quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O Jesuíta de Coina

O Colégio S. João de Brito teve uma magnífica classificação no ranking internacional da pesca ao exame. Nada mais nada menos do que o 4º lugar. Este inaudito e glorioso resultado convoca todos os homens de bem e todos os poderes públicos, potestades e divindidades, a um empenho denodado na tarefa mais urgente da nação - liberdade de aprender e ensinar.

Vejamos o que diz o douto Forum para a Liberdade de Educação:
“Todas as Escolas — de propriedade do Estado ou de entidades privadas — devem ter autonomia para diversificar os seus projectos educativos e por estes ser totalmente responsabilizadas, assistindo aos pais o direito de optar livremente entre qualquer delas”
Totalmente responsabilizadas. E com diversidade de projectos educativos. Ou seja, missas e matemáticas para um lado e política para o outro, que estas coisas não são para misturar.
Este Forum, constituído por intelectuais de nomeada, com vastos currículos de reconhecido mérito intergaláctico, é constituído por um grupo de

“cidadãos preocupados com a situação da educação e do ensino em Portugal e que partilham o diagnóstico de que as deficiências mais graves resultam primordialmente da ausência de uma efectiva liberdade de aprender e ensinar”.

Justamente. Esta solução parece-me clara como água e acertada como uma maça na cabeça de um guarda do Xerife de Nottingham após uma seta disparada por Robin Hood.
Lembro-me que eu, inocente criança, fui levado pelos meus pais, entre lágrimas e gritos, a uma escola pública. Imaginem a repugnância do meu espírito! Uma escola pública. Com baldas, professores que faltam, gamanços no recreio, ausência de valores, sem espetáculos de natal ou sequer um catálogo infinito de actividades extracurriculares, sem missa inaugural (ó vergonha eterna do saber).
E ali fui mantido contra minha vontade, chorando junto aos gradeamentos a minha servil condição de aluno num país onde os meus pais não podiam escolher. Ou escola pública ou escola pública. Se o Estado se tivesse responsabilizado pela minha educação, com verdadeira liberdade, os meus pais decerto teriam corrido a uma das centenas de escolas privadas que, certamente, logo se multiplicariam como cogumelos do Minho a Timor, perdão, do Minho ao Algarve, abrindo as suas excelsas portas, possibilitando-me uma educação competitiva, global, de excelência.
Sim, não percamos mais tempo, despedimento para todos os funcionários públicos (que há Estado a mais) e cheques-ensino para todos (que há Estado a mais, ou melhor, a menos, quer dizer… que há estado - isto de coisas em comum, colectividades, cheiro a sardinhas, vinho tinto, tabaco, senhores de bigode… que horror, que porcaria).

Ora, já imagino o futuro risonho do meu país. O absentismo reduzido à insigificância de formigas acossadas pela coruja do saber; os indíces de licenciados e doutorados disparando em direcção ao céu, ultrapassando a Grécia, Turquia, República Checa, Alemanha, E.U.A, França, Noruega, Dinamarca, Suécia, (a Suécia, meu deus, a Suécia); filas intermináveis de famílias desfavorecidas da Musgueira, Cova da Moura, Brandoa, Poço do Bispo, Baixa da Banheira, Trafaria, Alhos Vedros, Coina (libertando-se dos aguilhões iníquos das áreas de residência) à porta do Colégio de S. João de Brito com total liberdade de aprender; os magníficos, e altamente qualificados, professores do Colégio em extâse metafísico-democrático-liberal com a liberdade de poder ensinar.

Na saula de aula do Colégio.

- Nelson Chibanga resolva esta equação de segundo grau, por favor.

- Concerteza stôr, deixe-me só consultar este magnífico dicionário criolo-português que o meu pai, ontem à 21h30, depois de chegar da obra, foi comprar a uma das várias livrarias altamente especializadas de Coina, por recomendação da minha prima Vanessa que ainda ontem tirou vinte no exame de matemática do colégio mira-rio depois de uma sessão de cinco horas e meia na prática de exercícios na área das equações diferenciais, à luz do candeeiro a petróleo, sob aquele inigualável e instrutivo reflexo do zinco nas folhas brancas, sessão essa, devo dizer em conformidade com a verdade, superiormente orientada com brio e excelência pela minha tia Marlene Chibanga depois de oito horas a arrumar tabuleiros no centro comercial e mais duas horas divididas entre o autocarro de Loures Shopping e o barco do barreiro onde, com leveza e inigualável precisão, não obstante os balanços da ondulação e a tristeza infinita das manchas de petróleo reflectindo no rio a luz da lua, preparou toda a sessão de estudo. Que isto é apertar connosco, porque desde que recebemos o cheque-ensino, louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo, e nos deixámos destas coisas das minorias culturais, Deus nos livre das ideias estruturalistas como ensina o Magister César das Neves, o meu irmão Venceslau Chibanga, após uma curta estadia a trabalhar nas obras do Terreiro do Paço, já se doutorou em economia do desenvolvimento e frequentou três MBA na Leonard Stern School of Business da New York University, Maria Santíssima continue a olhar por nós.

1 comentário:

José Carrancudo disse...

A escola pública funciona muito mal, porque foi minada pelas incongruências pedagógicas as quais foi forçada a adoptar há 30 anos.

Basta removermos os disparates pedagógicos e metódicos, para que volte a funcionar, embora os resultados bem visíveis só aparecerão em 10 ou 12 anos, quando acabarão os estudos os alunos que estão agora no 1º ciclo.