada vez mais através da comunicação. E temos um simbiose explosiva entre comunicação e visibilidade humana. Ora, o acesso à visibilidade já não se faz por via da cidadania mas pela inscrição na comunicação social. Não vou citar José Gil, uma vez que penso aqui num outro tipo de inscrição, mais relacionado com a praxis - estilo inscrição de sócio do Benfica - e menos o conceito giliano meta-psicótico. A verdade é que se repararmos no próprio conceito - comunicação social - logo se torna evidente que é por ela que a sociedade comunica. Quem não comunica tem, necessariamente, que desabafar. Tudo isto pode adquirir foros de raiva - estilo Paulinho Santos no momento de eguer o cotovelo - quando o recrutamento para a dita inscrição não se faz por recensamento territorial, nem sequer por extração meritocrática, mas simplesmente através de critérios de maximização económica ou, na pior das hipóteses, após uma jantarada de família. O que é então o ressentimento na blogosfera? É apenas uma forma de dizer, atrapalhadamente: estou aqui, logo existo.

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