segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Da formiga dopada à cigarra invertida.

Hoje acordei com espírito de Raúl Brandão: esta merda deveria toda virar húmus, decompor-se, ou até, usando um termo recentemente “seguro”, regenerar-se. Mas depois do banho lá aquietei. Calma, só te irritaste outra vez com a porcaria do(s) jornalista (s) a dizer que 20 graus centigrados e algumas nuvens é “mau tempo”, depois de ouvires dizer durante os últimos 4 meses que 40 graus corresponde à ideia jornalística de “bom tempo”. Isto faz-me lembrar um tio meu, a quem foi dito por alguém cheio de boas intenções, quando fez 83 anos: “bonita idade”. Parado a olhar e quase paralisado por uma qualquer doença, das que os médicos se recusam a diagnosticar depois de certa idade, lá ganhou ele forças e respondeu «bonita idade, o caralho!! Cheguem aos 83 anos e depois vejam!!!!». Assim estou eu hoje: “mau tempo o caralho!!!”. Mau tempo são os 40 graus que trazem as insónias noturnas, os 40 graus que impossibilitam o prazer das caminhadas, que turvam o olhar e, enfim, até porque está na moda, que talvez sejam bons mas é para as cigarras. Mas para mim não, eu que sou uma merda de uma formiga inquieta e ansiosa que precisa de se mexer para não “encigarrar” de vez, ou até “encirrosar”, porque isto só lá vai com álcool.  Mas isto na formação da ideia do que é bom em meteorologia é igual ao resto. Vivó consenso, bem temperado, porra!!!

Mas vamos lá deixar a pornografia, por enquanto. Ah, desculpem, é que www.meteo.pt sempre me pareceu o site com o nome mais pornográfico de sempre. Mas enfim, sou eu que sou provavelmente tarado por estas coisas de nomes das coisas. Para descontrair, vamos pedalar.
 
Andar de bicicleta é para mim uma espécie de casa dos segredos invertida. Invertida não devido a qualquer preferência sexual – se fosse por isso, também não haveria problema – mas porque quando ando de bicicleta, fico com a ilusão do tempo e do espaço moldado à velocidade do pedalar. Penso que todos percebem do que falo, mas admito que talvez seja só uma sensação própria.
E este tempo degenerado, nas manhãs da rádio, entre o húmus que se forma nestes dias de Outono – Raúl Brandão continua a ser mais actual e bem mais esquecido do que qualquer escritor que pragmatize os expositores da FNAC – vamos lá fazer um estúpido exercício de analogia entre o andar de bicicleta e o desejo constante de dirigir a economia.
 
E vamos fazer isto à inglesa, tentando dar um tom de que irei falar de qualquer coisa séria, perguntando primeiro. Não é verdade que através do crédito, o endividamento público e privado foi excessivo nos últimos anos? Não é verdade que mesmo na cabeça do mais Keynesiano pensador, o que foi feito em Portugal desde a entrada na agora União Europeia nada tem a ver com investimento? Não é verdade que todos ou quase todos nos perguntávamos “onde é que caralho o nosso vizinho vai buscar tanto dinheiro?” Não é verdade que todos, os que tentam pensar, os que andamos de bicicleta, sabíamos que a coisa ia mais cedo ou mais tarde rebentar? A lista de perguntas é quase infinita, e nem vale a pena continuar.~
 
Vale sim, a pena, a verdade. A verdade, a verdade, é que nem se sabe o que é essa merda da verdade. Nem eu. Por isso só pergunto. Mas faço mais. Sugiro uma imagem. Lembram-se quando estavam a apreender a andar de bicicleta? Toda a gente letrada na coisa vos dizia "é só sentar o cú no selim e pedalar. Não é para pensar sobre isso, senão vais cair”. E lá seguíamos o conselho, pondo o veículo em movimento. E já estava. O vento, a luz, o tempo, o espaço, tudo moldado. Tudo, menos os travões. Sabíamos que não podíamos apertar o travão da frente. Mas também sabíamos que o espaço mental desenhado como seguro estava a terminar. Era necessário travar. Sabíamos aí que a queda estava próxima, nesta primeira vez. Se parássemos cairíamos; se travássemos cairíamos; mais valia seguir, não travar senão no fim. E caíamos.
 
Parece-me, mesmo que a ideia seja idiota, que o momento económico actual é muito parecido com a perda de inocência ciclística. Montamos uma certa bicicleta desenhada para andar a grande velocidade, uma bicicleta grande, difícil de parar. Sabemos que temos de continuar a pedalar senão vamos cair, mas sabemos que temos de travar para não cair no fim do espaço mental desenhado para tal; a questão que se coloca não é saber como continuamos a pedalar infinitamente sem cair; a pergunta que se coloca é se conseguimos cair e voltar a pedalar pouco tempo depois.
 
Convosco não sei, mas face à previsão de mau tempo, eu prefiro pedalar, moldar o espaço e escolher se o meu tempo é realmente assim tão mau. Tenham um bom dia.

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