terça-feira, 26 de maio de 2009

Apetece-me maçar um pouco este auditório que, diga-se em passagem, está claramente num momento de crescimento multiplicador

Henrique Raposo, num dos seus mais recentes tiros a radicais de extrema esquerda (uma espécie da caçada oitocentista na floresta de Windsor mas com muito mais casacas de setim e densidade intelectual por hectar) apontava para um texto carregado de originalidade, assinado por João Marques de Almeida: Pergunto a todos os críticos do "neo-liberalismo" se acham honestamente que num mundo mais competitivo, mais igual, onde o ocidente já não manda, será possível preservar todas aquelas funções? Se julgam que sim, digam como e deixam de atacar o "neo-liberalismo". A tese assenta sobre a crítica de uma errada simplificação que vê na crise actual uma consequência de políticas neo-liberais. Exemplo: a derrocada do Estado Social decorre da repartição da riqueza pelo mundo inteiro (faltou acrescentar: com júbilo e ao som de trombetas.)
Embora não seja um crítico do neo-liberalismo, mas sim um sebento adepto das mais ignóbeis porcarias menos de uma frase mal escrita, gostaria, se me é permitido, de tentar uma singela resposta, entre os tiros certeiros de Henrique Raposo e a perseguição dos galgos caçadores pelos prados do Grande Parque, que ladeia o Tamisa, de Sua Magestade a Rainha de Inglaterra: 1) a táctica de lançar o roto contra o nu é ainda mais antiga do que a dança da fogueira nos recônditos confortos, forrados a pele, de uma longínqua caverna - o facto das montanhas Chinesas, dos deltas Indianos, das cordilheiras da América do Sul ou das savanas Africanas, participarem na riqueza circulante não me causa qualquer espécie. Aliás, utilizando um típico argumento liberal, não são esses pobres que clamam contra o Estado social. O problema, no que diz respeito à famigerada «sustentabilidade» dos andaimes sociais, está, como sempre esteve, no problema da repartição; 2) Uma grosseira simplificação é precisamente o cansadíssimo argumento que relaciona a crise actual com o crescimento económico da Cinha, da Índia ou da América Latina, uma vez que a frequência de um qualquer centro comercial chegaria para entender a enorme complexidade do conceito de riqueza. Contudo, devemos chegar a um entendimento, pelo menos num aspecto: não se pode aplaudir a emergência dos camponeses chineses e indianos – supostamente esvaziando os bolsos das opulentas sociedades ocidentais e escavacando o modelo social europeu – para logo insultar, entre tiro de caçadeira, e uivos liberais, as aspirações dos pobres do primeiro mundo. Quem tanto fala de globalização, teima em não perceber que a circulação do capital há muito estilhaçou as fronteiras geográficas. Assim como também não será necessário sublinhar que a crítica ao modelo social europeu convive com o comércio de luxo - desde a Ferrari, passando pela Lacoste, até à Rolex – sem que se questione, por um segundo, quais os custos para o Estado – e para o contribuinte - deste comércio multiplicador de riqueza. Quanto custa ao Estado policiar uma loja da Cartier, na Baixa Chiado, que produz postos de trabalho insignificantes? Quanto fica em impostos? Quem consegue provar, nos termos da ciência económica, o custo/benefício real, numa economia global, dos benefícios fiscais concedidos a empresas que actuam segundo princípios de maximização do lucro? O que os caçadores de esquerdistas teimam em não perceber é o facto do liberalismo se basear numa dose assinalável de fé religiosa, em princípios que vão ruindo com a mesma simplicidade ingénua do socialismo soviético. Este é talvez o maior mito liberal que urge desmontar: a ideia de que existem despesas públicas e privadas, como se a economia não fosse um problema de circulação, sendo que as públicas devem ser reduzidas (elas significam uma tendência democratizante que um liberal não pode suportar) e as privadas são sempre multiplicadoras de riqueza (ignorando os custos de transacção decorrentes do desequilíbrio social que resulta da “livre” iniciativa, outro aspecto icontornável que um liberal não pode engolir sem muita agitação intestinal). O problema do Estado Social é, como todos os problemas em economia, uma questão de valor, não uma questão de orçamento.

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