domingo, 24 de maio de 2009

«Nada se perde por mais que aconteça/ uma vez que já tudo se perdeu»



Mantorras não é um jogador de Futebol. Mantorras não é um atleta de alto rendimento. Mantorras não encaixa no perfil exigente do futebol-indústria. Há muito que os comentadores deixaram de poder compreender o futebol, preocupados em salvar a tosta e a cerveja. «Alegria do povo» ou «força da natureza» são ridículas aproximações a uma evidência – tão cristalina que chega a cegar quem dela se aproxima com pés demasiado velozes. Mantorras é um homem que atravessou a guerra, tocou o ouro do Olimpo (momentos houve em que esteve referenciado pelo Barcelona) e mergulhou na apatia dos sonhos perfurados pelos dias. Até aqui, uma narrativa igual a tantas outras. Mas no momento em que as rodas do destino embalam para a curva derradeira (convidando Mantorras a desaparecer numa divisão secundária, apoiado pelo sindicato, com aparições esporádicas em programas sobre velhas glórias juvenis) alguma coisa encrava a engrenagem funcionária da normalidade (o animal espeta finalmente os cornos no destino). É então que o jogo se suspende – há muito que vitória ou derrota deixaram de fazer sentido quando Mantorras entra em campo – e o homem caminha glorioso sobre os seus próprios pés. O rastilho que se acende nas bancadas – inflamando a turba – não é nenhum carisma obscuro. As crianças esticam-se em bicos de pés, olhando por cima das cabeças dos mais velhos. Não é nenhum contágio simbólico (entre as acácias vermelhas de Luanda e as papoilas rubras de Lisboa). E os velhos sentam-se cerrando os punhos, quando regressa ao corpo uma energia antiga. Mantorras é um homem que triunfou da própria vida – dobrando com os pulsos a lógica do alto rendimento e a aritmética da eficácia -, no mais cruel e efémero dos palcos da vaidade.

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