domingo, 30 de março de 2008

Privatização da Escola? Será que já se ouve outro amanhã que canta?

Será que a velha (mania de bater nos mais fracos) vai cair?

Sobre o caso da luta pelo telémovel não há muito mais a dizer. Talvez apenas referir que o comentário à ineficácia da escola é um epígono da própria ineficácia da escola. Com efeito, o sistema de ensino em Portugal deve ser muito mau. Um país que produz figuras públicas como Aníbal Cavaco Silva, José Miguel Judice, José Manuel Fernandes, José Socrates e lhes confere uma repeitabilidade intelectual totalmente improcedente (figuras cuja capacidade de análise é uma espécie de “subproduto cultural” para o segmento executivo dos vôos da TAP) dev estar a falhar redondamente na punição disciplinar dos seus alunos. O caro leitor pensará neste momento: “isto é totalmente injusto, pois que dizer de Alberto João Jardim, Santana Lopes ou Jorge Coelho?”. Na verdade, talvez uma pequena parábola explicite o meu argumento.


Há uns anos discutia com um amigo a excelência do futebol benfiquista. Nessa época de quase retorno à glória, a equipa da Luz arrancou uma vitória sobre o poderoso Manchester United, além de uma delirante vitória por 2-0 emAnfield Road contra o Liverpool. No início da quase gloriosa jornada, dizia eu:
- o Benfica tem condições para chegar um pouco mais longe na Liga dos Campeões.
Replicou o meu interlocutor:
- Não sejas maluco, com Moreto e Beto na equipa, nem da fase de grupo passamos.
- Não concordo. Normalmente, os problemas decorrem de quem julgamos que não originará problemas.
- Pois é, se ao menos tivessemos mais jogadores como Simão.
Para grande escandâlo de quem me ouvia, concluí:
- Não. O embaraço está precisamente no Simão, claramente sobreavaliado.

Alguns meses mais tarde, o Benfica jogava uma impensável passagem às meias-finais, perante o colosso Barcelona. Contra todas as expectativas, o Benfica segurou a avalanche de Ronaldinho Gaúcho e companhia. Moreto defendeu um penalty. Para quem se não recorda do jogo, lembro que a equipa aguentou o 1-0 quase até aos últimos dez minutos, altura em que Simão, isolado frente ao guarda-redes, desperdiçou o empate e a consequente vitória na eliminatória. Pouco depois do falhanço de Simão, o Barcelona selou o jogo com um segundo golo de Et'oo. Devo dizer que Quaresma - outro sobreavaliado - fez, recentemente o mesmo contra o Schalke 04, falhando um golo fácil. Na verdade, o Barcelona tem Edmilson (poderíamos lembar Pujol), que não é assim tão diferente de Beto ou Binya. O problema é outro, pacífico leitor. É a diferença entre Et'oo ou Ronaldinho e Simão ou Quarema.

Conclusões: para quem acha que o problema de Portugal é a menina do liceu do Porto devo lembrar que comparada com as delinquentes inglesas ganhamos por goleada em respeitabilidade e desempenho. Já na comparação entre Blair e Sócrates…

quinta-feira, 27 de março de 2008

O mundo segundo a blogoesfera

"The cartograms below show the world through the eyes of editors-in-chief, in 2007. Countries swell as they receive more media attention; others shrink as we forget them"


Curioso ver que Portugal incha bastante na blogoesfera...somos um país de comentadores e treinadores de bancada

Apus apus news

Seguindo um link do maradona cheguei a este top 10. O pardal ganha, mas está a aparecer cada vez menos.

Explicação dos Subprime e Outros Mercados

Histéricos à solta

Nunca apreciei histerismos. Pena que a comunicação social e blogoesfera contribuam de forma decisiva para que cada vez mais haja histéricos delirantes com o que acontece em Portugal e no mundo. Veja-se o caso da menina do telemóvel no porto. Não queria perder tempo neste assunto já pisado em todo o lado.... mas há pouco ao almoço vejo um directo da escola com imagens da mãe a chegar à escola, comentários de especialistas em famílias e adolescentes. Justifica-se isto? Até Pinto Monteiro opinou. Tribunal com ela imagine-se. Quando andei na escola tive contacto com histórias de violência (física e psicológica). Cadeiras ao ar. Roubos. Pancada. Foram muitos os casos onde a escola de uma forma ou outra acabou por resolver o problema. Castigo, expulsão, serviço à comunidade, etc. Como deve de ser. Repito: a escola fez o que tinha a fazer. Como deve de ser.
Mudam-se os tempos, temos novas tecnologias. O youtube permite que se veja tudo. É uma verdade, mas o que se trata aqui é de uma questão de educação e não problema de violência na escola. Mais nada. Que começa em casa. A escola ensina-nos a viver em sociedade, orienta os nossos valores em comunidade. Mas este trabalho começa lá em casa também. Com os pais. Não me falem em terapias para os meninos. São fruto da desresponsabilização de aqueles que nos deviam ser exemplo. Falo por mim apenas. Cada caso é um caso. Há coisas boas e más em tudo na vida. E cabe-nos a nós decidir o que queremos dela. Mas deixemos a escola em paz.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Os bravos do Pelotão

Nestes últimos dias vários comentadores (Helena Matos e José Pacheco Pereira) têm defendido a sua posição sobre a invasão do Iraque. O assunto é complexo e contraditório. Em parte, ultrapassa a nossa capacidade de análise, dada a escassez de informação. Embora todos suspiremos de alívio pelo facto dos EUA fazerem o trabalho sujo que nos garante (claro que mais a uns dos que a outros) um nível de vida que sabemos ser insustentável se alargado a todos os habitantes do planeta. Contudo, não é a posição sobre guerra o que mais me espanta.
Espanta-me o facto de se chamar coragem à defesa de uma qualquer posição sobre um assunto que decorre a milhares de quilómetros de distância. Não será, talvez, a perversão máxima da política?
Coragem, quanto muito, poderão invocar os soldados dos EUA que todos os dias arriscam a vida num cenário de ódio explícito ao seu país.
Talvez fosse bom aprendermos alguma coisa com Kant e passarmos a considerar as boas posições políticas como aquelas que, sujeitas ao exercício de sermos nós o seu alvo, continuassem, em todas as ocasiões, a ser por nós suportadas como benéficas.


Mas devo estar enganado. Escrever um artigo no jornal Público é, com efeito, uma tarefa de alto risco.

Como uma vez disse Rui Zink, é como quando um economista que vence de ordenando 5 000 euros chama privilegiado a um funcionário público que vence de ordenado 900 euros.

Parafraseando Rui Tavares, são grande homens, estes.

Vai uma privatização da polícia?

Hoje colapsou um edifício de seis andares na Noruega! Razões para o acontecimento? Três, pelo menos, são óbvias. Em primeiro lugar, a revolução portuguesa de 1974 que, rompendo com a fértil evolução na continuidade, precipitou toda a europa no desvario socialista democratizando a autoridade e permitindo que os solos façam o que querem deslocando-se indisciplinadamente debaixo das habitações. Valha-nos São Ramalho Eanes. Em segundo, o centralismo do Ministério da Educação, responsável por toda a ruína disciplinar, incluíndo a indisciplina das estruturas e do betão armado. Em terceiro, como é evidente, a escola pública e a opressão sobre a liberdade de aprender e ensinar, o que tem impedido a formação de arquitectos e engenheiros noruegueses, capazes de projectar edíficios que se aguentem perante solos em deslocação e prédios que não sabem estar quietos.

O caro leitor deve ter reparado que também Rui Ramos aproveitou o episódio “dá-me já o telemóvel” para sugerir a única solução possível (autonomia das escolas e liberdade de aprender e ensinar) para combater o “gravíssimo problema” em curso.
Concordo e proponho já uma receita do mesmo tipo para o combate à criminalidade galopante. Autonomia das autarquias em matéria de regulamentos disciplinares concelhios podendo cada família escolher a empresa de segurança responsável pela protecção dos seus bens e propriedade. Se calhar…é melhor não.

E se falássemos sobre progressão fiscal e deixássemos a escola pública em paz.

terça-feira, 25 de março de 2008

9º C em grande

O director do Público, José Manuel Fernandes, escreveu um glorioso editorial no dia 24 de Março de 2008. Já sabiamos que o senhor director era um especialista em políticas educativas. Ficamos a saber que é também um arguto crítico de cinema e perspicaz intérprete de enredos cinematográficos. O editorial, intitulado «O clube dos professores mortos e o dos disparates vivos», versa sobre o «filme de sucesso» Dead Poets Society, arrancando uma analogia com a política educativa pós-25 de Abril.
O referido editorial começa por esclarecer-nos sobre algumas trapaças implícitas no argumento do filme. Quando todos pensávamos que a razão do suícido de Neil se relacionava com a educação autoritária do pai – proibindo-o de encaminhar a sua vida para as artes, neste caso a representação, e sufocando-o com a pressão do sucesso e da disciplina de uma carreira de excelência em medicina – eis que o senhor director vem explicar que o deseperado acto ficou a dever-se aos «métodos do professor Keating» que «acabaram por criar uma tensão de que resultou o suicídio de um dos seus alunos». Depois, o mesmo editorial arranca dos nossos olhos as trevas da ignorância – acumuladas por longos anos de frequência da escola pública – chamando a atenção para os quatro princípios do colégio welton («tradição», «disciplina», «honra» e «excelência»). Estes «valores» imortais garatiam o sucesso uma vez que, segundo as palavras dos senhor director, permitiam a entrada «da maioria dos alunos nas grandes universidades americanas». Na verdade, até este editorial, todos tinhamos adquirido – com a nossa ingénua, emocional e esquerdista análise do filme – a incorrecta impressão de que a entrada nessas «grandes universidades» se devia em grande parte ao trabalho dos alunos, na sua grande maioria já detentores de disciplina de estudo, bebida no seio de famílias de classe média e alta. Nada mais errado. Como bem explica o senhor director, tal devia-se aos quatro pilares valorativos em que assentava a dimensão comportamental da escola. Quanto à competência dos professores em matéria de saber: uma vírgula, no imenso texto da disciplina.
Como bem explica o senhor director, o nosso olhar severo deve então voltar-se para este «professor bom», e participante «das folias dos adolescentes» (creio que a expressão que José Manuel Fernandes buscava era «professor cool», uma vez que folias cheira um pouco a estado novo). Dizia eu, como bem explica o senhor director, parece que todas as escolas portuguesas adoptaram o modelo do professor Keating. Acrescenta o ilustre jornalista que «imaginou-se que se podia ensinar todas as disciplinas como ele ensinava poesia». Mais (e atente-se bem na profundidade deste pensamento político-educativo) imaginou-se «que se podia tratar todos os alunos como ele tratava aqueles alunos de boas famílias». Ó ingenuidade das políticas educativas em Portugal. Ó infâmes funcionários ministeriais contaminados pelo vírus da escola jacobina. Então não sabíeis que os alunos das “más famílias” se tratam com chicote e expulsão? Que quem não quer disciplinar-se coma honra e a tradição (malandros) que vá para as obras continuar a tradição, honra, excelência e disciplina de vossos pais a acartar baldes de massa?
O paciente director do Público continua a sua lição: «a mensagem do Clube dos poetas mortos era simpática, atractiva e idealista, mas fez muito mal à escola portuguesa. O que se passou no Carolina Michaëlis é disso um bom exemplo».


Com efeito, todos compreendemos esta estreita ligação entre o professor Keating, o Ministério da Educação e o que se passou no Carolina Michaëlis. O director prossegue o nosso esclarecimento. Há que desmontar duas «polarizações artificiais» (belo conceito só ao alcance de um frequentador do Liceu Pedro Nunes). Ficamos a saber que a autoridade no «colégio de Welton» «não era um valor em si mesmo» (ora senhor director, assim não. Já no Domingo, o Provedor tinha chamado a atenção para a revisão de português do Público e agora, outro erro. Isto de frequentar escolas públicas, mesmo quando se trata do Liceu Pedro Nunes, acaba por trair mesmo os mais geniais como o senhor director). Prosseguindo. Ficamos a saber que a autoridade do «colégio de Welton» não era um valor em si mesma. (Quando o Professor Keating explicou o capítulo das concordâncias, não estávamos atentos pois não?). Não se pode ter tudo, salvou-se um visionário na educação, perdeu-se a correcção no português.

Bem, ao senhor director - pela agudeza das conclusões - tudo se perdoa. Dizia o magnífico líder da “comunicação escrita” que a autoridade (no colégio Welton) decorria do «equilíbrio entre a existência de normas conhecidas e a percepção de que cumpri-las ajudava a obter melhores resultados». Nem mais! Aqui está o segredo do sucesso. Nós, que estivemos convencidos durante tantos anos de que o problema resultava, precisamente, da dificuldade em estabelecer uma relação entre a disciplina (o custo) e a obtenção de resultados (o benefício) - sobretudo porque estes resultados têm um valor de atracção muito diverso consoante a proveniência socio-cultural dos alunos -, ficamos agora a saber que a receita é simples e barata: «honra» e «excelência»! Que é como quem diz, disfarçadamente: o problema é do multiculturalismo e da relatividade; toca a voltar aos métodos do «estado novo»: castigo aos rebeldes; recompensa aos fiéis.

O senhor director ilustra ainda o panorama geral do ensino. A «honra» e a «excelência» não são apreciadas nas nossas escolas. «O que nelas está a suceder não é, ao contrário do que se quer fazer crer, uma consequência da massificação do ensino: é uma consequência de termos um sistema público altamente centralizado, que desresponsabiliza (quando não humilha) os seus agentes e que, ao negar aos pais o real direito à liberdade de ensino, também os afasta da participação nas comunidades escolares». E nós, passivamente achando que isto era um problema muito mais complexo e vasto, ficamos a saber - num relance e com uma brilhante mas sapiente explicação - que tudo se deve à escassa liberdade de aprender e ensinar e ao centralismo jacobino, napoleónico, hitleriano, soviético, cubano, da escola pública.


Acresce a isto que, pelo mesmo jornal Público, somos informados acerca dos oito mil professores que, em Inglaterra, passaram a ter que lidar com problema muito graves de disciplina (o aumento da proporção de professores a ter incidentes - de tipo telemóvel no lusitano Carolina Michaëlis mas desta feita, no berço do liberalismo, com armas de fogo - subiu de 0,5% em 2001 para 1,9% em 2008). Claro que, segundo o exímio raciocínio do ilustre director, isto também se deve à falta de liberdade de aprender e ensinar (uma vez que, em Inglaterra, a Educação é completamente centralizada por um portugó-jacobino Ministério de Educação). Por sua vez, os incidentes com drogas nas escolas inglesas (pátria da liberdade e da democracia liberal) duplicaram no espaço de sete anos (1% para 2,2%, segundo o jornal Público). Razões? Falta de liberdade de aprender e ensinar, pois o poderoso Ministério da Educação da República Portuguesa (ó repugnante denominação, «ó inclemência, ó piedade», dizia o pai tirano) está a lançar raízes sobre o execelente e disciplinado sistema de ensino britânico, reproduzindo selvaticamente nas charnecas inglesas os protótipos do “professor Keating” e manietando - com “simpáticos” manuais de pedagia escritos em “eduquês” de Portugal - as saudáveis práticas de honra e excelência da velha Albion. Da mesma forma, os alunos que nos EUA entram nas escolas e universidades, armados com metrelhadoras, granadas, lança-chamas, e desatam a fazer perguntas pela «excelência», pela «honra» e pela «tradição» dos colegas e professores, estão também oprimidos por esta jacobina e “simpática” pedagogia do bom selvagem, implorando - justamente - por um genuína liberdade de aprender e ensinar.

Numa palavra, de que espera a República para se transformar numa ode à «honra, excelência, disciplina e tradição» nomeando José Manuel Fernandes o “Czar” da Educação?


PS. Alguém podia explicar ao senhor director que o filme pretende justamente desmontar o tipo de raciocínio inócuo que José Manuel Fernandes explana no seu editorial. A «honra», «disciplina», «tradição» e «excelência» são, para o Professor Keating, valores acépticos (cabendo neles todo o tipo de infecção). Quando cita o poema de Whitman, invocandoAbraham Lincoln com a expressão «Oh, Captain, my captain», convoca uma «honra», uma «excelência», uma «discilina» e uma «tradição» que não são, necessariamente, as mesmas do colégio. Keating centra o ensino da poesia em Whitman sublinhando a imagem dos EUA como poema (onde a força advém de uma diversidade não tribalizada) não abdicando de comunicar a sua concepção de tradição (baseada nos valores da república americana - liberdade, igualdade e fraternidade - e na sua consequente teoria democrática).

Existe, é certo, um problema inerente à escola pública. Mas não o que todos apregoam, nestes últimos dias. O problema da escola pública é colocar a atenção no saber e não na formação da “pessoa”. É preocupar-se com a República (com o todo) e não com a parte, é sublinhar a integração e não a tribo. Todos sabemos como são precisas bandeiras: o Benfica, Nossa Senhora, Che Guevara, qualquer coisa que nos salve do pensamento. O Professor Keating propunha o contrário. Propunha que cada um pensasse e construísse a sua tradição, a sua honra, a sua excelência, a sua própria disciplina no diálogo com a tradição democrática e republicana, não no diálogo com a tradição religiosa e conservadora. Por muito que custe a entender, este é, em grande medida, o conflito que hoje retorna à espuma dos dias. A educação pública implica lutar contra fortíssimos sectores sociais? Claro, toda a política, mesmo em educação, é um permanente conflito, por isso estrebucham agora os derrotados em 1974, depois de décadas de silêncio perante o longo período de vigência da «honra, tradição, excelência e disciplina do estado novo». A educação para a liberdade comporta riscos de indisciplina? Claro. Por isso o professor Keantig foi expulso.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Agora que o dia acaba

coloco mais uma musica do homem.



como quem passa e não vê. porque há gente que acerta e gente que erra. E há outros que ficam na memória. para sempre.

Para os que se querem ver do outro lado do muro vejam o documentário.

sábado, 22 de março de 2008

A crítica

Vagueio sentado na nuvem viajante;
Para trás fica o movimento
duma perpétua rotina degradante
dum falso e hipócrito contentamento
...
Espreito as escritas redundantes
onde todos saboreiam da mediocridade
dos comentários dos deuses ignorantes
da falsa retórica de serenidade
...
Avança,porém mais uma pequena jornada
Em que o metal vence o pensamento
mascarando o verdadeiro desalento
E que no fim ninguém acredita em nada

quarta-feira, 19 de março de 2008

há é gente que acerta gente que erra

Se fosses pássaro baterias as asas para destruir a armadilha
Se fosses insecto deixarias círculos apenas ao redor da luz
Se fosses abelha farias zumbir a revolta
Mas és voo pela sombra
Se fosses formiga carregarias a ordem, armazenarias a fadiga
Se fosses flor polinizarias a terra
Serias coroa incorruptível
Se fosses flor através das estações

Daniel Faria


Eduardo Prado Coelho, não muitos dias antes de morrer, confessou numa entrevista o arrependimento de alguns gestos. Como quem tinha o gosto de pensar, reconhecia o erro, demasiadas vezes comum em todos. Como quem tinha o gosto de pensar, havia rigor naquelas palavras impressas em jornal, vagamente trazidas até mim pelo transporte do tempo. Devo ter lido a entrevista numa dessas pastelarias da periferia, onde há reformados em comentários inflamados sobre a última medida governamental, mulheres que poisam a carteira a compor os filhos na alcova, homens que bebem cerveja enquanto rodopiam a carica no balcão. Devo ter lido a entrevista enquanto a chuva prometia maldições bíblicas pelas ruas do Cacém e da Amadora.
O entrevistador terá perguntado ao famoso crítico se alguma vez se tinha enganado sobre o talento de um jovem escritor. Eduardo Prado Coelho, como um dos poucos que corajosamente confessa ter do homem a estatura - não a premonição dos deuses - dizia arrepender-se de ter ignorado um jovem poeta, na época desconhecido. Confessava - e eu preso no nome que soaria no meu cérebro, rodeado de vozes numa pastelaria da periferia – arrepender-se de não ter percebido logo que aquele rapaz se chamaria Daniel Faria e era um poeta definitivo. Comoveu-me a sinceridade de Eduardo Prado Coelho. Não me lembro qual o jornal onde li a entrevista, não me lembro da pastelaria, da rua, da avenida, do dia.
Mas juro que vejo um rapaz, chamado Daniel Faria, cruzar a rua, de olhar cabisbaixo, um molho de folhas, talvez debaixo do braço, talvez no bolso, um molho de folhas julgadas imprestáveis, o olhar vagamente perdido, um molho de palavras no bolso, e o olhar, um molho de luz e sombra no coração da noite.

terça-feira, 18 de março de 2008

A mula do futuro

Vão por mim, que li umas coisas sobre isto dos robots, que isto é bem difícil de se atingir

segunda-feira, 17 de março de 2008

Fundamentalismo e mais alguma coisa

Mr. Adams I just want to tell you that I don’t really appreciate you making a mockery of my faith. I used to think that your comic strip was funny, now I think it is very disgusting and not funny at all. I have found your last comics strips in reference to my Lord and Savior Jesus Christ very offensive. There is a place for everything and there is a place for humor and humor has its limits, especially when it comes to those things and issues that some of us hold as sacred. I will pray for you and that some day you may come to know Jesus as your Lord and Savior. Otherwise you will find Him some day as your judge, and He will justly judge you for your sins and whether or not you believe in Hell that day you will believe and you will repent when you see Him face to face, but then it will be too late. Repent from your wicked ways and stop making fun of my Savior.

Isto tudo por causa de um cartoon. Afinal não são só os árabes.

Em jeito de futebol, recupero a bola a meio campo, chuto-a noutra direcção e encontro a noticia do hotel. Caro Alf: rico hotel vamos ter. Mesmo contra a vontade do testamento. "São em tudo grandes homens", diria o outro. Enquanto não vem outro tempo, encosto-me aqui a este canto e salta-me para o ecrã o poeta do Cacém. Teima em ficar o malandro:

Mas tudo é apenas o que é
levanta-te do chão põe-te em pé
lembro-te apenas o que te esqueceu

Não temas porque tudo recomeça
Nada se perde por mais que aconteça

uma vez que já tudo se perdeu

sábado, 15 de março de 2008

O Visconde da Macieira

Estando com um amigo filósofo – diga-se em passagem, rápido no drible e excelente cabeceador – à sombra de uma frondosa nogueira, bebericando um vespertino café, estando eu recostado numa plástica cadeira de esplanada em fundo de erva e muro de cal branca, confessava a minha mediterrânica impaciência com os jornais diários.
- Mas tu lês jornais? Replicou rapidamente o céptico pensador. Na verdade, leio jornais. Ainda que volte a eles, como Chico Fininho desliza da Baixa à Cantareira depois de mais chuto nas retretes. Volto, sôfrego de consolo espiritual, uma vez que já se gastou a o dominical remédio, à espera de que alguém diga qualquer coisa que se oponha: a) ao pensamento político dominante do mercado e do estado de direito; b) aos nichos de interesse que, encobertos por uma vitimização diante do monstruoso Estado Providência, vão apresentando as facturas dos seus-problemas-de-toda-a-gente.
Com efeito, troquei hoje 1 euro e 40 cêntimos pelo Jornal Público. O que nos conta o periódico? Algumas impressões sobre a crise económica – onde João Ferreira do Amaral e Luís Campos e Cunha, quais moscas já encomendadas ao criador por um sopro de Flit, ensaiam desesperadas receitas de combate, aliás, muito pouco mercadeiras e nada globalizantes –, políticos americanos no Rio de Janeiro, legislação sobre canídeos perigosos, demolição de restaurantes de praia junto a Melides – é o Portugal anos oitenta que mergulha irreversivelmente nos anais da História, bebamos, ó O´neil, uma imperial sobre “as sardinhas decapitadas no azeite”, e viva o fenomenal fim-de-semana –, as possibilidades do clube fundado Visconde de Alvalade vencer os protestantes de Glasgow e um sem número de novidades como o projecto da Câmara de Oeiras para transformar o Palácio dos Arcos num hotel (voltaremos a este anúncio mais tarde que, por hoje, já perdi anos de vida quanto baste)…
Nos costumeiros textos de opinião, os olhos deparam-se com um sinistra figura de cabeção, assinando sob o nome de Gonçalo Portocarrero de Almada. Neste momento, o caro leitor franze o sobrolho e pensa: outra vez o preconceito contra o sacerdote. Todavia, não foi essa a razão do curto circuito neuronal. Deveu-se antes a este nome que oscila entre a marca de sapatos italiana e um snack-bar de Alhos Vedros. Só depois dei pelo título do texto. “Boa Educação”. O pacífico leitor já adivinhou. Nem mais. Liberdade de aprender e ensinar. O texto trazia esta pérola como destaque: “o ensino privado é objectivamente melhor do que o público”. Contra factos não há argumentos, é um dado da sabedoria popular. Tal como o Benfica ser objectivamente o maior clube do mundo, a Rachel Weisz ser objectivamente uma das mulheres com mais presença da história do cinema, as meias brancas de algodão serem objectivamente mais indicadas para a primeira comunhão do que peúgas de lã preta ou mesmo que uma sandes mista com manteiga é objectivamente melhor do que uma sandes mista sem manteiga.
Na verdade, caro leitor, ia comentar algumas das preciosas reflexões que nos oferece o Pe Portocarrero de Almada, descendente dos Viscondes da Macieira, autor de um belo livro intitulado “os Defeitos de Maria”, por sinal apresentado na última feira do livro por Paula Teixeira da Cruz, por sinal Portocarrero é também colega de Paulo Teixeira Pinto em conferências sobre o direito e o Papa João Paulo II (os gajos conhecem-se todos, dizia um anónimo, certa vez, num concerto do teatro de Cascais), ia comentar algumas reflexões, dizia eu, mas o facto é que perdi o entusiasmo, baixei a cabeça, elogiei a derrota, e pus-me a verificar de que forma as nogueiras estendem a copa das árvores sobre o relvado, qual o modo da luz atravessar sem dor a multidão das folhas, a insustentável leveza do insecto, cuja negra e bélica carapaça reflecte o raio de luz, pus-me a verificar de que modo as evidências se confundem, ora soturnas, como o nevoeiro pela noite envolvendo a barra do tejo e afagando os cacilheiros, ora translúcidas, como as praias gregas no tempo de Homero, porque razão teremos perdido a noção de toda a verdade que havia contida num simples copo de água. Caro el_presidente, agora encoberto pela primavera, na verdade, não há conclusões, só opções. Daí que o poeta da escola técnica do Cacém tenha escrito que não há verdade, “há é gente que acerta, gente que erra”.

Se o leitor não desisitiu, resta a consolação de que o melhor vem sempre no fim. Com efeito, deambulando hoje mesmo pelo blogue A Educação do meu Umbigo, encontrei um post de Paulo Guinote de 30 de Dezembro de 2007. Reproduzo-o na íntegra porque julgo que vale a pena ler com atenção.
A Liberdade de Escolha - Take 73
Posted by Paulo Guinote under
Educação, Hipocrisias, Liberdade?, Truques
Ainda pelas páginas do Público, que hoje parasitei a pessoa amiga durante o final do almoço, encontra-se um artigo de opinião de Gonçalo Portocarrero de Almada (alguns detalhes bio-bibliográficos
aqui e aqui), Vice-Presidente da Confederação Nacional das Associações de Famílias (site em manutenção) sob o título «Boa Educação».
Em si não tem muito de especialmente notável, pois apenas repete a argumentação já conhecida sobre a necessidade da livre escolha das escolas pelas famílias, assim como a defesa indirecta dos cheques-ensino para que as “famílias” possam ir em busca das melhores escolas para os seus filhos. Embrulha isso com algumas considerações sobre os rankings escolares, mas não valeria muita atenção não fosse uma ideia que convém reter e que o jornal até usou como destaque para o texto:
«Se as escolas mais bem classificadas recebessem os piores alunos, estes, decerto, não seriam tão maus»
Lida assim esta é uma frase notável e aponta para um conceito de valor aparentemente inegável: agarremos nos maus alunos e coloquemo-los nas melhores escolas e certamente teremos melhores resultados.
Pois é.
Era lindo se o mundo fosse assim.
Mas não é e eu adianto alguns pormaiores que obstariam à generalização de tal solução:
As “melhores escolas” estão quase todas em Lisboa e no Porto. Os maus alunos, infelizmente, andam espalhados por todo o país. Não estou bem a ver como seria possível colocar em prática tal processo de transferência dos “piores alunos”.
As “melhores escolas” têm uma capacidade que julgo limitada para absorver alunos, sendo mesmo um dos seus segredos essa forma selectiva de acesso que permite um acompanhamento mais individualizado. Perante isso, gostaria de saber quantas “famílias” filiadas na CNAF estariam dispostas a que os seus educandos - caso estivessem matriculados ou em processo de candidatura nessas escolas - abdicassem do seu lugar e irem para uma “escola mediana”. Porque os “piores alunos” só o são depois de sujeitos a avaliação e, por isso, teriam de ser transferidos depois de já iniciado o seu trajecto escolar.
Parente muito próximo deste argumento é aquele que questiona quantos dos “melhores alunos” estariam dispostos a sê-lo um pouco menos, indo para outras escolas que não as melhores.
E poderia continuar a desenvolver esta linha de raciocínio por mais alguns parágrafos, não fosse por demais óbvia e perceptível por quem leu o que ficou escrito.
Eu compreendo o argumento implícito do vice-presidente da CNAF: há famílias que sentem uma sobrecarga financeira para poderem assegurar que os seus filhos frequentam as “melhores escolas” e acham justo que o Estado as compense por isso já que não recorrem à rede pública de ensino.
E deveria ser essa a posição exposta de forma clara: não queremos a escola pública, não gostamos dos valores que transmitem (é fácil consultar as posições da CNAF em matérias como o ensino religioso e
a educação sexual), não queremos que os nossos impostos a paguem, devolvam-nos a quantia em causa na forma de um cheque mensal/anual.
Aceito essa forma transparente de colocar a questão. Posso não concordar com os pressupostos, mas respeito-a. É tão válida como qualquer outra, pois defende um determinado nicho de interesses da sociedade.
Agora usar o subterfúgio dos pobrezinhos dos “piores alunos” que com um cheque-ensino iriam de Ribeira de Pena, Nordeste ou da Pampilhosa da Serra (uso três exemplos retirados do ranking do DN feito com base nos exames do 12º ano) para os Colégios Mira-Rio, Cedros ou de São João de Brito e assim ficariam alunos “menos maus” é apenas um pretexto e um daqueles que usa terceiros para alcançar objectivos a que estes são estranhos.


Com efeito, ilustre leitor, com efeito. No dia 30 de Dezembro de 2007, Gonçalo Portocarrero de Almada publicou um texto intulado "Boa educação". Dia 15 de Março de 2008, Gonçalo Portocarrero publicou um texto intitulado “Boa Educação”. A pergunta é fácil: porque repete um jornal de referência um texto, quase sem alterações argumentativas, de um Cronista cujos duvidosos méritos não foram escrutinados por nenhuma instituição democrática? Talvez seja isto a chamada liberdade de informação. Deste modo, a liberdade de aprender e ensinar deve ser qualquer coisa tão bem cheirosa como esta prática de repetir temas e cronistas de três em três meses.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Pego no post anterior e escrevo

São 22:24. Embalado ao som de ventoinhas de servidores trabalho. Raio de doença esta. Ou fado maldito da engenharia. Afinal não há conclusões. Apenas opções. Bom fim de semana

quarta-feira, 12 de março de 2008

A mudança


Com o aproximar da primavera, el_presidente passa a observar com mais atenção a chegada destes senhores Apus apus e transforma-se num.

terça-feira, 11 de março de 2008

El hombre

Pela primeira vez, ilustre leitor, vou falar sobre futebol. O Sr. Camacho demitiu-se. Reconheceu a derrota e a falta de motivação. Por isso merece o nosso apreço e atenção. Aqui, onde reconhecemos a derrota e adiamos a nossa inevitável desmotivação, também nos invade uma vontade incontrolável de pedir a demissão. Quando caiem as águas de Março - neste caso, não sugerindo qualquer projecto de casa - e sopram terríveis os ares do oceano - se passa uma ambulância, um funeral, ou uma adolescente a caminho da escola - os velhos vão por vezes acender um cigarro à porta do café. Nesses dias, não é raro a televisão transmitir um jogo, ou os dedos folhearem um artigo da Leonor Pinhão no jornal A BOLA - que o Benfica é uma espécie de História do Futuro para os velhos e as crianças da periferia. Não é raro um desses velhos perder o sentido do equilíbrio em dia de jogo, enquanto espera na sala o alinhamento das equipas e ver derreterem-se as paredes, o quadro da última ceia, a imitação do tapete de Arraiolos - comprado no Pinhal Novo em 67 - balançar como as ondas do lago de tiberíades, as mãos procurarem qualquer coisa que trave aquele carrocel mascarado de sala de jantar. Acontece muitas vezes, tal como um remate mal medido, um passe que não sai, uma finta que não resulta. Por isso é que reconhecemos a derrota: o oficial que contempla o campo na manhã da batalha, a ave que regressa, sem outro sentido para além do vôo. Sabemos que a vida. Sabemos que o tempo. Sabemos que o guarda redes nesse famoso momento antes da marcação da grande penalidade.

Viva a monarquia

Aqueles que foram dotados – pelo criador – com um elevado índice de paciência, puderam ontem constatar a entrada solene no período tragicómico do nosso espaço público. A Causa Real está de volta, com trombetas, charamelas e bombardas. Claro que falta ainda um mordomo-mor de qualidade. Contudo, o Dr. Teixeira Pinto não está nada mal no cargo. É preciso dizer que apreciámos o tom profético das suas palavras – Padre António Vieira, História do Futuro, Abelha Maia, Harry Potter, Ah, Ah, Ah minha machadinha, Homem Aranha, enfim, toda uma galeria de aventuras e promessas de riso e sonhos, em torno da nossa comunidade de amor: a "mátria". Se o Dr. Teixeira Pinto tivesse lido Natália Correia com atenção, toda esta discussão do sistema político seria enfadonha e pouco entusiasmante. Contudo, a leitura da Mensagem - salpicada com umas páginas de António Veiria, muita numerologia e noites mal dormidas a ver relatórios financeiros -, atravessada pelas meditações do Caminho, resulta nesta canção que sopra do fim dos tempos e nos promete a alvorada da nação. Apesar de tudo, é, sem dúvida, uma boa proposta. Restabeleçamos a monarquia.

Com efeito, a causa real era um dos nossos mais prementes défices em termos de vida pública e participação. Sem esta importante reflexão sobre as virtudes do sistema monárquico, o país definhava, os portugueses empobreciam, a estrutura económica mirrava. Solução? Viva o rei D. Duarte Nuno, que não é pretendente a nada, segundo as palavras do Dr. Teixeira Pinto. Claro que não. Em Portugal nunca ninguém é pretendente a nada. A Estoril Sol não pretendia um edíficio, apenas servir a pátria. O Professor Aníbal não pretendia ser político profissional, apenas servir a pátria. O Dr. Teixeira Pinto não pretendia aumentar o seu capital pessoal na direcção do BCP, apenas servir a pátria. Todos os portugueses estão valorosamente empenhados em servir a pátria. Daí que não sejam precisas instituições republicanas mas uma comunidade de amor que consagre todo este afecto, toda esta irmandade de afecto e bons sentimentos. Ó como é bom ser português.

Caro leitor, não esqueçamos que a história é o fundamento do progresso – sobretudo se a história for contada num registo semelhante ao desse livro modelar, escamoteado do ensino público – para nossa aflição e desgosto. Porém, em breve, o resgate miraculoso da liberdade de aprender e ensinar corrigirá estas e outras assimetrias e colocará o verdadeiro saber nas bocas de todos os portugueses. Falo – é claro – da magnífica obra “Nossa Senhora na História de Portugal” que, decerto, nos traria mais paz, mais prosperidade e mais amor. Trará concerteza.

Na verdade, a monarquia é a solução. Além de que há toda uma genealogia temática, retirada do baú, cujo regresso muito saúdo: o amor da pátria, a estabilidade do regime político, os valores da família, o consenso nacional, a unidade do país.

Todos nós devemos agradecer debates como este. E mudar rapidamente para o outro lado do passeio.

domingo, 9 de março de 2008

monologo de el_presidente

el_presidente teve uma surpresa hoje.
el_presidente gosta de surpresas.
el_presidente comeu bolo de chocolate.
el_presidente gosta de chocolate.
el_presidente esteve com os amigos.
el_presidente agradece aos amigos por estarem.
el_presidente pensa que são momentos destes que importam. o resto são pormenores de uma história que avança.
el_presidente tem dores no pescoço. a idade já não perdoa.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Música para amanhã ao acordar



sigam a letra aqui. um senhor, este Nick Drake.

A imagem da derrota

queria aqui elogiar a derrota. no salto deste rapaz. que agarrou a bola impossível. e parou o sonho do argentino. do marroquino. e de quem mais lhe aparecesse. para os seus é um herói.


ps grande golo o do lisandro. e o sporting ganha ao bolton.

A imagem através dos nossos olhos

Os vencedores do World Press Photo 2008. Aqui

segunda-feira, 3 de março de 2008

Ciclo de Concertos "Música na Ermida"


2º Concerto do ciclo de concertos "Música na Ermida"


Descupem, mas vou falar de Teologia e vou ser longo

Não há nada mais divertido do que ouvir um teólogo! O caro leitor perdoará a comparação grosseira mas é como observar a clássica praxe militar do recruta que tenta apanhar com as nádegas um escorregadio sabão do ainda mais escorregadio chão da caserna. Assim é o teólogo, quando se espraia sobre as alturas divinas. Quando escolhe como tema o inferno, então podemos imaginar um recruta tentando segurar com as suas nádegas, não um mas dois escorregadios pedaços de sabão azul e branco.

O Professor de Teologia Fundamental (com F grande) da Universidade Católica de Braga, o ilustre João Duque, lança hoje no Público alguns pedaços de típica prosa escorregadia: «o inferno afirma-se na tradição católica como uma possibilidade que se deve manter em aberto». Nem mais. Aliás, todas as possibilidades são de manter em aberto. Universitários de todo o mundo, atentai bem nestas dicas que vos são dadas. Por exemplo, numa Oral de Direito Constitucional, pergunta o Professor Jorge Miranda:
Existem diferenças significativas entre o tecido constitucional dos E.U.A. e do Reindo Unido?
Responde o examinado:
É uma possibilidade que se deve manter em aberto.
Joãozinho, as alfaces vêm do supermercado?
É uma possibilidade que se deve manter em aberto.
José António Camacho, o Benfica vencerá a Liga dos Campeões na próxima época?
Bem, aqui talvez o leitor prefira que continuemos a ouvir mais pedaços de prosa escorregadia.

O ilustre Professor João Duque lança mais alguns desafios em torno da captação do sabão azul e branco. Responde, por exemplo, à ideia de Hans Urs Von Balthasar – para quem o inferno era um lugar vazio, pois a misericórdia de Deus seria mais forte que o pecado humano – com o tradicional pseudo-realismo que tanto exasperava Kant. Diz o ilustre João Duque que esta ideia de Von Balthasar é uma perspectiva simpática, mas levanta problemas: «em última instância, a vida humana seria um jogo aparente, porque Deus acabaria por nos salvar a todos». Ora, o Professor João Duque lança mão da clássica distinção entre a simpatia da teoria e os problemas da prática. É um recurso com barbas e mereceu da parte de Kant um texto irónico, intitulado « Isto Pode Ser Correcto Na Teoria, Mas Nada Vale Na Prática ». Nessa pequena reflexão o filósofo de Konisberg, lança claridade sobre o problema.
Kant começar por clarificar que liberdade e autonomia se pertencem mutuamente.
Isto recorda-me um episódio da vida pública de Jesus (bela expressão que tão pouco hoje se ouve nas homilias – vida pública de Jesus).
Naqueles dias, estando o mestre (rabi) de Nazaré a ensinar, os sumos-sacerdotes, os doutores da lei e os anciãos acercaram-se e perguntaram com que autoridade, aquele homem de 33 anos, dizia todas aquelas coisas. O filósofo de Nazaré respondeu com outra pergunta. Se o baptismo de João se fazia em nome dos homens ou do céu. Tremenda dificuldade para as questões de poder. Os teólogos, perdão, os sumos-sacerdotes logo perceberam o entalanço. Se respondessem «em nome do céu», significava reconhecer um carisma não controlado pela hierarquia, além de que ficariam expostos ao rídiculo porque não tinham acolhido as suas proféticas palavras. Se respondessem «em nome dos homens», seriam corridos à pedrada pelo povo, porque todos tinham amado aquele comedor de gafanhotos e reconhecido nele uma autoridade evidente. Que resposta foi dada pelo grupo de sábios?
Conforme o costume da falsa modéstia, os teólogos, perdão, os sacerdotes e doutores da lei responderam que não sabiam. O mestre replicou que, sendo assim, também lhes não diria com que autoridade ensinava aquelas coisas. O pacífico leitor já deve ter adivinhado que eu - como criatura que também se adestra na arte de apanhar sabão azul e branco – tenho também a minha resposta: o mestre da nazaré ensinava com a autoridade da autonomia de pensamento. Porque a autoridade lhe vinha precisamente da autoria da sua própria vida, da sua reflexão sobre a tradição judaica e do consequente domínio sobre as acções da sua existência. Acções norteadas pela sua reflexão e não pelo discurso dos teólogos - perdão, dos doutores da lei - ou pelo magistério do Papa - perdão, do sumo-sacerdote.

Pergunta o estimado leitor: mas que tem isso a ver com Kant, o inferno e o sabão azul e branco. Kant responderia que a moral depende de leis a que obedecemos nas nossas acções, não por serem impostas do exterior – reforçadas pelo medo de futuras consequências – mas porque o «sujeito moral» as estrutura no seu interior a partir da nossa capacidade de julgar. Claro que isto de dizer que é cada um de nós a única autoridade capaz de fundar uma moral é um escândalo. Quase tão grande como dizer: não fui eu, mas a tua fé que te salvou. Compreendemos também o problema da Inferno. Em vez de caldeirões e labaredas, estamos sempre a discutir o mesmo: afinal, quem é que manda?
Conforme não se cansou de dizer o filósofo de Konisberg, isto acontece porque não há mais dura tarefa para o homem do que «ficar de pé e contemplar o céu». Ao contrário do que sempre afirmam os teólogos, o miserabilismo da subserviência a «Cristo» é um afago psicológico tão «quentinho» como a subserviência ao «partido», à «televisão», ao «edonismo do consumo», ao «futebol» ou a outra qualquer substituição do pensamento. Já dizia o Livro do Eclesiastes: «acrescentar ciência é acrescentar sofrimento à existência». Tudo menos dificuldades existenciais. O problema é que não há forma nenhuma de nos furtarmos ao sofrimento. Saber esta evidência não resolve a vida de ninguém, porque o humano é justamente um problema por resolver. Contudo, traria talvez mais luz para cada um resolver por si os seus problemas.

Não se trata de individualismo. Trata-se de higiene pessoal. Compreende-se, por isso, o recente ataque de todo o Magister ao iluminismo. «Ficar de pé e contemplar o céu». Eram tramados, estes filósofos das luzes.

domingo, 2 de março de 2008