Declaração de interesses: as pessoas com falta de tempo podem já saltar para o comentário de Ex-Vincent Poursan, identificado por Anexo 1, e que resume no essencial os problemas de sociologia literária abordados neste post. Uma boa noite a todas as pessoas que ainda não desistiram.
Há pessoas que me perguntam continuada e repetidamente porque não se cansa a minha personalidade inesquecível com as infinitas, desesperadas e aparentemente inúteis tentativas de objetivar as forças obscuramente poderosas que levam as máquina de impressão da revista Visão a obedecer às indicações do diretor gráfico para que obedeça às recomendações do diretor editorial intermediadas pelo diretor de fecho de edição, depois de devidamente informado pelo editor de capa, a permitir que figure no campo superior direito da primeira página da referida revista uma chamada de atenção para o novo livro de José Luís Peixoto sobre um conjunto de viagens à Coreia do Norte.
- Mas que te importa esse gajo? Caramba, é um coitadinho que explora a ignorância dos leitores e beneficia de uma indústria atrofiada por posições abusivas de mercado, situações de monopólio e erros de previsão sobre a preferência dos consumidores, o que resulta normalmente em tentativas de controlo do risco pelo condicionamento da oferta de produtos concorrentes - disse Heinz, enquanto cofiava uma barba cinicamente trabalhada por um longo acumular de derrotas intelectuais e políticas, pegando lentamente nos jornais do dia, e lançando para o infinito os dois olhos mortiços que não levarão muito tempo a desmaiar novamente sobre a superfície negra da mesa do café.
- Pois é, pois é, uma questão de assimetrias do mercado. Repara que do meu ponto de vista, Peixoto é apenas um exemplo que nos permite descodificar regularidades mais vastas. Newton escolheu maçãs porque lhe cairam na cabeça; podiam ser abóboras, melancias, limões, laranjas ou pêssegos. Ora, a mim está-me sempre a cair o Peixoto no alto da cabeça. Ligo a televisão e logo em rodapé: Peixoto; compro o jornal, Peixoto; olho para um quiosque, Peixoto; entro no átrio de uma Universidade e logo o cartaz de um prémio de poesia rural, Peixoto. Se o gajo não quer ser tomado como representante de uma classe que deixe de aparecer em todo o lado. Repara, o que farias se te servissem um bife estragado? - perguntei de súbito, enquanto duas gaivotas desferiam ferozes bicadas numa carcaça metalizada que rapidamente identifiquei como o reles e desprezado vestígio da forte indústria pesqueira, entretanto substituída pela agradável e variada gama de bens e serviços de ponta, tão vilipendiados por economistas carecas.
- Não só essa história do Newton é apócrifa como a analogia é totalmente canhestra. Um livro não coloca em causa a minha saúde - disse o meu amigo, Heinz (um leitor militante de Gonçalo M. Tavares, que me implorou para que lhe atribuísse um nome austro-alemão de forma a parecer inteligente). Depois, palpando a coxa onde acabara de se despenhar uma poderosa melga após sugar violentamente todo o sangue possível da gordura abdominal de uma funcionária das finanças, ainda por cima sexagenária, Heinz espetou um dedo no meu ombro e com olhos amendoados ameaçou - cuidado, ainda pisas o terreno perigoso da liberdade de opinião. Não me parece que a vida das pessoas esteja em perigo.
- Ai não? Ainda há pouco tempo li num blogue o comentário de uma pessoa a quem recomendaram o Peixoto como sociológo da vida quotidiana. Quando o Gaspar concretizar o ajustamento e as pessoas tiverem todas que fugir de Portugal para não serem acorrentadas a um poste a fabricar sapatos chineses, depois da falência da Europa e dos Estados Unidos, a dita menina será confrontada com uma entrevista para assistente social na Alemanha onde um tipo de olhos em bico, envergando meias brancas e carregando duplamente nos «rr» e nos «ll», lhe perguntará: «entlão diga lá quaiss são às suas ideias sobrre o flagelo do envelecimento?» A menina começará a responder por monossílabos e frases curtas, citando a experiência da emigração em França, a maratona de Lázaro, os problemas das pessoas ruralizadas coitadinhas que sofrem muito, ai, ui, e o Galopim pedreiro, e os desgostos amorosos da velha Lubélia que nessa obra prima intitulada Livro, profere a certa altura a grandiloquente frase «estafona-me toda», e quando o senhor chino-alemão responder que se estamos a falar de literatura, então a menina deve partilhar o que extraiu das suas leituras, a menina sentirá então que sobre sociologia só apreendeu os estereótipos da cabeça do escritor e com a literatura não teve o menor contacto - respondi eu, cada vez mais acossado com o inquérito e pronto a sacar do bolso esquerdo e roto de umas calças de sarja, oferecidas por uma tia perneta no meu trigésimo aniversário, o argumento newtoniano de que com estas ideias estaria só a brincar com pedrinhas coloridas - Qual é o mal, não se pode?
- Isso é muito subjetivo. O escritor Peixoto apenas manifesta o seu ponto de vista e quem quiser que compre, e é só - respondeu Heinz esticando os punhos do casaco como se quisesse demonstrar a justiça das suas afirmações com o facto de não saber escolher o tamanho do vestuário.
- Mas manifesta muito mal o seu ponto de vista, de tal maneira que há quem o confunda com uma disciplina, a sociologia - respondi sem hesitar porque me pareceu importante aduzir um argumento baseado na indeterminação das preferências dos consumidores.
- Não tentes contrariar movimentos espontâneos - disse Heinz abrindo as mãos num movimento ondulante, para ilustrar com o corpo uma frase obscura e pouco quotidiana que um editor zeloso e preocupado me obrigará certamente a rever.
- Como? - perguntei eu.
- Como o quê? - perguntou Heinz. Mas entretanto passou um gaja impressionante onde um risco preto e regular sublinhava umas sobrancelhas misteriosas, onde faiscavam, às ordens de um movimento rápido e severo, dois pontinhos de luz verde. Oscilando as ancas em coordenação de antílope (pronto, lá se foram duzentas gajas do blogue do Tolan) e rodando matematicamente o pescoço numa perfeição de metrelhadora anti-aére, enviou-nos impiedosamente para o longínquo e desprezado país das pessoas irrelevantes e desprotegidas perante todas as formas de beleza agressiva.
- E as pessoas não merecem ter acesso a um discurso crítico sobre um produto tão manifestamente comercial como um bife? Não temos o direito de saber se as páginas foram engordadas com hormonas? - retomou Heinz (perdão, enganei-me, mas a Izzy, uma notável comentadora, corrigiu-me prontamente; na verdade, pensando melhor - ah, a maravilha da correção e da objetividade - estas duas perguntas foram por mim formuladas, e não pelo querido Heinz) numa tentativa frustrada para ultrapassar o silêncio confranjedor que se instalara subitamente entre nós como um exército invasor.
- E como podemos nós fazer tal juízo? Não só o livro não afeta diretamente a saúde como não pretende ter uma visão consistente ou integrada num sistema de valores previamente ordenado pelos mesmos pressupostos críticos - respondeu Heinz, enquanto eu me esforçava para elevar o olhar sobre as cabeças dos outros clientes do café, porque entretanto a gaja impressionante parara à porta, fornecendo uma derradeira oportunidade para conferir de que forma as suas pernas compridas, revestidas numa elegante licra cinza, se fundiam com as ancas, uma vez que é muito habitual uma coxa divinamente torneada alargar de tal forma na sua terminação que toda a contemplação lateral resulta num choque entre duas formas de beleza, que mesmo sendo igualmente poderosas na sua diversa coerência, a robustez muscular da abundância ou a forma esguia e atlética da escassez, acabam por misturadas vitimar a anatomia humana com as mesmas impressões de desprazer com que são vitimadas as fachadas de igrejas onde as colunas neo-clássicas são esmagadas com o peso de anjinhos gorduchos e inúteis.
- Em primeiro lugar, não tenho tantas certezas sobre a saúde. Os estereótipos sobre a natureza humana, abundantes nos maus livros, reduzem a imprevisibilidade dos acontecimentos e tornam as pessoas mais vulneráveis ao engano. Quanto a sistemas de valor, se é assim tão indiferente a ordem de preferências, porque razão há leis tão apertadas sobre a formação do preço do livro? - perguntei eu para me libertar dos sentimentos pecaminosos que colonizavam a minha inteligência separando o objeto mulher da sua função reprodutora (eu depois explico).
- Mesmo que isso fosse verdade, onde pensas chegar com a descodificação da qualidade literária? Não te parece que é uma brincadeira que nos colocar muito perto da censura? - perguntou Heinz, invejoso pela informação visual de que me sabia possuidor mesmo que com essa informação eu não pudesse adquirir sobre o meu amigo qualquer vantagem comparativa, pois na verdade, a inveja não só não é interesseira como não respeita o tempo, esmagando todas as formas de cálculo: nasce e esgota todas as suas forças num curto instante, à semelhança das grandes explosões.
- E será por ser perigoso que se deve proibir a utilização do fogo? - disse rapidamente, ainda sobre o efeito das reflexões sobre a inveja, e continuei - A questão está em controlar e conduzir os instrumentos perigosos, como a censura, segundo os nosso objetivos e não deixar que sejam editores analfabetos e presidentes de gasolineiras, com quem Peixoto já teve acordos, note-se, a decidir que livros e autores devem ou não ser publicados e reproduzidos. Ou há mercado ou comem todos. Mas para haver mercado é preciso instrumentos de informação sobre a qualidade dos produtos transacionados no mercado, coisa que inexiste em Portugal no que diz respeito a livros, razão pela qual o mercado não ultrapassa a indigência: estamos todos de côcoras perante a estupidez geral - terminei prontamente, não muito convencido das minhas ideias.
Mas porque estava totalmente consciente das dificuldades que me cercavam, e a pouca paciência dos leitores assombrava a minha consciência sensível, recomendei a Heinz que ficássemos por aqui, e terminássemos o pequeno diálogo, pois o eléctrico que nos levaria para o centro da cidade, rugia já sobre o duplo carril por onde escorria uma torrente de água. Pouco preocupados com a nossa roupa de baixo preço (os escritores russos sabem sempre o valor em rublos dos sobretudos e casacos) e apostados em subir a bordo, fomos violentamente encharcados pelo veículo desajeitado que se vingou do progresso tecnológico com um urro ensurdecedor e uma convulsão mecância que ao recolocar a pesada massa em andamento, fez surgir na fiada de janelas a cabeça de uma alemã simpática que disparou sobre nós a sua máquina fotográfica, imortalizando involuntariamente aqueles dois lisboetas, parados, de pé, sobre a calçada, sorrindo agora, com a compaixão possível, para os anónimos que dali a treze palavras desapareceriam para sempre no interior de um eléctrico perdido numa cidade crepuscular.
Apesar do respeito que não posso deixar de continuamente manifestar por Tolan, há certas merdas na vida que definem todo um programa psico-político em relação à economia do desenvolvimento a defender para uma agremiação como Portugal, e um dos indicadores perfeitos para saber quem está e quem não está a caminho de um superior estádio de desenvolvimento das condições materiais de produção de uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais bem remunerada, mais bem apetrechada de gajas interessantes, é a capacidade de disntinguir entre um génio literário (remeto o leitor para minha obra, onde são facultados gratuitamente vários exemplos) e um chato que encheu a existência mundial de livros tão pesados quanto a chatice, irrelevância emocional, ignorância cultural e científica que transportava dolorosamente dentro da cabeça (Thomas Mann).
Não quero com isto dizer que os camaradas de causa - o Casanova foi ganhar dinheiro para o lado do inimigo e o maradona abandonou misteriosamente o barco, constando que está a divertir-se ventriloquamente com a criação, altamente bem remunerda, de todas as declarações públicas do público boneco Vítor Gaspar - devam dividir-se em grupúsculos e fações à semelhança da esquerda portuguesa e albanesa nos anos 60 e 70, mas deve ser claro para todos os leitores que o meu programa libertário, enquanto não põe de pé uma emissão crítica e organizada da produção de livros, implica uma justa edição de comentadores capaz de subverter o imperialismo capitalista que governa a consciência altamente hierarquizada das nossas identidades culturais, e lembro a todos que o Carlos Vidal vai falar da importância de Badiou no pensamento de Eduardo Prado Coelho, dia 15 de Novembro no Auditório 3 da Fundação Calouste Gullbenkian, pelo que antes de me despedir com uma longa e justa citação de Ex-Vincent Poursan, quero lançar dois reptos às pessoas que pensam perder tempo com a simpática, inegavelmente inteligente e sempre sedutora Angela Merkel, autora da dissertação cuja referência aqui se deixa aos mais esquecidos, Merkel, Angela (1986) Investigation of the mechanism of decay reactions with single bond breaking and calculation of their velocity constants on the basis of quantum chemical and statistical methods.
1) os portugueses deverão acorrer no máximo número possível às instalações da Fundação Calouste Gulbenkian no próximo dia 15 de Novembro para pulvilhar com farinha Amparo todas as sumidades mumificadas que durante dois dias procederão à perigosa exumação do morto e enterrado estéril agregado de pulsões desconexas a que os mais desprevenidos e burros chamam a obra de Eduardo Prado Coelho, uma pessoa que dedicou toda a sua vida a estudar literatura para no fim qualificar José Luís Peixoto como um grande escritor e de passagem conseguir ainda ignorar e desprezar o único poeta português com alguma relevância nascido depois de 1970, Daniel Faria, que se lhe dirigiu em vão e pessoalmente com os seus textos para pouco tempo depois, e na sequência de uma queda na casa de banho de um mosteiro beneditino no norte do país (instituições que contra toda o bom senso ainda existem e se encarregam de exterminar pessoas promissoras) morrer estupidamente ignorado pelo conjunto de pessoas a quem o Estado paga para separarem o trigo dos produtos plastificados e tóxicos que por aí circulam perigosamente.
2) os portugueses, a quem peço isto encarecidamente e de joelhos, devem, por amor de quem lá têm, por meio de todas as plataformas digitais, analógicas e por berros de garganta a plenos pulmões, se necessário for, dedilhar furiosamente mensagens capazes de expulsar o Hélio da Casa dos Segredos pois ontem, inadvertidamente, fui confrontado com uma tentativa de argumentação em torno das virtudes psico-sociais de um gordo estúpido cujo maior prodígio foi espetar a sua tromba medonha na berma de uma estrada municipal nos arredores de Almeirim (e nisto estou inteiramente com o Wilson). Neste sentido, o Hélio deve ser perseguido pela nossa fúria participativa a bem da República, por ser uma pessoa com um projeto pessoal de enriquecimento à custa dos pobres ignorantes, explorados e ofendidos que consomem a Casa dos Segredos. Nisto convido os portugueses a convidarem de bom grado o prestável Hélio, a prestar-se à importante função de bode expiatório, com sucessivas idas ao poste de qualquer escola secundária, seguindo-se uma sessão dupla de corredor da morte, com chuva de palmadas, biqueiros e calduços, podendo ainda experimentar-se a ressuscitação de um gato morto contra a cabeça do dito Hélio, por meio de várias e robustas movimentações de choque entre o dito gato e a estúpida cabeça da pessoa em causa, pelo menos até o gato miar três vezes.
Anexo 1.
Dada a manifesta falta de dotes de estratégia comercial do autor destas linhas, convido o leitor a um resumo das principais ideias defendidas neste post, através da leitura do aqui transcrito comentário ao relativamente interessante post
intelectual
subway games de Tolan:
fodaçe tolan, tu não me desiludas caralho!!!
primeiros: uma gaja estrábica é a quintessência da tusa na modalidade bicos;
segundos: um gajo que calça “botinhas” e salta com medo de borrifos dum eléctrico, não tem autoridade moral - ou macheza, na linguagem dos reles necrófilos do Jorge Amado escandalosamente exibidos em horário nobre numa cadeia de televisão que se diz pública - pra chamar apaneleirado a um gajo de cachecol e sapatinho italiano. Mesmo que para rabeta só lhe faltassem as penas, o que parece confirmar-se pelos olhos arregaladinhos pró volume do teu mann;
terceiros: gajo que é gajo não se põe a ler no metro. Fica atento às gajas que lêm no metro e se possível senta-se em frente. Normalmente, páginas tantas, abrem as pernas e um gajo pra matar o tempo dá uma de Moisés… terra prometida e essas merdas;
quartos: quem não lê no metro não é necessariamente um ignorante e analfabeto funcional a desperdiçar a vida. Eu nunca leio no metro e a minha mãe jura a pés juntos que eu não sou nada disso;
quintos: um gajo apaixonado não desdenha da expressão poética, e nem o criativo mais heterodoxo associaria sapatinho italiano a poesia, salvo se o calçante for zarolho. Já a botinhas qualquer estagiário caixa d’óculos associou, pelo menos uma vez, o mann;
sextos: sobre a questão de fechares o livro para lhe apreciarem o volume… não me pronuncio!!!... mas vem na linha do mercedes coiso e tal;
sétimos: pra compor a coisa devias ter terminado com: Saí na estação seguinte e comprei uma dúzia de castanhas assadas. Descasquei-as lentamente enquanto caminhava. Não me saía da cabeça o estremecimento da miúda do metro. Por alturas do terceiro quarteirão e da quinta castanha já a tinha nua.
Inesperadamente esbarrei num poste. Um autocarro pulverizou uma poça de água nas minhas calças. Um pombo assustado bateu asas e borrou-me o pescoço com merda verde. A imagem da miúda a esvaiu-se, um senhor solicito ajudou-me a recompor – estes gajos não respeitam os peões… calaceiros… quando não estão em greve agridem as pessoas! –, dos tomates pra baixo todo molhado, as botinhas shock shlock… fodaçe!... o mann não prepara um gajo pra estas cenas.
Sentei-me à secretária… vou ali comprar umas calças e um par de peúgas. Refodaçe… o senhor solicito palmou-ma a carteira!!!
Oitavos e últimos que já é tarde: mas afinal já andas a ler o mann há quanto tempo caralho???!!!... andas a sublinhar e a escrever notas nas margens é???... o Fermat também escrevia notas, mas propunha teoremas porra!!!... tu népias, lês, observas, pensas!!!... andas é apanhado por essa tal de Plaft!!!... não te cures não!!!
Ex-Vincent Poursan, num comentário a Tolan, a 8 de Novembro de 2012, sensivelmente perto de umas espectaculares 02:40 da madrugada.