Pela primeira vez, ilustre leitor, vou falar sobre futebol. O Sr. Camacho demitiu-se. Reconheceu a derrota e a falta de motivação. Por isso merece o nosso apreço e atenção. Aqui, onde reconhecemos a derrota e adiamos a nossa inevitável desmotivação, também nos invade uma vontade incontrolável de pedir a demissão. Quando caiem as águas de Março - neste caso, não sugerindo qualquer projecto de casa - e sopram terríveis os ares do oceano - se passa uma ambulância, um funeral, ou uma adolescente a caminho da escola - os velhos vão por vezes acender um cigarro à porta do café. Nesses dias, não é raro a televisão transmitir um jogo, ou os dedos folhearem um artigo da Leonor Pinhão no jornal A BOLA - que o Benfica é uma espécie de História do Futuro para os velhos e as crianças da periferia. Não é raro um desses velhos perder o sentido do equilíbrio em dia de jogo, enquanto espera na sala o alinhamento das equipas e ver derreterem-se as paredes, o quadro da última ceia, a imitação do tapete de Arraiolos - comprado no Pinhal Novo em 67 - balançar como as ondas do lago de tiberíades, as mãos procurarem qualquer coisa que trave aquele carrocel mascarado de sala de jantar. Acontece muitas vezes, tal como um remate mal medido, um passe que não sai, uma finta que não resulta. Por isso é que reconhecemos a derrota: o oficial que contempla o campo na manhã da batalha, a ave que regressa, sem outro sentido para além do vôo. Sabemos que a vida. Sabemos que o tempo. Sabemos que o guarda redes nesse famoso momento antes da marcação da grande penalidade.
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