segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Editorial para que este blogue se transforme num bastião da luta sem quartel a favor das pessoas que leram muitos livros e mesmo assim não deixaram de ser pessoas.

Inspirado em factos reais, O Homem de Constantinopla reproduz a extraordinária vida do misterioso arménio que mudou o mundo – e consagra definitivamente José Rodrigues dos Santos como autor maior das letras portuguesas e um dos grandes escritores contemporâneos.
Cena promocional da FNAC enviada para o meu mail


O leitor enganou-se! Neste texto não me entregarei ao ódio gratuito, vilipendiando o abnegado e comovente esforço de um «autor maior das letras portuguesas e um dos grandes escritores contemporâneos», o amor de Cristo nos uniu, saudai-vos na paz de Cristo. Apenas perguntarei, perplexo, se a vida de Kalouste Gulbenkian, pelos vistos um gajo nascido na Arménia e apaixonado pela beleza (duas coisas aparentemente contraditórias, mas enfim) interessará a alguém no seu perfeito juízo e na plena posse das suas capacidades. A editora, ou melhor a distribuidora, ou melhor, a central de propaganda, informa-nos sobre uma interessante obra versando sobre o dito assunto (um arménio que mudou o mundo) e a publicar em dois volumes, uma vez que um só não chegava. Caro José Rodrigues dos Santos, com todo o respeito: tem mesmo a certeza de que existiu um arménio que mudou o mundo?

Atenção, devo dizer que tenho por José Rodrigues dos Santos a maior das simpatias, é uma pessoa com um pescoço assinalável, um ser humano detentor de uma rara capacidade de se locomover sem tropeçar nos próprios pés, às vezes comove-se em direto, e chega mesmo a piscar o olho, com cumplicidade, se uma menina mais marota surge, por mero acaso, numa trivial notícia do programa informativo que lidera. Mais recentemente ficámos mesmo a saber que pode descender de D. Dinis, ou D. Afonso Henriques, ou Moisés, agora não me recordo (desculpem, mas foi um documentário sobre grandes portugueses televisionado há uns meses) e tem contribuído nos últimos anos para lançar esse imorredoiro debate em torno da função social da arte e do papel do mercado na consagração de uma hierarquia artística.


Como as pessoas são em geral muito, mas muito inteligentes e versadas nas várias disciplinas do conhecimento (situação que amplamente favorece a espécie humana - veja-se, no entanto, o caso dos bombeiros desaparecidos este Verão, conjunto de pessoas que para a microeconomia ensinada nas nossas faculdades, não existem) vou explicar pela enésima vez o que é um mercado. Um mercado é uma organização social avançada para coordenar de forma eficiente a distribuição de informação com vista à obtenção de uma situação de eficiência tendencialmente ótima. Ora, isto quer dizer que o mercado, tal como a maior parte dos conceitos metafísicos, é uma pomba branca de avistamento muito raro. Contudo, indiferente às distinções entre ficção e realidade (só existe realidade, quer dizer só existe ficção, quer dizer só existe o que existe) o mercado utiliza, alegadamente, o sistema de preços para saber onde são procuradas determinadas necessidades e onde se podem encontrar ao mais baixo custo os recursos para satisfazê-las. Um mercado - no seu conceito útil - é um vasto computador cujos processos de decisão descentralizados permitem eliminar o desperdício. Mas o que é o desperdício?

Uma boa resposta exigiria estudar a formação das necessidades de consumo e o papel dos meios de comunicação na influência das curvas de venda. Melhor, exigiria estudar a formação de necessidades de consumo. Daí que eu tente pacientemente explicar, com sistemática perseverança, aos meus leitores mais cínicos, que a conversa sobre o «mercado resolve» implica desde logo reforçar uma dada hierarquia de decisão sobre as necessidades de leitura (e defender a posição de um conjunto de livros com características de «mercado», a saber, o nível de burrice da maioria dos potenciais consumidores, o que, no caso português, é de uma trágica e indigente estupidez) e não a defesa da pluralidade e liberdade de escolha, como eles, por vezes com exasperante ignorância, pretendem. Recentemente jantei com um conjunto de literatos e pessoas do jornalismo cultural, e uma dessas distintas pessoas assegurava que o mercado apenas reage ao desempenho comercial dos autores, o que é uma assunção espetacular, uma vez que, neste caso, os autores começam por apresentar desempenhos na Terra do nunca e só depois, e muito justamente, são aproveitados pelo mercado. Estarei eu a afirmar que José Rodrigues dos Santos perverte as regras do mercado? Não, José Rodrigues dos Santos é demasiado pequeno para isso. Estarei eu a dizer que as pessoas não sabem o que querem? Sim, naturalmente, e desde que não me justifiquem as vendas de José Rodrigues dos Santos com o «funcionamento do mercado» estará tudo bem entre nós.


O que pretendo eu fazer? Educar o conjunto da população segundo o meu gosto? Sim, a melhor hipótese seria sem dúvida essa, mas na impossibilidade de trazer o conjunto da população até às altitudes nevadas onde muitos certamente seriam atacados por vertigens, devo contentar-me com a situação intermédia, mas igualmente desejável, a existência de literatura crítica e associações de consumidores que avaliem e testem, de forma sistemática, os livros publicados, tal como testam os detergentes e as máquinas de lavar. Não é pedir muito, pois não? E se o fizéssemos aqui? Não querem começar a enviar as vossas críticas literárias que eu responsabilizo-me pela edição? Como é caros leitores, vamos virar esta merda do avesso, ou continuamos a sonhar com os amanhãs que ladram mas não mordem?

4 comentários:

Anónimo disse...

nem sei por onde começar. o texto está positivo, na generalidade, impreciso, porém, na especialidade.

perdi-me ali no meio quando começaste a falar no mercado, reencontrei-me no jantar dos literatos. testar livros como se testam os detergentes é uma ideia de génio! proponho a proliferação de anúncios de televisão em que pessoas tentem resolver os problemas do calcário acumulado nas máquinas de lavar com literatura. havendo imaginação estaremos perante um mercado de milhões.

condenado disse...

O povo quer virar burguês (note-se as estratégias da sic e da tvi, grandes mestres na congeminação dos burgueses mais pacóvios do mundo) ; haverá aristocrata que já não seja burguês?, o jovem pároco quer, através do celibato, virar burguês, o hipster é o burguês disfarçado (que perto do microfone diz, não me interessa ser o mais bem pago do mundo, ou uma outra epígrafe equivalente), o comunista comporta-se como o burguês ressentido, a solene monarquia ( e decadente, diga-se), corrida ao pontapé pela burguesia, e os seus aliados, desnecessário o a saber, o povo, os aspirantes a burgueses, deu lugar a mais burgueses, classificados de ministro; e agora?! oh louvados sejam os defuntos bêbados da minha aldeia

anónimo com caspa nas virilhas disse...

já não uso literatura, agora uso drogas a sério

condenado disse...

Epah do meu texto só se aproveita o final: é que aos bêbados da minha aldeia a única coisa que jose dos santos era capaz de vender era um garrafão de tintol, e se o pisca-olhos lhes quisesse vender mais alguma coisa, era melhor arranjar um segundo garrafão, segundo que deveria ser vendido a metade do preço que caso contrário apanhava com o evaporado primeiro nos cornos certamente rijos; todo o resto, ditas pessoas de bem, educadas, civilizadas, enfim, que falam charadas durante quinze minutos de sinal aberto, são potenciais compradores.