Cena promocional da FNAC enviada para o meu mail
O leitor enganou-se! Neste texto não me entregarei ao ódio gratuito, vilipendiando o abnegado e comovente esforço de um «autor maior das letras portuguesas e um dos grandes escritores contemporâneos», o amor de Cristo nos uniu, saudai-vos na paz de Cristo. Apenas perguntarei, perplexo, se a vida de Kalouste Gulbenkian, pelos vistos um gajo nascido na Arménia e apaixonado pela beleza (duas coisas aparentemente contraditórias, mas enfim) interessará a alguém no seu perfeito juízo e na plena posse das suas capacidades. A editora, ou melhor a distribuidora, ou melhor, a central de propaganda, informa-nos sobre uma interessante obra versando sobre o dito assunto (um arménio que mudou o mundo) e a publicar em dois volumes, uma vez que um só não chegava. Caro José Rodrigues dos Santos, com todo o respeito: tem mesmo a certeza de que existiu um arménio que mudou o mundo?
Atenção, devo dizer que tenho por José Rodrigues dos Santos a maior das simpatias, é uma pessoa com um pescoço assinalável, um ser humano detentor de uma rara capacidade de se locomover sem tropeçar nos próprios pés, às vezes comove-se em direto, e chega mesmo a piscar o olho, com cumplicidade, se uma menina mais marota surge, por mero acaso, numa trivial notícia do programa informativo que lidera. Mais recentemente ficámos mesmo a saber que pode descender de D. Dinis, ou D. Afonso Henriques, ou Moisés, agora não me recordo (desculpem, mas foi um documentário sobre grandes portugueses televisionado há uns meses) e tem contribuído nos últimos anos para lançar esse imorredoiro debate em torno da função social da arte e do papel do mercado na consagração de uma hierarquia artística.
Como as pessoas são em geral muito, mas muito inteligentes e versadas nas várias disciplinas do conhecimento (situação que amplamente favorece a espécie humana - veja-se, no entanto, o caso dos bombeiros desaparecidos este Verão, conjunto de pessoas que para a microeconomia ensinada nas nossas faculdades, não existem) vou explicar pela enésima vez o que é um mercado. Um mercado é uma organização social avançada para coordenar de forma eficiente a distribuição de informação com vista à obtenção de uma situação de eficiência tendencialmente ótima. Ora, isto quer dizer que o mercado, tal como a maior parte dos conceitos metafísicos, é uma pomba branca de avistamento muito raro. Contudo, indiferente às distinções entre ficção e realidade (só existe realidade, quer dizer só existe ficção, quer dizer só existe o que existe) o mercado utiliza, alegadamente, o sistema de preços para saber onde são procuradas determinadas necessidades e onde se podem encontrar ao mais baixo custo os recursos para satisfazê-las. Um mercado - no seu conceito útil - é um vasto computador cujos processos de decisão descentralizados permitem eliminar o desperdício. Mas o que é o desperdício?
Uma boa resposta exigiria estudar a formação das necessidades de consumo e o papel dos meios de comunicação na influência das curvas de venda. Melhor, exigiria estudar a formação de necessidades de consumo. Daí que eu tente pacientemente explicar, com sistemática perseverança, aos meus leitores mais cínicos, que a conversa sobre o «mercado resolve» implica desde logo reforçar uma dada hierarquia de decisão sobre as necessidades de leitura (e defender a posição de um conjunto de livros com características de «mercado», a saber, o nível de burrice da maioria dos potenciais consumidores, o que, no caso português, é de uma trágica e indigente estupidez) e não a defesa da pluralidade e liberdade de escolha, como eles, por vezes com exasperante ignorância, pretendem. Recentemente jantei com um conjunto de literatos e pessoas do jornalismo cultural, e uma dessas distintas pessoas assegurava que o mercado apenas reage ao desempenho comercial dos autores, o que é uma assunção espetacular, uma vez que, neste caso, os autores começam por apresentar desempenhos na Terra do nunca e só depois, e muito justamente, são aproveitados pelo mercado. Estarei eu a afirmar que José Rodrigues dos Santos perverte as regras do mercado? Não, José Rodrigues dos Santos é demasiado pequeno para isso. Estarei eu a dizer que as pessoas não sabem o que querem? Sim, naturalmente, e desde que não me justifiquem as vendas de José Rodrigues dos Santos com o «funcionamento do mercado» estará tudo bem entre nós.
O que pretendo eu fazer? Educar o conjunto da população segundo o meu gosto? Sim, a melhor hipótese seria sem dúvida essa, mas na impossibilidade de trazer o conjunto da população até às altitudes nevadas onde muitos certamente seriam atacados por vertigens, devo contentar-me com a situação intermédia, mas igualmente desejável, a existência de literatura crítica e associações de consumidores que avaliem e testem, de forma sistemática, os livros publicados, tal como testam os detergentes e as máquinas de lavar. Não é pedir muito, pois não? E se o fizéssemos aqui? Não querem começar a enviar as vossas críticas literárias que eu responsabilizo-me pela edição? Como é caros leitores, vamos virar esta merda do avesso, ou continuamos a sonhar com os amanhãs que ladram mas não mordem?
4 comentários:
nem sei por onde começar. o texto está positivo, na generalidade, impreciso, porém, na especialidade.
perdi-me ali no meio quando começaste a falar no mercado, reencontrei-me no jantar dos literatos. testar livros como se testam os detergentes é uma ideia de génio! proponho a proliferação de anúncios de televisão em que pessoas tentem resolver os problemas do calcário acumulado nas máquinas de lavar com literatura. havendo imaginação estaremos perante um mercado de milhões.
O povo quer virar burguês (note-se as estratégias da sic e da tvi, grandes mestres na congeminação dos burgueses mais pacóvios do mundo) ; haverá aristocrata que já não seja burguês?, o jovem pároco quer, através do celibato, virar burguês, o hipster é o burguês disfarçado (que perto do microfone diz, não me interessa ser o mais bem pago do mundo, ou uma outra epígrafe equivalente), o comunista comporta-se como o burguês ressentido, a solene monarquia ( e decadente, diga-se), corrida ao pontapé pela burguesia, e os seus aliados, desnecessário o a saber, o povo, os aspirantes a burgueses, deu lugar a mais burgueses, classificados de ministro; e agora?! oh louvados sejam os defuntos bêbados da minha aldeia
já não uso literatura, agora uso drogas a sério
Epah do meu texto só se aproveita o final: é que aos bêbados da minha aldeia a única coisa que jose dos santos era capaz de vender era um garrafão de tintol, e se o pisca-olhos lhes quisesse vender mais alguma coisa, era melhor arranjar um segundo garrafão, segundo que deveria ser vendido a metade do preço que caso contrário apanhava com o evaporado primeiro nos cornos certamente rijos; todo o resto, ditas pessoas de bem, educadas, civilizadas, enfim, que falam charadas durante quinze minutos de sinal aberto, são potenciais compradores.
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