terça-feira, 24 de junho de 2008

O comentário futebolístico como forma suprema de literatura

Como tenho dito, e reafirmado, não aprecio futebol. Contudo, aprecio frases de belo efeito. Parece que o Garret era capaz das piores porcarias menos de uma frase mal escrita. Há nisto uma espécie de genealogia estilística. Qualquer brasileiro, congolês ou cabo-verdiano, desde que envergando uma camisola de Portugal, é capaz das piores porcarias menos de um passe esbulhado da devida cornucópia ou de um centro sem a necessária revienga à rectaguarda. Daí que seja inconpreensível a forma como o alvoroço “comentarista” - estas magníficas expressões cariocas, e ainda há quem não queira acordos linguísticos - evoluíu no sentido da explicação tecnico-competitiva dos golos sofridos no jogo aéreo. Com efeito, Rui Santos - o frasco de gel ambulante do mundo com mais intuição crítica - fez desfilar diante de nós todos os possíveis argumentos expositivó-expositórios da derrota portuguesa. Quais? Não sei, porque mudei imediatamento o Canal para A Outra, esse hino ao disparate onde Tozé Martinho confirma todas as potencialidades da representação em estilo parece-que-estou-a-ler-ops-gaguejei-mas-não-faz-mal.


Salva-nos a blogosfera onde - para salvação da língua portuguesa - se tem feito alguma luz. Que é como quem diz, o único lugar onde todos já sabiam que era imperetrível uma marcação zonal das bolas altas.


«Por outro lado, se a equipa que tem como táctica a instalação de uma ventoinha de anões no seu meio campo, em cujas pás pontificam fabregas, xavis, silvas, iniestas, cazorlas e uma única pessoa com um resto de dignidade a correr-lhe nas veias (Senna), passar das meias-finais do Euro 2008, este blogue acaba também, não por causa das merdas ou por gosto da Russia (o Arshavin tem 27 anos, pelo amor de deus, é uma espécie de Zé Manel à escala global), mas porque não estou para ouvir mais o Luís de Freitas Lobo a falar do "espaço entre-linhas" e de uma certa "ideia de futebol". Em todo o caso, quero que a Alemanha esmague a Turquia (por causa do curdistão), que a Russia esventre a Espanha do País Basco às Canárias e, principalmente, que alguém limpe o sarampo ao Villa, pessoa que nem merece o esforço de uma analogia, apesar de ter uma infinidade delas aqui em carteira», A Causa foi Modificada



«Não me lembro de ver uma equipa da Alemanha festejar de forma tão efusiva uma vitória sobre a selecção portuguesa, ainda por cima nuns meros quartos de final. Aparentemente, eles acharam o desafio mais difícil do que os maníaco-depressivos que nos últimos dias sobre nós derramaram as suas análises.

A verdade é que, entre equipas fortes de nível idêntico, o resultado final depende de uma infinidade de não sei quês, que não só ninguém consegue prever a priori, como, mesmo a posteriori, é muito difícil entender plenamente. Perdemos por quase nada, do mesmo modo que, doutras vezes, ganhámos sem saber como nem porquê.

O racionalismo mecanicista aplicado ao futebol é uma fraude ou, pior ainda, uma anedota». João Pinto e Castro, in ...bl-g- -x-st-

P.S. A transcrição ipsis verbis não se deve a dificuldades com as novas tecnologias. É já o defeito profissional do academismo: a incapacidade de não usar argumentos de autoridade.

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