2012 a acabar. O ano em que o elogio subiu nas estatísticas, quando o resto do país se afundou. Ano em que o alf resolveu mostrar a sua genialidade ao mundo. Ano em que soube que vou voltar a ser pai. 2012 apesar de tudo foi bom. 2013 aparece de volta em nuvens cinzentas. Apesar disso o futuro pertence-nos. Até já.
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
domingo, 23 de dezembro de 2012
Ora então boas festas e essas coisas assim
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
Pequeno monólogo de um antigo oficial de guerra descoberto entre papéis velhos
O uivo das árvores e o sopro infernal da neve são a única companhia do oficial de guerra a quem calhou uma decisão que não pode confessar, não só em face da disciplina militar como do orgulho, honra e obediência que devem ser o último peso a abandonar no meio da tempestade moral sofrida por um homem que alimenta, com o seu sangue, a esperança em ser reconhecido como digno do uniforme que enverga. Como é evidente, ainda nem enunciei o problema e já me encontro perdido num mar de contradições, ou como diria o meu Ajudante-de-campo, «estou com dificuldades em encontrar o caminho no meio da minha própria dessarrumação». É nesta altura que num ápice o meu cérebro varre uma região estranha e insidiosa, de onde emerge uma estratégia para me manter em tensão e apontar um rumo com o máximo de certeza e convicção, mas ao fazer a escolha, a força com que julgo decidir, é o mesmo movimento em que constantemente me afundo, tal como o naufrágo que para respirar um pouco mais à tona do oceano, consome a última porção de energia.
Hesito entre seguir o confronto com o próprio raciocínio ou proteger-me num movimento raro, capaz de cavar um fosso de distinção entre mim e os outros ou pelo menos convocar a atenção dos outros com a mesma leveza com que o oficial deve cavalgar o seu cavalo branco diante das tropas alinhadas no campo de batalha. Mas não beneficiará o oficial modelo de um regime político que reforça a cada momento a sua autoridade, enquanto eu tenho que negociar com cada soldado as condições de um exército que parece não servir ninguém? Não podemos negar que a lenta e meticulosa constituição de uma força armada é um projeto ambicioso e o relatório sobre os números dos homens alistados, trazido há pouco pelo meu fiel secretário, demonstram que se não alcancei o triunfo nessa matéria, estou ao menos a fugir da humilhação com razoável sucesso. Mas a natureza dos exércitos é não só fazer a guerra como permitir à aristocracia sustentar a sua posição, e nem eu estou seguro de querer travar uma guerra em nome de uma casta a que não pertenço por natureza, nem os soldados parecem dispostos a seguir um homem que perdeu a convicção no que representa.
Se não consigo arregimentar tropas suficientes para travar o combate, talvez isso se deva à profunda desconfiança perante uma guerra cujo sentido desconheço. No entanto, não será esta dúvida o motor secreto de todas as guerras? Cada hora confirma que de uma forma ou de outra, a decisão reveste-se no plano prático de uma total irrelevância, pois o inimigo controla todas as posições estratégicas e enviou todos os avisos para uma rendição honrosa. Além disso, tenho estado durante as últimas horas cercado pela face magoada e severa dos meus ajudantes-de-campo, velhos cavalos que antes do abate derramam o olhar sobre o seu proprietário, indecisos entre uma morte digna da vontade gélida dos anjos ou um espernear desonroso mas coincidente com a sua valiosa raça. Já por duas vezes peguei na minha pistola de prata; mas de que me valeria um disparo seco, cortando o corpo da floresta de uma ponta à outra, e chegando às fileiras do inimigo com o ruído rejubilante da primeira salva que anuncia ao exército inimigo uma vitória sem esforço?
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
O impulso criativo é olhar para a Presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, e em vez de ver o que todos vêm, ver o que na imagem aduzida se verifica; e não sem considerável comoção artística e um vasto interesse pela diversidade da natureza humana.
Das coisas que mais me interessam, para lá do que inevitavelmente nos interessa sem que a nossa opinião seja tida em apreço, pode referir-se sem medo de errar o pretenso realismo, crueza da conversa, ou magnitude artística dos diálogos literários ou das descrições reais de ambientes suburbanos nos livros pungentes dos novíssimos autores, sempre em busca de ambientes degradados, sofridos, trágicos, merdas do estilo Sangue do meu Sangue, ou Massamá, aí vou eu, além da incontornavelmente famigerada corrente de consciência, o que traduzindo para os leitores que aqui chegaram em busca de conselhos sobre a masculinidade e a roupa da Zara a comprar durante este Advento pode substituir-se pelo interesse, por exemplo, acerca do grau de veracidade das descrições do Hernâni Carvalho sobre os esfaqueamentos em Loures ou a recente teoria jurisprudencial do Arrumadinho sobre crimes hediondos. Em geral, a falta de imaginação e a estupidez filosófica das pessoas empurra-as para uma simplificação altamente formalizada do que julgam ser um mecanismo de comoção dos outros, normalmente baseado num conceito, totalmente artificial e quase sempre ultrapassado, de sofrimento perante a injustiça.
Acabei hoje de ler, o assombrosamente sagrado, Billy Bud, de Melville, isto de pé, ao balcão de uma cervejaria num local urbanisticamente depreciado, numa sessão de êxtase místico que, auxiliada por três imperiais e uma empada, durou quase 45 minutos. A dado momento, entrou um senhor barrigudo, sapatos de camurça de um castanho tronco de carvalho envelhecido, blusão de napa, o queixo metido para dentro como se a pancadinhas de martelo e um cabelo cinza muito enrolado, recurvo e hirto, que parecia em si mesmo cinzelado por um mestre italiano. O homem cumprimentou de pronto o jovem empregado, um espécime estranho cujo semblante feminino - acentuado por um cabelo volumoso, castanho louro, os modos delicados e muito velozes - constituia um contraste tão vincado com o barrigudo, viril e bruto, que não fora a total veracidade do quadro e dir-se-ia um recurso narrativo congeminado pelo autor deste relato para conferir uma dinâmica de realidade ao sucedido.
Mal se encostou ao balcão, o barrigudo gritou com voz cavernosa.
Mal se encostou ao balcão, o barrigudo gritou com voz cavernosa.
-Quero uma bifana.
Entretanto, o outro empregado, proprietário da cervejaria, aproximou-se e disse
-Sabia que o mundo vai acabar amanhã?
-Isso são coisas lá do calendário Maia, os gajos viam nas estrelas - e formando um canudo com a mão direita, o barrigudo colocou-a sobre o olho esquerdo, apontando na direção das garrafas de aguardente.
-Estou-lhe a dizer, o mundo acaba amanhã - insistiu o proprietário, deixando que um pequeno sorriso maldoso nascesse no canto esquerdo da boca.
-Estou-lhe a dizer, o mundo acaba amanhã - insistiu o proprietário, deixando que um pequeno sorriso maldoso nascesse no canto esquerdo da boca.
-O mundo acaba é para quem morre, e mesmo isso de morrer, são apenas parábolas bíblicas - respondeu o barrigudo, sentando-se já com uma imperial na mão.
Entretanto retomei a leitura de Billy Bud, uma obra que não mais permite a continuação da vida tal como era anteriormente, o que é o mínimo que se pode pedir a um livro. O que a vida ensina a um escritor, mesmo limitado, é que nada na realidade nos habilita a estabelecer limites quando o objetivo é representar o real. Apenas a realidade se encontra limitada, não a sua representação. Mas num autor medíocre, a representação vem toda carregada de limitações, frases sofridas e pungentes, apelos à ficção e à importância do escritor e dos livros, lamentações sobre os limites das palavras, da mesma forma que os péssimos blogues se encontram carregados de explicações sobre o que são as coisas, sobre o que é ser homem, sobre o que é ser mulher, sobre como vestir bem, como rir, como não ficar doente, como não lavar as próprias cuecas, como corrigir a trajectória do PIB, como alcançar a felicidade, as estrelas, a eternidade, tudo isto escondido num falso tom de humildade e de contemporização para com as dificuldades dos leitores e os seus supostos interesses soberanos.
É certo que a denúncia do erro nos outros é não só um velho hábito sacerdotal como uma manifestação exuberante de falta de economia artística. Mas pecar por meio destas digressões críticas - sobretudo para um autor que redige a sua obra ainda desconhecida - traz-nos também, nas palavras de Melville, algum do prazer que normalmente se associa ao pecado, um prazer nada dispensável para aqueles que professam a ideia de que «a única salvação que desejamos é a de viver neste mundo»
O elogio dos anónimos: são estas coisas que nos mantêm na luta ou como diria Melville, ataviemo-nos com as nossas preciosas condecorações se o que nos espera é uma morte gloriosa no altar do sacrifício.
«Se não fosse a colecção de ginas do meu pai a minha infância tinha sido uma tristeza do caralho!»
Anónimo, 20 de Dezembro de 2012 às 12:59
«Sodomizados, talvez, mas sempre a espernear.»
Ai tão fofinho, 20 de Dezembro de 2012 às 11:02
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Das vantagens da minha personalidade ser um simples verme com patas teclando num lugar obscuro do planeta.
«O grande mistério das coisas é as coisas não terem mistério nenhum»
Fernando Pessoa
«A estupidez ignominiosa das pessoas só constitui um problema
para quem tem um problema com a estupidez ignominiosa das pessoas»
alf
Por motivos que me envergonham profundamente,
apenas hoje passei os meus olhos cansados, humilhados, derrotados, pelos
duplamente fantásticos O Arrumadinho e A Pipoca qualquer coisa,
retendo eu apenas e com grande dificuldade no meio da fulgurante síncope que de
imediato me atingiu (obrigando-me a agarrar com esforço o tampo da mesa de
fórmica da cervejaria onde me encontrava e derrubando um pires inteiro de
tremoços que o dono careca e minhoto do estabelecimento acabava de me
disponibilizar, entre um comentário acertado sobre a estratégia de fundo de Godinho Lopes e uma demonstração consistente da absoluta inadequação do Bolo-de-arroz para jogar com Xandão) retendo eu apenas desse traumático momento, repito - atrapalhado, desorientado, perdido
- que esta última personalidade, a Pipoca, apresenta uma média de 34 177
visitas diárias (é do caralho, é que é mesmo do caralho este nosso incompreensível mundo onde sofremos exilados o enigma da beleza e do horror) no seu inacreditável e transcendentalmente metafísico blogue.
Com grande humildade, agradeço vivamente às forças mefistofélicas da realidade
o batismo de fogo em que acabo de ser santificado. Eu sei que os mais velhos,
calejados e doridos pelos poderosos murros da estupidez, experientes na sua
dor, que há muito domesticaram, insensíveis aos nossos sofrimentos diários para relatar a miséria de nos sabermos vivos, humanos, falíveis, limitados por uma realidade que embora existindo - e isto é muito importante - não podemos conhecer com rigor, sorriem agora com troça dos entusiasmos da
juventude, dos sonhos ingénuos das almas sensíveis, das esperanças dos puros de
coração; mas nesta ausência de quarenta invernos onde nos encontramos ignominiosamente
encerrados, hoje é o dia da minha definitiva capitulação diante de todos os
infortúnios e oiço já as gargalhadas dos cínicos nas minhas costas.
De hoje em diante, não mais o esbracejar do adolescente Werther em face do desejo, não mais a indignação do velho general romano humilhado no seu regresso à velha República, não mais o rancor da magoada Medeia traída pelo seu amado, não mais a fúria invejosa de Rei Lear perante o seu reino disputado, não mais o velho capitão perneta de arpão negro recortado contra o azul puro do céu, não mais o magoado escrivão repetindo a rotina da sua destruição, não mais as lágrimas surpreendidas de Julieta diante do abismo do desejo negado pela natureza, não mais a espiral metafórica de Marcel recordando o perdido quarto da infância, não mais, não mais, não mais, pois há qualquer coisa de profundamente justo e grandioso no insulto que o mundo forja para nos engrandecer na nossa constante e inadiável queda quotidiana a caminho da exterminação.
De hoje em diante, não mais o esbracejar do adolescente Werther em face do desejo, não mais a indignação do velho general romano humilhado no seu regresso à velha República, não mais o rancor da magoada Medeia traída pelo seu amado, não mais a fúria invejosa de Rei Lear perante o seu reino disputado, não mais o velho capitão perneta de arpão negro recortado contra o azul puro do céu, não mais o magoado escrivão repetindo a rotina da sua destruição, não mais as lágrimas surpreendidas de Julieta diante do abismo do desejo negado pela natureza, não mais a espiral metafórica de Marcel recordando o perdido quarto da infância, não mais, não mais, não mais, pois há qualquer coisa de profundamente justo e grandioso no insulto que o mundo forja para nos engrandecer na nossa constante e inadiável queda quotidiana a caminho da exterminação.
Um beijinho aos dois, com votos de muitas felicidades e força nessa descida tenebrosa por abismos de fogo e gelo a caminho do esquecimento.
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Que ninguém tenha dúvidas, pois obviamente, quando virem nas notícias que alguém recusou, saberão que sou eu.
Bom, resumindo. Só discordo que 9 páginas a falar da picha do pai seja patológico. Eu não li, mas deve ser um comovente: quem sou, de onde venho?... dali… fodaçe, nada sou!
Ex-Vincent Poursan, o imortal, e por isso dispensamos as referências.
Recusa um prémio quando receberes um, isso é que é bonito.
Tolan, o aclamado, apaziguador e talentoso autor
que estamos a tentar salvar do inferno do esquecimento futuro.
A minha vida tem sido uma sucessão indemonstrável de consistentes demonstrações acerca da veracidade profunda de todas as obras-primas em geral, ou seja, quando julgamos estar no caminho certo, tranquilamente impulsionados pelo esforço honesto, ou pelo menos consistente, ou pelo menos estrategicamente bem delineado, da nossa vontade indomável, ou pelo menos persistente, e espírito modesto, ou pelo menos humilhado, eis que uma tempestade, um toque do diabo, uma frase desajustada, uma volta do planeta, uma queda inusitada, uma mordidela de maçã, ou o passar de uma gaja inacreditavelmente bela, nos empurra para o confronto mortal com o nosso próprio rosto. E que paisagens horríveis nos são então reveladas enquanto caimos com estrondo e elegância nas malhas da realidade. Uma aranha gorda começa por descer na nossa direção e os gritos surdos e impotentes (como os do pequeno Pip, perdido na imensidão do oceano após o medo o ter lançado borda fora do Pequod) acabam sugados pela infinitude de significados possíveis que podem revestir de ouro puro ou ganga barata esta nossa inexplicável tragédia.
Não tinha eu ainda completado o secundário e eis que num texto sobre a poesia do Eugénio de Andrade, solicitado pela minha incrivelmente pindérica e nada atraente (com excepção de um belo par de pernas longilíneas) professora de Língua Portuguesa, resolvo extrair a golpes de génio adolescente uma epígrafe do referido poeta - Despe-te! O teu destino és tu. Não há outro caminho - e abandonando completamente o elogio técnico de um competidor no canto resolvo delinear, no intervalo de uma pelada que me estava a correr mal, uma micro-biografia que aos 17 anos apenas podia versar sobre memórias esconsas de estações ferroviárias sob o olho branco da lua, corridas de barquinhos esculpidos em casca de pinheiro nas levadas de um complexo sistema de rega comunitário, madrugadas de Verão em serpenteantes veredas de montanha cercadas de tojo, o milho ondulante nas encostas de um cume esburacado pela indústria extrativa do minério, muita desorientação, muita raiva, muita vontade de encontrar o lugar onde o peso e a velocidade não exercem a sua tirania, ao que a senhora professora responde: «quando fazes citações é necessário identificar o autor - e com ar ameaçador, abrindo muito os olhos reptilíneos humedecidos pela humilhação insistiu - de onde retiraste isto, confessa?»
Permaneci em silêncio com as unhas cravadas nas palmas das mãos. Foi o meu único contacto com prémios. Acontece que não sendo eu um partidário da mitologia dos escolhidos, livros de cavalaria não os li se não pela versão filtrada do génio maneta, e sendo absolutamente descrente em relação aos méritos da inspiração, devo sustentar uma teoria que articule a necessidade de esforço, trabalho, mérito, que sempre existe em qualquer actividade artística humana (o Tolan já apresentou coisas ao indiano, uma coisa perante a qual devemos apresentar as nossas armas e baixar a cabeça) com o facto de sempre existir alguma coisa na nossa vida, na nossa performance, e nos significado de que tudo isto se vai revestindo pelos séculos dos séculos, que se deve a uma combinação de causas que foge cabalmente ao nosso controlo e interpretação (o que é a mesma coisa, note-se).
Por outras palavras, tenho vindo a sustentar que se aquilo que todos perseguimos durante a vida fosse apenas a tranquilidade que um salário pode comprar, há muito que teriamos substituído o Manuel Luís Goucha e a Fátima, além de Fátima e o aleatório futebol em geral, por explicações pormenorizadas das equações de Maxwell e Schrödinger (que pelos vistos o Nuno Camarneiro domina, o que do ponto de vista artístico, de nada lhe valeu) com vista à obtenção de mão-de-obra barata nos laboratórios de todo o mundo uni-vos. O problema é que não só a competição e os limites da racionalidade e da computação relativizam todas as projeções sobre a nossa posição e as dos nossos adversários (até um génio como von Neumann admitiu este problema e como todos os génios baixou humildemente a cabeça e arregaçou as mangas para o trabalho) como não fazemos a mínima ideia sobre o que fazer com o conforto, o poder monetário, a paz, os carros de luxo, especialmente os Mercedes que aumentam a tragédia do euro, as remunerações elevadas, a auto-satisfação connosco próprios, e outras formas de camuflar a nossa absoluta desorientação perante as coisas todas em geral.
O mais brilhante, profundo e erudito académico estudioso de Melville, Andrew Delbanco, escreveu em tempos um magnífico artigo no New York Times, The decline and fall of literature, onde entre outras coisas elaborava sobre a tragi-comédia em que se transformaram os departamentos de Inglês das Universidades americanas e inglesas, e explicava esta queda com o inacreditável e pueril esquecimento sobre a missão do professor: acreditar até ao último momento que todos os homens são convertíveis a uma visão mais crítica, mais justa, mais profunda e mais consistente da realidade. Os prémios seriam apenas um problema de valorização relativa, e por isso negligenciáveis por este autor sonhador que vos fala, se não fossem mega embustes, sem qualquer legitimidade social, artística, política, ou sequer lógica, que pretendem esmagar a livre escolha dos concorrentes à atenção do público.
Não há uma única notícia diária sobre a publicação de um livro de qualidade, de uma boa tradução de Melville, ou de uma boa encenação de Shakespeare mas os prémios literários são veiculados por todos os orgãos de comunicação que ainda mexem, mas não por muito tempo - o senhor seja louvado. Será preciso explicar quem paga este tempo de antena? Será preciso explicar uma vez mais os custos para a pluralidade, a criatividade, e a economia de mercado, deste sistema fascizante? É por isso comovente quando os mesmos que contribuem para o esmagamento de um discurso crítico vêm depois considerar que existe aqui um funcionamento de mercado. É preciso ser muito ignorante em economia - além de todas as coisas em geral - para confundir efeitos de monopólio informacional e até comercial com um modelo que seja minimamente aproximado ao consumidor imortal, actuando num horizonte infinito, dotado de meios de pagamento ilimitados e valorizando as equivalências de preço entre diversas preferências alternativas (e sobretudo a informação ilimitada, e sublinho ilimitada) de cariz liberal que todos aprendemos a estimar e apreciar mas que muito poucos estão dispostos a experimentar e muito menos a colocar em prática, não vá o almocinho grátis preparado pelos nossos papás licenciados ser forçado a pagar um prémio meritocrático que nos denuncie como um mega embuste de vida fácil, cunhas e vantagens iniciais incomparáveis, numa república que fez do enrabamento das classes baixas o seu modo de vida, e por isso, mal as classes baixas puseram a cabeça de fora, se diz agora mergulhada numa crise sem precedentes, pronta a dar uso à sua gadanha, ceifando todo aquele que levantar a voz.
Em matéria literária, cada um fará os livros que melhor entender para corresponder aos sonhos que conseguir acalentar de acordo com o alcance e profundidade da sua tragédia. Em todo o caso, nenhum de nós será vivo para assistir ao juízo do futuro, e nem mesmo o futuro terá a última palavra, pois essa sempre cabe ao esquecimento. Eu era ainda um adolescente quando extraí aquela epígrafe, mas quanta certeza e sagacidade existe no espírito saudável e ignorante das estratégias que mais tarde nos garantirão a sobrevivência mas nos empurrarão para uma sistemática depreciação da nossa própria dignidade e nobreza, por isso os gregos diziam que os deuses amavam os que morriam jovens. O problema é comigo mesmo, niguém tem culpa de nada, já o sabemos, e se por acaso ainda aí estão, caros leitores, é como mero resultado da história tecnológica ou como produto da generosa paciência - a mais nobre das virtudes -, pois de uma forma ou de outra, não sobreviverei a mim próprio. Mas se desde a adolescência fui formando algum sentido para a vida, foi o de conceder aos outros a melhor, mais consistente e rigorosa crónica desse embate, mesmo que para tal tivesse que recorrer à mentira, não sei se por orgulho, se por loucura, se por amor aos autores dos livros amados que desde então me tenho dedicado a imitar.
O sempre presente Herman Melville morreu em 1891, deixando inédito o manuscrito, precioso e imortal, de Billy Bud, um livrinho de poucas páginas, abandonado sobre a secretaria de trabalho, e que a sua mulher mostrava carinhosa e orgulhosa aos convidados fortuitos, após a morte do marido e autor. Na folha de rosto, Melville anotou com o seu lápis: «uma história sobre o que por vezes acontece neste nosso incompreensível mundo». Billy Bud é uma pequenina obra perante a qual o constantemente aclamado em vida Thomas Mann apenas chegou já muito perto da morte, exclamando magoado no final da leitura, «Oh, pudesse eu ter criado isto». Tentemos fugir deste momento. Neste nosso incompreensível mundo, onde como ensinava Lampedusa - de acordo com uma epígrade que apostei à minha primeira obra ainda não publicada, Uma Lenda Siciliana - ergui um escudo contra a ilusão, o único prémio que verdadeiramente me ameaça: «Acreditamos que nos dirijimos para o amor e vamos a caminho da morte».
Deixemo-nos de gajas, e concentremo-nos no Boaventura Sousa Santos.
Por portas travessas, chegou-me às mãos a crónica na Visão do supracitado, do passado dia 13, modestamente intitulada A Frente da Ciência.
Fiquemo-nos pelo segundo parágrafo, aqui gentilmente pirateado por este que vos escreve,
"O significado mais óbvio destes números [do aumento da actividade científica em Portugal] é que eles mostram o caminho que Portugal estava a tomar para fugir à fatalidade de sermos um fornecedor de mão-de-obra barata. À medida que o sistema nacional de ciência se ampliava e os avanços científicos eram paulatinamente transferidos para a indústria e serviços, alterava-se a especialização internacional da nossa economia de modo a aproximá-la da que é típica dos países mais desenvolvidos. A mão-de-obra altamente qualificada manteria a vantagem comparativa do país já que, apesar de bem paga, seria mais barata que a correspondente noutros países europeus."
Resumindo, a actividade científica é o caminho para Portugal deixar de ser o fornecedor de mão-de-obra barata na indústria e agricultura e passar a ser o fornecedor de mão-de-obra barata da ciência. Com todas as vénias à Cova da Moura, Zona J, Boss AC e Yanick Djáló, deixamos de ser os cabo-verdianos da indústria têxtil para sermos os cabo-verdianos dos laboratórios.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
Então afinal o prémio Portugal Telecom são só 18 mil euros? Isso deve ganhar o indiano numa manhã das piores. Está tudo bem.
O Eduardo Pitta, além de escrever em várias publicações de renome e nomeada, ter vários e muitos conhecidos amigos em todas as gavetas e portas do sistema, e ser uma pessoa impressionantemente espectacular, mantém um blogue com mais de 1000 visitas diárias, denominado muito apropriadamente Da Literatura, onde 80% do conteúdo versa sobre temática política, seguindo-se a consequente argumentação quase sempre pífia, mas muito indignada, diga-se em abono da justiça moral. A prosa de Pitta é monopolizada por um compromisso inabalável com a denúncia da iniquidade do inqualificável actual governo da república portuguesa, o que me parece manifestamente um desperdício de tempo - o próprio governo desempenha essa tarefa de forma muito mais profunda, consistente e eficaz. Em todo caso, impressiona sobretudo - o que é preocupantemente pertubador - o sinal claro do que se entende por literatura no meio cultural português: argumentação politica e económicamente estratégica - sem ponta de visão sistemática - quase tão analfabeta quanto a dos deputados e comemoração elegíaca ou congratulatória perante os vultos da «cultura», e isto estando nós em teoria diante de um desalinhado. Meu Deus, o que seria se estivessemos diante de um porta-voz do regime cultural e político.
Devo partilhar, apesar de tudo, a minha satisfação e gáudio por saber que o tão injustiçado O Anjo Branco de José Rodrigues dos Santos - a única obra da história mundial da literatura que arrisca uma inesquecível e patológica abertura de 9 páginas em torno da pilinha do pai do autor - é um livro eloquente e de grande clareza. Do mesmo modo, não posso esconder a grande tranquilidade que me envolveu ao ser notificado com o facto de alguns prémios literários - atribuídos aos macacos de feira disponíveis para a festa, e que por aí se anunciam com tanto estardalhaço para enganar os pobres consumidores - não passarem afinal de uma parca merenda oferecida aos operários intelectais que mais sustentam o regime, em virtude da colaboração ridícula - e pelos vistos muito mal paga - que desta forma prestam aos esteios empresariais da corrupta democracia angolano-portuguesa, mesmo que depois se multipliquem em petições sobre a indignidade do governo e manifestam o seu apoio às investigações de Rafael Marques sobre o tráfico de diamantes. Se é isto a literatura, não contem comigo. Mas parece que o Tolan está disponível.
Devo partilhar, apesar de tudo, a minha satisfação e gáudio por saber que o tão injustiçado O Anjo Branco de José Rodrigues dos Santos - a única obra da história mundial da literatura que arrisca uma inesquecível e patológica abertura de 9 páginas em torno da pilinha do pai do autor - é um livro eloquente e de grande clareza. Do mesmo modo, não posso esconder a grande tranquilidade que me envolveu ao ser notificado com o facto de alguns prémios literários - atribuídos aos macacos de feira disponíveis para a festa, e que por aí se anunciam com tanto estardalhaço para enganar os pobres consumidores - não passarem afinal de uma parca merenda oferecida aos operários intelectais que mais sustentam o regime, em virtude da colaboração ridícula - e pelos vistos muito mal paga - que desta forma prestam aos esteios empresariais da corrupta democracia angolano-portuguesa, mesmo que depois se multipliquem em petições sobre a indignidade do governo e manifestam o seu apoio às investigações de Rafael Marques sobre o tráfico de diamantes. Se é isto a literatura, não contem comigo. Mas parece que o Tolan está disponível.
Entalado entre Henry Kiddle, antigo Superintendente das Escolas Públicas de Nova Iorque, falecido a 25 de Setembro de 1891, e o General George Ernest Jean Marie Boulanger, antigo Ministro da Guerra da França, falecido em Bruxelas a 30 de Setembro de 1891, «o» magazine da editora Harpers publicava em Dezembro de 1891 o seguinte e demorado elogio: Obituary - Sept, 27, In New York City; Herman Melville, aged seventy-three years.
Consciente de que os leitores deste blogue esperam uma reação em conformidade com os lamentáveis óculos de Nuno Camareiro, Camaneiro, digo, Camarneiro, vencedor do prémio Manuel-Alegre-paga-aí-a-minha-tosta-mista, 2012, passo já de imediato ao assunto mais premente do dia, a saber, a celebração mística que ontem por volta das 22 horas e 32 minutos teve lugar no canal 2 da ainda, agora e sempre, mas esperemos que por não muito tempo, Rádio Televisão Angolana, ou seja, o último número do inesquecível magazine cultural, como era mesmo o nome, Câmara Clara. Entre lágrimas e declarações comovidas não pude (é do caralho) assistir ao eloquente e rujubilante auto-elogio de Paula Moura Pinheiro, a Faraoniza do Egipto, uma vez que, lamentavelmente, a essa mesma hora decorria na Sport TV 2 (um escândalo, uma vez que na Sport TV 1 se transmissionava o imponderável Paços de Ferreira-Vitória de Guimarães, Portugal é esta lamentável tragédia, não acrescentemos mais nada) a transmissão diferida da final feminina do Campeonato da Europa de Andebol, Noruega versus Montenegro, e sendo que durante o acontecimento, transmitido em directo à tarde, estava incógnito num lugar remoto do país a procurar compreender os segredos da humanidade em geral bem como a minha atração, aparentemente involuntária, pelo hipnotizante e mortal abismo da beleza.
Convém clarificar que sou forçado a escrever estas linhas vergado sobre o peso da derrota, depois de ter sofrido uma comoção celebral ao descobrir ter ficado extremamente abalado na noite de Sábado perante o choque fortuitamente fortuito, no espaço do invisível, a internet, com o deputado do partido comunista português, Miguel Tiago (o gajo das motas, sempre vestido de napa, e alegadamente, segundo o seu perfil na blogosfera, amante das artes marciais, da caça submarina e de música metálica, e considerado Blogger do ano, editando não apenas um blogue mas uma constelação de heterónimos (o "Império Bárbaro", o "Autoridade
Nacional", o "Em Código Aberto", para além do colectivo "Kontra Korrente, do qual destacamos o hilariante Em Código Aberto) evento do qual saí a coxear com a seguinte conclusão: Miguel Tiago não é apenas um defensor do povo, Miguel Tiago é uma instituição, sim, caro leitor, uma instituição, cujo recente livro, Letras Ígneas, aí está para testemunhar que a livre iniciativa capitalista e as rodas inexoráveis do mau gosto se revelam mais que nunca imparáveis na sua capacidade trituradora.
Felizmente, ontem à noite, a final Montenegro-Noruega ultrapassou em expectativa tudo o que pode esperar-se de um momento televisivo: mulheres bonitas para todos os gostos, extraordinariamente competentes em todos os capítulos da sua profissão; dramatismo colectivo, exclusões e controlo morfológico da morfologia em geral; golos de bem efeito; elegância na dificuldade; o protagonismo do crítico underdog, neste caso a melhor marcadora do torneiro Katarina Bulatovic, superiorizando-se à sua aclamada e multi-premiada rival, a fabulosa ponta da noruega, Heidi Loke; um treinador carismático a conduzir a sua equipa como um maestro magneticamente conduz o segundo andamento dos Planetas de Holst; raiva, imaginação e linguagem prodigiosamente contida na corporeidade (o que nos permite dispensar a chatice de ler as obras completas de Gonçalo M. Tavares) e uma edificante e pedagógica eficiácia defensiva de Montenegro, a rondar os 60%, ou seja, a esperada confirmação de que o melhor ataque contra toda a agressividade insultuosa e humilhante das coisas é cerrar os dentes, esticando o corpo e a mente em todas as direções possíveis.
sexta-feira, 14 de dezembro de 2012
Somos forçados a conceder que a Gena Rowlands efectivamente.
If I must die
I will encounter darkness as a bride,
And hug it in mine arms
I will encounter darkness as a bride,
And hug it in mine arms
Shakespeare, Measure for Measure, III-1-83
Gena Rowlands e John Cassavetes, casados entre 1954 e 1989, ou seja, uns hoje muito justamente considerados olímpicos 35 anos, até que a morte impiedosa os separou.
Hac meus ad metas sudet oportet equus: futebol, gajas e outros grandes temas da cultura ocidental.
«Em uma mão a espada e noutra a pena»
Luís de Camões in Os Lusíadas, caralho.
A frase latina do título é de Propércio, foi citada por Montaigne no seu ensaio sobre a amizade e refere a importância da meta, que o cavalo de cada um deve esforçar-se por atingir, tornando implícito que é uma grande chatice que os nossos triunfos dependam da força dos cavalos e da distância das metas, não sendo certo se tanto num caso como no outro nos reste algum poder de decisão sobre as incontroláveis forças das merdas todas em geral. Sobre miúdas sou um orgulhosamente eterno amador, e não tenho concebida uma teoria estética baseada em conceitos deduzidos da psicologia, nem uma psicologia baseada em cinematografia de classe c, enquanto da psicanálise enquanto ciência dos significados da dor, apenas retive a receita: pinceladas de cultura clássica mais umas pitadas da estouvadice sexual germânica, e sobretudo muita erva, o que neste caso não ajuda nada. Estamos apenas, e reforço o apenas, apelando à manutenção da calma, diante de três mulheres fabulosamente belas, aliás, como qualquer das que aqui foram referidas com a erudição brejeira que caracteriza este blogue e que seriam razão de sobra para igualar Homero nesse cume máximo da realização humana, que é o oceano de lanças gregas circundando, por amor de uma mulher, ainda por cima traidora, as hieráticas muralhas de Tróia.
Chamo novamente a atenção de todos para o tema geral deste blogue, isto é, a tragédia humana em geral, o que sob o ponto de vista futebolístico pode ser caracterizado pela mística benfiquista, se não me engano, o clube da Europa com mais finais europeias perdidas, além do mais, instituição pela qual verti as primeiras e mais sentidas lágrimas, o que não deixa de ser uma daquelas tremendas ironias da vida real a que apenas génios como Shakespeare, Melville, Proust ou eu próprio, têm a capacidade de aceder protegidos pelo resplandecente escudo de uma metáfora, o que lhes permite atravessar as chamas da incompreensão sem se queimarem, ficarem maluquinhos ou serem transformados contra sua vontade em Relações Públicas do Continente Hipermercados S.A.
Num desses pontos incrivelmente localizados entre o espaço e o tempo, em que restritamente sofri como um cão e inapelavelmente, sem saber ler, nem escrever, mas tendo já lido nessa época pelo menos os Contos e os Novos Contos da Montanha do quase grande escritor mediano, Miguel Torga, uma pessoa que se caracterizava por comparar a vida a grandes serras paradas à espera de movimento, e a searas onduladas pelo vento, fui emocionalmente enxovalhado pela equipa italiana do AC Milan, instituição proveniente de uma cidade que dizem ser uma das que mais coiso. Franco Baresi, aquela pessoa injustamente inserida num livro sobre Massamá, envergava ainda a sua camisola número 6 e partilhava o balneário com a tripla holandesa que se caracteriza historicamente por ter batido a URSS numa final em que assisti, politica e esteticamente comovido, ao mais belo golo de todos os tempos, num momento de grande significado filosófico para quem como eu frequentava a casa de um amigo cuja mãe, divorciada, havia ornado as paredes com desenhos de Álvaro Cunhal e me servia as mais inesquecíveis torradas com manteiga, como é do conhecimento geral, a refeição preferida do filho de liberais russos, Vladimir Nabokov. Eu estava sentado na casa dos meus pais, num maiple sinistramente revestido por qualquer coisa que se assemelhava a alcatifa, cercado por todas as formas de ameaça que é possível conceber num país que se caracteriza por já ter sido, e não fazia ainda a mais pequena ideia de que tudo o que podemos fazer em face da beleza é guardar silêncio.
Muito mais tarde, depois da mente ser forjada no lume da humilhação, da mentira e da ilusão, as três grandes mestras da arte, e se a memória nos assistir, será o tempo de repor a verdade e erguer um monumento à solidão das pessoas sensíveis, e ao sofrimento imposto pela distância entre nós e o objeto do nosso desejo, razão pela qual o cinema - como arte da sombra - é uma das mais perturbadoras e incompreensíveis formas de tortura humana, logo a seguir ao futebol - a mais completa e complexa arte da fuga, pergunte, quem duvida, aos engenheiros da inteligência artificial se aqui se fala ou não com a propriedade de quem encara com o mesmo espírito os vales profundos e as cumeadas perigosas. Mas do sofrimento, como julgo que se ilustrou com grande claridade com o exemplo de Baresi num post abaixo colocado, é que a beleza retira o seu combustível, força e propulsão, num fenómeno que se transforma inegavelmente num tremendo problema ascético, capaz de separar os bons dos maus, os impostores dos príncipes exilados, as viajens à Índia das viajens à Índia, os escritores que tentaram ser dos que nunca mais deixarão de ter sido.
Gritemos todos em coro: o Johnny Depp é um granda piço*!
*Nota do Autor - atenção universo feminimo: em linguagem masculina, granda piço quer significar granda parvo, granda nabo, granda tosco, granda burro, granda otário e assim sucessivamente.
Se não for incómodo, introduzamos na literatura portuguesa alguma complexidade.
Tolan, não temas, que quando o teu livro sair usaremos do maior cuidado na denúncia dos limites da racionalidade humana em geral, com especial referência à escassez de tempo que na arte, tal como em economia, explica quase tudo o que ainda mexe. Em todo o caso, ora aí está uma questão que me tem ocupado durante a manhã: Is Keira the new Winona? Or the new Natalie? e confesso que tenho sofrido com o aguilhão da dificuldade, até porque acaba de passar por mim uma pessoa do sexo feminino com morfologia acima dos 98 quilogramas - o que em si não seria um problema de maior, não fosse o aspeto vagamente gótico que acentua o terror já de si bastante elevado tendo em conta o transporte sob o braço esquerdo de um exemplar de Livro, uma obra recente de um autor cujo nome não posso pronunciar sob pena de aqui me acusarem de ressentimento. Ressentimento, eu? Como diria Jorge Jesus acerca do triângulo Matic, André Almeida, André Gomes, padecimentos às mãos de escolhas destas todos nós gostariamos de padecer.
O que seria de mim sem ti internet?
Eu sei que estamos na altura e tudo, mas continuo a fascinar-me com quem faz e se lembra destas coisas. Convosco senhoras e senhores, os JingleCats:
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
Comboios, miúdas de Massamá e o pífio do Pedro Vieira, um gajo que é amigo de toda a malta buéda fixe em geral e queria ser escritor um dia mais tarde, quando o mundo fosse habitado apenas por crianças, pessoas confusas em geral e macacos de rabo pelado.
Não sei se já divulguei aqui a minha técnica para varrer a publicação massiva de novos valores no meio literário português, na medida em que convém a um gajo com ambições imperiais manter um conhecimento geral das situações mais rasteiras da vida mental, não vá aparecer um novo tipo de infeção comercial altamente contagiosa que nos imponha uma subida dos níveis de concentração no miolo do terreno. Até agora, graças a deus e à prodigiosa ignorância em geral, não há motivo para alarme: banalidades, sentimentalismos e repetições é tudo o que se encontra, com a moderada exceção de Gonçalo Manuel Albuquerque Tavares, o esforçado, promissor tardio mas algo plastificado filho de aveirenses, doutorado pela Faculdade de Motricidade Humana, com uma tese intitulada Corporeidade, linguagem e imaginação (risos), orientada pelo gigante intelectual e figura incontornável da cultura ocidental, Manuel Sérgio, também recentemente colaborador do técnico do Benfica, Jorge Jesus.
Sempre que me deparo com uma revelação literária, dirijo-me prontamente com a tranquilidade que me caracteriza, quase sempre e em geral, ao escaparate das novidades, lanço um olhar rutilante à miúda da Fnac Chiado, esperando que esta me observe com o seu ar vagamente hipie, cabelo escorrido e uma das habituais camisolas sem mangas que lhe pronuncia os braços de lavadeira, reconhecendo eu, desde logo, um perfil geral mas algo generalizadamente agradável, momento em que retiro o novíssimo livro, com assinalável cuidado, da prateleira, isto porque respeito as regras do mercado, e agarrando a lombada com dedos firmes e retesados, apoiando suavemente a capa e a contra-capa na mão direita, imobilizo a primeira página, cuja leitura integral efectuo com meticuloso registo visual, passando depois ao escrutínio do interior desprotegido da obra, fazendo uso do meu olhar impiedoso, aspirando os quase sempre parcos recursos estilísticos por meio de séries diagonais, parágrafo sim, parágrafo não, e terminando com a codificação intervalada do restante e pobre conteúdo do livro, numa operação que não pode durar mais do que 4 minutos e meio, sob pena de enfarte do miocárdio.
Os leitores deste blogue estão claramente a comportar-se abaixo das sua possibilidades entre as 2h00 e as 8h00 da manhã.
Foi desta forma que procedi quando Pedro Vieira, recentemente agraciado com o Prémio Pénis Clube de Portugal, lançou a sua obra de vulto Última Estação, Massamá. O título fazia desde logo temer o pior, o que rapidamente se confirmou quando dei de caras com uma confusão mental sem precedentes numa convocação enjoativa de ironia sobre a própria escrita, e uma constante, irritante, lamentável, adolescente, chamada de atenção para o facto de estarmos apenas diante de um livro, quando na verdade, um leitor desprevenido, como era o meu caso, podia certamente convencer-se de que se encontrava na presença da princesa da Babilónia. Mas Pedro Vieira não quer que corramos este perigo e quer relembrar a cada duas frases que estamos apenas diante de um livro e não de um pudim de maçã, de uma loira de 1m 90 cm, ou mesmo de um unicórnio branco. Que seja pois, e apenas, um livro, um pobre livro. Era pois tudo o que queriamos, mas nem isso nos foi dado.
Massamá.
Para que me não acusem de ser tendencioso e esquartejar instrumentalmente a bela prosa deste prodigioso autor licenciado em Publicidade e Marketing pela Escola Superior de Comunicação Social (risos) recorremos à sinopse generosamente disponibilizada pela Quetzal, um pequeno texto que supostamente pretende destacar as qualidades do livro e agarrar com mãos sicilianas os hipotéticos compradores. Lucas e Vanessa são os protagonistas «de um amor trágico» mas isto não chegava à mente prodigiosa de Pedro Vieira. Nada disso meus lindos, queriam apenas tragédia, varandins, queriam a rosa e o nome, o nome e rosa, queriam apenas a pequeniníssima diferença entre a comédia e a tragédia - uns escassos 1 minuto e 80 segundos - que é o tempo que Julieta demora no seu sono maldito, enquanto Romeu engole o elixir da morte? Queriam apenas um livro? Nem pensar, que a fartura exuberante é o apanágio da publicidade, pois somos também congratulados com a história de «uma doença, de uma frustração que não se cura», «do fracasso das legiões de Públio Quintílio Varo», coisas várias sobre «Massamá», onde nos é dito que «acaba de ruir uma hipótese de redenção», «pessoas sem saída para lugar nenhum» (alegadamente os jovens licenciados, segundo apontam vários exegetas da obra), «uma estação de comboio, o trabalho, o vaivém daqueles que vivem de par em par com aquilo que lhes está destinado. O acaso. Crónica de uma, duas mortes anunciadas, a segunda por decisão natural de Vanessa, mulher investida de toda a autoridade. Faltam dois minutos e picos, 127 segundos, pouca-terra, pouca-terra, é só o que ela pede. Ou pelo menos que lhe seja leve.»
Os leitores mais experientes - que são o apanágio glorioso deste blogue - já toparam à distância a imaturidade, a confusão, a falta de sentido do ridículo, a recorrência da antiguidade descontextualizada como tentativa de dignificar o retrato jornalístico desmiolado e sem ponta de densidade literária, a pífia caracterização sociológica, a tentativa falhada de retrato psicológico, a incapacidade de comover até o Jorge Sampaio num dia particularmente cinzento, onde pela enésima vez, valha-nos deus, os emigrantes do Portugal rural, como é o caso de Pedro Vieira, um indivíduo assumidamente criado no caldo católico minhoto, se apresentam como cronistas do subúrbio provinciano de Lisboa. Nem ao menos se faculta nestas páginas um horário dos comboios Massamá-Rossio/Rossio-Massamá, o que ao menos salvaria a utilidade do livro.
Em todo o caso, o crítico Pedro Badocha Mexia, no Expresso de março de 2011, pouco depois do livro ter saído, prontificou-se a fazer o elogio desta salada russa, destacando os poderes de observação e empatia raros e com uma especial atenção ao uso da língua portuguesa, evidenciados por Pedro Vieira, um repórter nato. Segundo nos diz «Há uma verdadeira compulsão em anotar todas as expressões, clichés, corruptelas, bem como a novilíngua anglicizada, o que me deixa confuso porque se tinha acabado de fazer notar que havia uma especial atenção ao uso da língua portuguesa. Pois é, o português é uma língua viva, eu sei, eu sei, mas talvez tenha deixado de ser depois de sobre ela terem mergulhado os dentes avaros e trogloditas de Pedro Vieira. Da gestão à religião, passando pelas latitudes travestidas de sabedoria, é um festim da oralidade caótica, bizarra, inventiva, hilariante ou poética. É essa, com efeito, a grande virtude do livro, a Babel linguística que invade o texto com estribilhos, mil nove e oitenta, dá uma de lombinhos, boa continuação. Como? Confesso que não percebi. Se algum dos comentadores quiser explicar, agradeço. Para finalizar Badocha Mexia oferece um exemplo da magnificiência desta mestria babélica. E alguns dichotes são um achado, como este sobre uma rapariga que controla muito em cima o namorado: "A tua miúda parece o Baresi.""
Insultos é que não, tudo o que quiserem, mas não posso permitir insultos, tenham paciência. Clarifiquemos. Baresi começou a jogar futebol aos 14 anos no Internazzionale, precisamente o rival do seu clube do coração, o Milan, e sonhando ser goleador, como todas as crianças de bem que hão-de um dia transformar-se em grandes vultos da literatura mundial, Baresi como todas as crianças de talento um dia injustiçado que hão-de um dia transformar-se em grandes vultos da literatura mundial, acabou por se destacar como defesa, e aceitou com gloriosa abnegação o seu dever e destino, o que segundo a tragédia grega são uma e a mesma coisa. A Wikipédia fornece os dados impressionantes: 716 partidas oficiais em 20 anos, incluíndo as duas épocas em que ao longo dos anos 80, deambulou pelas belas cidades da velha Itália, entre as torres sépia que viram Dante chorar o exílio, os sicômoros protectores dos amantes de Verona, as praças ornadas de repuxos talhados em mármore da Roma eterna, as cinturas industriais reodeadas dos pântanos venezianos, as velhas colónias balneares do mediterrâneo napolitano, e os desertos infernais de trigo da Sicília. Neste dois malditos anos, o maior libero do futebol mundial humedeceu o chão do balneário adversário com as suas lágrimas sagradas, erguendo-se das cinzas para atacar a imortalidade com uma impressionante galeria de triunfos, note-se, quase todos posteriores a esta severa provação: seis scudetti (79, 88, 92, 93, 94 e 96), três Copas dos Campeões da Europa (89, 90, 94), dois Mundial Interclubes (89, 90), três Supercopas Europeias (89, 90 e 94) e quatro Supercopas da Itália (88, 92, 93 e 94). Numa madrugada do Verão de 1994, eu próprio chorei pela segunda vez diante de um ecrã de televisão quando de olhos cansados, amedrontado pela madrugada, vi Baresi entrar já lesionado, e após uma lendária marcação impiedosa que obrigou o não menos lendário Romário a terminar sem golos o jogo Itália-Brasil, vi com horror o mesmo já então velho Baresi, muito perto do seu limite físico e mental, desperdiçar um penalti no desempate com o Brasil, atirando por cima da barra, o mesmo Baresi que vendo depois os seus companheiros desanimados falharem consecutivamente as suas próprias penalidades, terminou em lágrimas, de cabeça enterrada na relva como diz Ovídio que morrem os gloriosos quando caiem lado a lado na batalha. Que merda de comparação é essa ó Pedro Badocha Pífio Mexia Vieira?
Possível míuda inegavelmente gira que acaba de me perguntar solícita se perguntei alguma coisa, preparando-se em seguida para comprar um bilhete ferroviário na direção Massamá-Benfica, isto se para tanto existir imaginação, força, humilhação, coragem, criatividade, beleza, sofrimento, desejo, horror, inveja, sede de vingança, compaixão, no cérebro das pessoas que decidem ser pessoas em geral.
Sede gratos pelas pequenas coisas da vida
Após apurado estudo de mercado, posso confirmar que não só a televisão belga é uma linda bosta, mas também que existem mais livrarias do que putas nas esquinas de Bruxelas.
Fica aqui.
E ao quarto dia de metro, eis que surge uma jovem a tentar entrar dentro do segredo do Jose Luís Peixoto. Tentei em vão mostrar-lhe o Joyce com letras demasiado pequenas para os meus olhos cansados depois de uma noite mal dormida (obrigado minha querida filha). Por pensamento disse-lhe que mais valia ir lá atrás no tempo e ler os clássicos. Mas depois o metro parou, saimos para lados diferentes, e se calhar não vale mesmo a pena. Continua a ler que um dia chegas lá. Há uns anos li alguns dos primeiros livros do Peixoto e gostei. Era cru. Mas o homem cresceu e começou a aparecer demasiado. E a escrita começou ser a kilo e acho que a coisa foi-se. Um pouco como comigo. Tinha tempo para ler e agora não tenho. E isso prejudica tudo. Apesar dos livros para crianças serem muito bons. A bela adormecida que o diga. "Fica aqui". É claro que fico, filha. Dorme bem e até já.
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
A certain pleasing drama ilustrado por uma gaja que é de afundar à bomba todo o Médio Oriente, a América, a China, o 5 Dias, toda a estratégia de fundo do Godinho Lopes, o Sérgio Lavos e a cordilheira do Evereste, com budas e tudo, ou por outras palavras, temos aqui uma situação!
Has the critic become a quaint and touching figure engaged in an irrelevant, positively medieval pursuit, like monks illuminating manuscripts? There is, for the critic, a certain romance in describing oneself as standing in the midst of a grave intellectual crisis, solitary, imperiled, in the vast desert of our cultural landscape. There is, in this stance of the underdog defender of all that matters, a certain pleasing drama, an attractive nobility.
O negrito, salvo seja, é meu. Chamo igualmente a atenção das pessoas que em geral são gerais e generalizadamente não captam o detalhe diferenciador do quadro em geral, nomeadamente na expressão in the vast desert of our cultural landscape e o rejubilantemente adjectivado colar de pérolas onde avultam, nomeadamente, solitary, imperiled, isto é, o crítico, não podendo, deste modo, deixar de fazer notar o conceito de underdog defender of all that matters, e isto especialmente para aqueles que como o imortal Ex-Vincent Poursan e a fiel Izzy têm manifestado incómodo para com o dialecto utilizado pelo autor enquanto ainda não aclamado.
The ancient power of a story well told will endure, along with its interpreters and critics, and technology will continue to evolve and unsettle, to dazzle and madden us, to create its cultural crises and elicit its handwringing. I think we can say with confidence that in 200 years Anna Karenina and her men will still exist. And the iPad — who knows?
Esboço de epitáfio em forma de remate.
Peço desculpa a todas as pessoas que gritaram «tomaaaaaaaa» no terceiro golo do Benfica diante do Sportin Clube de Cascais-Estoril de Portugal: foi um excesso de estilo e uma falha imperdoável chamar ignorante ao Mark Twain, uma vez que não era bem isso o que se pretendia. Como penitência obriguei o meu próprio pobre espírito a ler consecutivamente, entre o fim da tarde de ontem e a hora do almoço de hoje, O Príncipe e o Pobre, uma obra-prima sem sombra de dúvida, e nisto reside a minha grandeza, lamento. Sobre o Huck insisto que há em vossas senhorias um latente elemento Proustiano, o que é sempre uma chatice, e que consiste numa incapacidade em abandonar o para sempre incandescente lugar da infância. Claro que Twain é um grande romancista, claro que Melville ou Shakespeare ou Proust são chatos, claro que sim, tal como estar doente é chato, ou levar com um não me toques é uma grande chatice, tal como Newton, Leibniz, Kant ou Einstein são chatos nas suas elocubrações maravilhosas, mas convém não perder de vista o tema do assunto: génio, verdade, resistência, grandeza, raridade, dureza, fecundidade. Quando pretendo rir ou obter momentos de boa disposição prefiro cócegas de loiras com 174 cm.
Todos estão familiarizados com as minhas dúvidas sobre as externalidades da literatura de entretenimento, mas estou disposto a abdicar das minhas influências apocalípticas, dando de barato que existam benefícios misteriosos na liberdade de expressão para os Niltons de todo o mundo, unidos em torno dos ignorante e indigentes de todo o mundo que insistem em medir apenas com o seu próprio nariz o interesse do que lhes aparece diante da cabeça: como li aqui num comentário há bem pouco tempo, o problema, como em tudo nesta desgraçada vida, não é comprar porcaria, o problema é estarmos equivocados sem o sabermos. Estou farto de chamar a atenção para o problema da chatice como critério de avaliação da vida em geral: os chineses já nos toparam à séculos e explicam a crise ocidental como um mergulho comunitário em ocupações de adolescente, videojogos, entretenimento, espectáculo, animação, nada que Rosseau - outro chato - não tivesse previsto, explicado e até desejado. Quem não gosta de uma boa gargalhada, quem não sente o apelo sedutor do distanciamento erótico da ironia? O problema é quando o nosso controlo sobre o real adormece em virtude do consenso, da animação, do divertimento e se deixa escravizar por uma só figura de estilo: Roma eterna, sempre beneficiária das minhas mais amargas lágrimas, implodiu no interior deste erro. Não me quero parecer com o José Manuel Fernandes mas também não quero ser um gajo espectacularmente porreiro que se deixa citar pelo ignomioso ignorante do Sérgio Lavos. Mesmo depois de morto, não se pode ter tudo: eis um dos grandes príncipios regulares da economia emocional e um adágio que teria agradado às pessoas que usam bigode em geral.
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
Deixemo-nos de coisas tristes, por hoje.
Esta senhora tem-me feito companhia no exílio. Parece que estão a fazer um filme sobre ela. Para quando um sobre a Marian Anderson? googlem que eu tenho que ir fazer o jantar.
Teoria unificada das merdas todas em geral.
Como já devem ter reparado só leio dois blogues: Tolan e A Causa foi Modificada, e isto em virtude (como diria Fernando Malheiro nos seus tempos de Benfica) de uma estratégia aleatoriamente aleatória, se bem que escudada tanto na generalidade da literatura científica como em forte evidência empírica. Concordo em parte com o último e derradeiro post de Tolan sobre Sua Santidade a Papisa, Isabel Jonet, uma pessoa de alto gabarito calórico a quem apenas recomendo mais exercício (porque se é para começar a aparecer com assiduidade diante dos nossos olhos torturados, explorados, escravizados, maltratados por um sistema nervoso ávido de ritmos codificados, convém perder pelo menos 20 quilos, posto que após a devida ascese fisiológica, devo dizer que não a acho mau bife para uma caldeirada à moda antiga, ou seja, trau).
Em segunda virtude das más interpretações em geral - e sensibilizado pelas sugestões sensíveis - sou obrigado a clarificar que a desajeitada referência ao bife e à caldeirada antiga com a Jonet, consistia numa generosa sugestão de envolvimento sexual (as tias suscitam sempre estas fantasias nos homens de bem) pelo que longe de mim atentar contra a saúde das pessoas em geral, e sobretudo do sexo feminino em particular. Como diria Bob Marley, embora lá ficar juntos que está tudo bem.
Mas o assunto que aqui me demora, afastando-me melancolicamente da minha obra, é a denúncia da típica inconsistência de todas as pessoas em geral. Como bem nota o António Machado num comentário ao meu excelente e generoso convite endereçado aos leitores em torno de mais uma obra-prima, o escritor W. G. Sebald - com aquele ar de velho botânico reformado - não aguentava mais de vinte quatro horas na blogosfera. Concordo em absoluto, uma vez que nem todos podem mover-se na estratosférica concepção de ideias, televisionar épicas vitórias do Benfica em tabernas de Alhos Vedros, traduzir o Soneto 129 de Shakespeare, e ser o goleador fundamental de uma casual equipa suburbana. Tal como concordo avidamente com a sociologica prática de Tolan quando refere que neste tempo de anti-política, há que valorizar a especialização em artes marciais que o tribunal da opinião pública permite aos senhores deputados filhos da puta - aliás, opinar é a única coisa que nos resta como muito bem apontava ontem a sempre impecavelmente elegante e sedutora Sónia Brazão, a única pessoa em Portugal capaz de atravessar uma barreira de napalm, quase morrer desfigurada num acidente doméstico, ser vilipendiada pela imprensa e aparecer pouco tempo depois com o perfil de um princesa da Dinarmarca, espalhando erudição esotérica, simpatia e bem-estar.
Acontece que a crítica apontada a Sebald - um indivíduo inerte que paira acima das Jonets, dos Tolans, dos alfs, dos AMs deste mundo - esbarra precisamente no seu estilo distante, pausado, frio, composto, ordenado, elegante, sistémico, desapiedado, eloquente, culto, consciente, meu deus, consciente, e sobretudo controlado, que é em parte o atributo mais violentamente detestado pelo caldo sensualista da sociedade comercial que tenta a todo o custo, desde o século XIX, desmontar a racionalidade formal do Estado. As pessoas que sabem que Derrida e Barthes não passam de dois troca-tintas, charlatães sensíveis, estão de há muito familiarizadas com os dois grandes dualismos da cultura científica ocidental: o dualismo entre a mente e o seu exterior, por exemplo a consciência e o mundo real, e o dualismo entre o ambiente e os sistemas complexos, por exemplo os organismos e o habitat natural. Os sistemas têm sido captados pela literatura científica como um conjunto de regularidades que pertencem ao mesmo conjunto (uma merda tautológica e inconsistente que intrigou Gödel e que a todos nos intriga desde então) e têm sido descritos através dos seus diferentes «estados», mas esta brilhante ideia (sistematizar a aparente desordem) deu origem a um instrumento (a teoria dos sistemas) que permitiria a emergência da economia política nos anos 70 do século XVIII, a construção do Estado social nos anos 90 do século XIX, e juntamente com a lógiga booleana e a computação binária de Turing, iria fazer aparecer nos anos 30 do século XX a prodigiosa ciência da computação em nome do triunfo da linguagem formalizada, mistérios que hoje aqui nos reunem a todos em torno deste ecrã, amen. Aqui é que bate o ponto e a punheta, se para tanto houver alma e desejo.
O calor que tanto nos agrada na literatura de merda - cujo expoente máximo é o realismo barato, desordenado, pindérico, melodramático, telenovelesco, uma espécie de caridadezinha intelectual - é precisamente o correlato do ruralismo cristão, da espiritualidade doentia dos oprimidos, das meriodinalidades que faziam Nietsczhe (nunca sei a ordem das consoantes, caralho) sacudir os seus bigodes de guarda nacional republicano do pudor mental. A mega falácia artística que pretende representar a vida tal como ela é, procede do mesmo ventre maldito que pariu a assistência à vida das pessoas tal como elas gostam que seja, sem previsão, sem projeção, sem requinte, sem ciência, sem sistematização, e mais que tudo, sem critério de hierarquização das ações, olé. Daí que o seu extremo oposto seja precisamente a carantonha fantasmagórica e terrível do nazismo, representante máximo da cultura germânica e cuja cauda escamada, ainda que cortada, roda ainda assustadora no interior da prosa de Sebald, olá. A descrição dos estados do sistema, com todo a galáxia de erros humanos que sempre brota em toda a humana coisa, dotou a humanidade de previsão, gerou os seus adeptos e os seus reacionários, mas não me parece que restem grandes dúvidas sobre as excelência da artificialidade da solução racionalista na organização da sociedade (com todos os seus nefastos efeitos colaterais), os poderes congeladores do formalismo matemático, o reducionismo abstracto da crítica linguística e literária, bem como a assunção da filosofia como controlo do mundo: pessoas críticas e intelectualizadas de todo o mundo, uni-vos, que o inimigo carrega baterias para um final e devastador ataque.
A assunção da caridade está para a organização política como a escala estética de Huckleberry Finn com a sua linguagem vernacular colorida pelo regionalismo local na deprimente definição da extraordinária Wikipédia, está para o canon estético do Tolan, do valter hugo mãe, e de todos os adeptos da realidade em geral, que encontram satisfação nas aventuras dos filhos dos bêbados da cidade em geral, provavelmente porque nunca viveram entre a tragédia da vida em geral, e acham graça e capital literário na caracterização de pessoas que se desfazem na miséria em geral. Não por acaso, Huck é um pobre a quem a caridade amistosa de Tom Sawyer resgata do abandono selvagem, é um desajustado da sociedade, apreciado por todos os ajustados na sociedade, o que também representa a desorientação política do especialmente dotado, mas muito ignorante Mark Twain: um tipo que acabou enrolado com a secretária merece sempre o nosso mais profundo repúdio, sobretudo quando o nosso aplauso vai para os tipos que tentam enrolar-se com o máximo número de mulheres, secretárias, esteticistas, empregadas do Pingo Doce, ou outras, desde que no mesmo ponto do espaço e do tempo, sobrevivendo com elegância a essa situação, por exemplo, Ovídeo, Dante, Shakespeare, Camões, Proust, os casos são intermináveis, imortalizando depois os seus erros, fortuna e amor ardente em puras realizações estéticas, e deixando aos padres de todos os tempos a assistência caridosa e a crónica dos costumes.
Da esquerda para a direita: João Seabra, troglodita da terra média e autor do terrífico plano para dominar o planeta; Sua Santidade a Papisa Isabel Jonet, erguendo o pirilau de José Rodrigues dos Santos embalsamado em ouro, artefacto com extraordinários poderes metafísicos, incluindo o adormecimento da vontade de todas as pessoas de bem em geral; Braga da Cruz, sacerdote do mal, aplaudindo o plano para acabar com todas as formas de raciocínio lógico.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
Estou a virtualizar-me
Quis nosso senhor que voltasse a andar de comboio e metro esta semana. Resultados:
1. Demorei o mesmo tempo que de carro.
2. Os bilhetes estao caros. Foda-se para a troika.
3. Fui atento a malta que estava a ler, a ver se via o Tolan a ler livros de 700 paginas, mas nada. Já nem se vêm livros do harlequim. Eu pus-me a ler este, oferecido pelo alf ha uns anos. Bela prenda diga-se.
4. O metro agora só tem 3 carruagens. Foda-se a troika.
5. O Cardozo marcou o 3º golo. Foda-se o Benfica.
6. As pessoas continuam sem saber como andar no metro. Vai tudo apertado junto à porta e no corredor cabe um boi.
7. O Sporting é uma equipa do meio da tabela. Mais uma derrota. Mais um elogio.
2. Os bilhetes estao caros. Foda-se para a troika.
3. Fui atento a malta que estava a ler, a ver se via o Tolan a ler livros de 700 paginas, mas nada. Já nem se vêm livros do harlequim. Eu pus-me a ler este, oferecido pelo alf ha uns anos. Bela prenda diga-se.
4. O metro agora só tem 3 carruagens. Foda-se a troika.
5. O Cardozo marcou o 3º golo. Foda-se o Benfica.
6. As pessoas continuam sem saber como andar no metro. Vai tudo apertado junto à porta e no corredor cabe um boi.
7. O Sporting é uma equipa do meio da tabela. Mais uma derrota. Mais um elogio.
Austerlitz e a ressurreição da narrativa europeia.
1.
Num tempo em que se discute a ascensão da Alemanha como baleia branca, o federalismo como Frankenstein, e a moeda europeia como utopia, não devemos deixar de nos congratular com o desconhecimento olímpico da obra de Sebald, nem com a honrosa excepcional porcaria de uma ou outra reportagem comemorativa, tal como a vergonhosa elegia turística que o Público ofereceu aqui há uns meses a propósito do aniversário da morte do autor, em que um jornalista desorientado procurou seguir nos passos do escritor pelas vilas pescatórias do norte de Inglaterra, invocando os temas recorrentes da obra, oferecendo-nos assim um tenebroso mas útil e meticuloso diagrama sobre as diferenças entre uma mente educada, culta e genial (W. G. Sebald) e os estertores nervosos de um parvo pseudo-sensibilizado qualquer (o jornalista de que não me recordo o nome).
2.
A partir desse extraordinário momento que foi o aparecimento do livro Austerlitz em 2003, publicado poucos anos depois pela Teorema e agora pela Quetzal, e vertido para o nosso entendimento no português esplendoroso de Telma Costa (uma pessoa que muito injustamente nem eu nem ninguém conhece, ao contrário da multidão de tolos agraciados com várias e diversificadas tipologias de prémios, tais são as tragédias deste mundo) o que logo distingue Sebald de todos os outros escritores, é a clareza com que assume a reconstrução da narrativa sobre os escombros da tolice sentimental pequeno-burguesa, bem como a salvação do narrador moribundo, quando este havia sido morto e enterrado por Walter Benjamim, num texto sobre a obra de Leskov, já editado pela Relógio de Água e recentemente reeditado como prefácio ao livro, O Peregrino Encantado. Logo nas primeiras páginas de Austerlitz, o leitor sabe ao que vem, quando lhe são apresentados vários animais em cativeiro, em especial um «urso sentado junto de um riacho com uma expressão severa no focinho, lavando repetidamente o mesmo bocado de maçã» e após considerações várias, onde, implicitamente, a forçada humanização destes seres encerrados no seu ciclo biológico ridiculariza a descrição dos cenários naturais no romance contemporâneo, aqui denunciados como uma herança tosca e inconsciente do romantismo alemão.
3.
Sebald desenha depois uma comparação entre a animalidade mortal e instintiva dos olhos dos mochos europeus com «os olhos dos filósofos e pintores, que com recurso à pura observação e ao puro pensamento procuram penetrar nas trevas que nos cercam» (p. 10). Em vão, claro, o que fica obviamente sub-entendido nas imagens penetrantes de dois pares de olhos aduzidos ao texto pelo próprio Sebald. O leitor passa a transportar um nó na garganta, atado pela consciência de saber que irá ser envolvido por tonalidades onde volteiam os sons soprados pelos mais trágicos instrumentos do nosso tempo: o cruzamento entre a sensibilidade individual e as vagas aparentemente incontroláveis da história, os limites biológicos da humanidade e o calvário de um sistema nervoso central que desconhece em absoluto as razões da sua condenação.
3.
Sebald desenha depois uma comparação entre a animalidade mortal e instintiva dos olhos dos mochos europeus com «os olhos dos filósofos e pintores, que com recurso à pura observação e ao puro pensamento procuram penetrar nas trevas que nos cercam» (p. 10). Em vão, claro, o que fica obviamente sub-entendido nas imagens penetrantes de dois pares de olhos aduzidos ao texto pelo próprio Sebald. O leitor passa a transportar um nó na garganta, atado pela consciência de saber que irá ser envolvido por tonalidades onde volteiam os sons soprados pelos mais trágicos instrumentos do nosso tempo: o cruzamento entre a sensibilidade individual e as vagas aparentemente incontroláveis da história, os limites biológicos da humanidade e o calvário de um sistema nervoso central que desconhece em absoluto as razões da sua condenação.
4.
É um granda livro, caralho.
5.
É um granda livro, caralho.
5.
Sebald encontra Austerlitz numa sala da estação ferroviária de Antuérpia e ali permanecem os dois durante várias horas, até ao fecho do bar, onde da forma mais elegante e discreta se expõe uma das melhores sínteses sobre o desenvolvimento dos transportes, a organização do tempo numa linha que permite unir a simultaneidade dos vários pontos do espaço o que permitiu tornar reais fenómenos bizarros como o comércio internacional, com tudo o que isto originou na monumentalidade dos grandes edifícios seculares da cultura urbana moderna (p. 18). Os comboios são logicamente os nossos mais terríveis fantasmas, Ana Karenina que o diga, mas a abertura de Austerlitz confia na força do imponderável e na identificação da cruel beleza que o indivíduo pode construir em sua própria honra, mesmo quando esmagado por máquinas de ferro.
6.
Lentamente, guiados por uma mão fria, como num sonho, penetramos no mundo de Austerlitz. Os encontros entre o narrador e Austerlitz são sempre fortuitos, quase sempre em viagens nunca planeadas, seja num bairro industrial a sudoeste de Liége, ou no regresso ao centro de Londres, ou mesmo num barco suburbano vogando sobre o mar do norte, e de onde se avistam «as fachadas altas dos prédios de habitação implantados nas dunas onde tremeluzia, curiosamente instável e fantasmagórica, a luz azulada dos televisores» (p. 34). Estamos no reino da precariedade, da combustão e do desaparecimento progressivo, do arrefecimento gradual e da entropia crescente, estamos no lugar de onde se avista a morte da nossa civilização, com tranquilidade, note-se. Tal como diziam de Mozart, o génio é a manutenção da calma e do rigor no desespero profundo.
7.
Depois de 45 páginas de um distanciamento gélido, de uma visão panorâmica e vertiginosa sobre a história europeia e a evolução (estranhamente) biológica dos seres vivos, depois da apoteose da arquitectua capitalista, uma consulta oftalmológica, uma chegada de comboio a Londres ultrapassando cemitérios, estádios de futebol, velhas e abandonadas pistas de cães, o leitor recebe a primeira vibração mágica, uma capacidade só ao alcance de grandes artistas como Mozart ou Shakespeare, quando Sebald após manter suspensa a observação e a narrativa numa estranha instabilidade entre memória individual e destino planetário, Austerlitz cala-se, ficando de olhar perdido e diz, finalmente: «Desde a infância e a juventude que não sei verdadeiramente quem sou» (p. 45). Esta frase seria totalmente desprovida de impacto na primeira página mas transportada pelas mais frias, meticulosas e sábias especulações descritivas, ergue-se diante dos nossos olhos como uma frágil e deslumbrante embarcação de duas velas atirada para a altitude de um precipício de ondas no meio de uma tenebrosa tempestade.
8.
É neste momento que Austerlitz inicia um relato pausado mas fluente, quase cantado, da sua infância, levando o livro a abrir duas poderosas asas para nos erguer acima da mediocridade, da convulsão, do caos absurdo, da falta de signicado, ordenando todas as coisas de acordo com a prodigiosa mente que nos fala. Na página 59, o leitor encontra talvez uma das maiores realizações técnicas da história literária, quando Austerlitz, tal como a personagem do desajeitado Vergílio Ferreira em Manhã Submersa, é enviado para um colégio interno, muito austero e melancólico, severo mesmo. Embora todos quisessem fugir daquela escola despótica, ficamos a saber que para Austerlitz tudo era melhor do que regressar à casa onde tinha crescido até aos doze anos, e orientando-se na «ilegalidade carnavalesca» diz ter sido miraculosamente favorecido. Sebald consegue ser profundamente triste sem uma só manobra barata: diz Austerlitz que cedo, ainda um pré-adolescente, se distinguiu no râguebi «talvez porque devido a uma dor surda, sempre latente em mim, rompia caminho através das fileiras adversárias como nenhum dos meus colegas» justificando o seu prestígio, apesar da timidez, «pela temeridade demonstrada nos recontros sempre disputados, sob um céu frio de inverno ou chuva torrencial» (p. 60).
9.
A colocação do problema natural quer levar mais longe o lirismo já desbotado do século XVIII, que ainda sobrevive na literatura contemporânea, mas numa forma invertida e ingénua. «A maior parte de nós, disse Austerlitz, não sabe nada das traças a não ser que abrem buracos nos tapetes e na roupa e por isso devem ser combatidas com cânfora e naftalina, quando elas são na verdade uma das mais antigas e admiráveis linhagens de toda a história da natureza» (p. 86) e passa depois a elencar uma série de prodigiosos espécimes, o turbilhão silencioso em redor da luz, formando por «ziguenas do trevo e da filipêndula, falenas de Espanha, auroras ruivas e casadas, saturnídeas, vanessas negras, cabeças-de-morto e mariposas-dos-espíritos». Mas Sebald não é um panteísta ingénuo e sabe que para aquele que comeu da árvore do conhecimento o paraíso foi perdido e quando o amigo de infância de Austerlitz, enumera as características das borboletas, repara que essas pequenas maravilhas voadoras parecem usar «colares de pérolas e capas como os cavalheiros e damas distintos a caminho da ópera», onde desponta um festival de cores que só pode ser descrito com os matizes da indústria humana: o branco acetinado, o brilho metálico do latão e do ouro pulverizado» (p. 87), estranha e dolorosa confirmação de que não temos regresso possível ao jardim das delícias.
10.
Como o leitor já deve ter reparado, a minha capacidade de substituição da obra em análise é francamente escassa, e à medida que este texto vai correndo para o seu final, a minha intervenção vai sendo esmagada pela esplendorosa prosa de Sebald, de tal modo que apenas posso suspender esta sugestão de leitura com a transcrição da análise feita por Austerlitz a propósito das borboletas voadoras com «os seus rastos de luz que pareciam deixar atrás de si em toda a espécie de rodopios, manobras e espirais, e que na realidade não existem, apenas o seu traçado fantasma produzido pela preguiça da nossa vista, que crê ver um certo pós-reflexo no sítio de onde já partiu o insecto que a luz da lanterna iluminou somente uma fração de segundo. É a fenómenos destes, absolutamente irreais, uma súbita incursão do irreal no mundo do real, determinados efeitos da luz na paisagem que temos pela frente, ou nos olhos de uma pessoa amada, que se inflamam os nosso sentimentos mais profundos ou pelo menos o que tomamos por tal» (p. 88). Não há melhor justificação para a nossa vida, desde os livros que escolhemos, até às pessoas amadas que julgamenos escolher. Ilusão, dor e beleza: o resto são pequenas e instáveis luzes a caminho da extinção.
sábado, 8 de dezembro de 2012
Isto está tudo ligado, parecendo que não.
Com algum atraso, é certo, posso finalmente intervir com conhecimento de causa no tópico que vai entretendo a blogoesfera nestes dias: a precipitação em diversas capitais europeias.
Mas primeiro, o que importa. O Sporting não perdeu esta semana. Desde já o meu público agradecimento a São Pedro.
Seguindo para o tópico da chuva que caiu em Lisboa, só tenho a acrescentar que nesta semana que passou, em Bruxelas só parou de chover para começar a nevar. E parou de nevar apenas e só para recomeçar a chover. Esteve assim uma semana inteira, e mesmo assim todas as santas manhãs a menina da meteorologia insistia que o dia ia ser de céu limpo com muito sol. Em Bruxelas.
Por chuva entenda-se aquela chuva molha tolos, em que um tipo apanha uma molha porque é demasiado macho para abrir o chapéu. Qualquer Rodrigo Moita de Deus acredita piamente, após a semana que passou, que na Bélgica chove de facto muito. Mas fazendo uso da cabeça, e do Google, podemos facilmente constatar que na última semana, Bruxelas teve chuva molha tolos enquanto que em Lisboa a coisa foi mais para homens de barba rija.
O que há a realçar nesta lengalenga não são os números, eu também fiquei estremunhado, mas a olímpica capacidade que os palermas, a quem os media dão voz, possuem de ignorar a realidade e construir para si próprios narrativas suportadas em mitos urbanos.
Ou assim eu pensava. Veja-se o excerto de prosa que promove o último livro de Margarida Rebelo Pinto:
Filosofia de cordel? Sim, com certeza. Mas não será o caso de que existe muito boa gente, e a Margarida é tudo menos sonsa ou tontinha, que se revê nestas três frases? O tema já foi tratado até à exaustão, nos Maias e na Madame Bovary, por exemplo, e resultou sempre na condenação dos pobres espíritos que se deixam cegar por este tipo de baboseiras, para gáudio dos cínicos e estóicos que levitam acima das paixões humanas. Mas a Madame Bovary foi uma personagem que ousou sair da mesquinhez a que estava condenada, por uma caminho que a arruinou, é certo, mas sempre se mexeu. O que não é o caso dos estóicos e cínicos que desinfectaram o intelecto de qualquer germe de dúvida ou suspeita que possa corroer a prisão em que se meteram. Veja-se o João Miranda ou os ódios de estimação desta casa. De tanto imitar o Nietzsche, ainda vão acabar como ele.
Enfim, quem nunca "Andou tão à flor da pele/ Qualquer beijo de novela/ Me faz chorar" que atire a primeira pedra.
Subscrever:
Mensagens (Atom)