Hoje
acordei com espírito de Raúl Brandão: esta merda deveria toda virar húmus,
decompor-se, ou até, usando um termo recentemente “seguro”, regenerar-se. Mas
depois do banho lá aquietei. Calma, só te irritaste outra vez com a porcaria do(s)
jornalista (s) a dizer que 20 graus centigrados e algumas nuvens é “mau
tempo”, depois de ouvires dizer durante os últimos 4 meses que 40 graus
corresponde à ideia jornalística de “bom tempo”. Isto faz-me lembrar um tio meu, a quem foi dito por alguém cheio de boas intenções, quando fez 83 anos: “bonita idade”.
Parado a olhar e quase paralisado por uma qualquer doença, das que os médicos se
recusam a diagnosticar depois de certa idade, lá ganhou ele forças e respondeu «bonita
idade, o caralho!! Cheguem aos 83 anos e depois vejam!!!!». Assim estou eu hoje:
“mau tempo o caralho!!!”. Mau tempo são os 40 graus que trazem as insónias
noturnas, os 40 graus que impossibilitam o prazer das caminhadas, que turvam o
olhar e, enfim, até porque está na moda, que talvez sejam bons mas é para as cigarras. Mas para
mim não, eu que sou uma merda de uma formiga inquieta e ansiosa que precisa de se
mexer para não “encigarrar” de vez, ou até “encirrosar”, porque isto só lá vai
com álcool. Mas isto na formação da
ideia do que é bom em meteorologia é igual ao resto. Vivó consenso, bem
temperado, porra!!!
Mas
vamos lá deixar a pornografia, por enquanto. Ah, desculpem, é que www.meteo.pt sempre me pareceu o site com o nome
mais pornográfico de sempre. Mas enfim, sou eu que sou provavelmente tarado por
estas coisas de nomes das coisas. Para descontrair, vamos pedalar.
Andar
de bicicleta é para mim uma espécie de casa dos segredos invertida. Invertida
não devido a qualquer preferência sexual – se fosse por isso, também não haveria
problema – mas porque quando ando de bicicleta, fico com a ilusão do tempo e do
espaço moldado à velocidade do pedalar. Penso que todos percebem do que falo,
mas admito que talvez seja só uma sensação própria.
E
este tempo degenerado, nas manhãs da rádio, entre o húmus que se forma nestes
dias de Outono – Raúl Brandão continua a ser mais actual e bem mais esquecido do
que qualquer escritor que pragmatize os expositores da FNAC – vamos lá fazer um
estúpido exercício de analogia entre o andar de bicicleta e o desejo constante
de dirigir a economia.
E
vamos fazer isto à inglesa, tentando dar um tom de que irei falar de qualquer
coisa séria, perguntando primeiro. Não é verdade que através do crédito, o
endividamento público e privado foi excessivo nos últimos anos? Não é verdade
que mesmo na cabeça do mais Keynesiano pensador, o que foi feito em Portugal
desde a entrada na agora União Europeia nada tem a ver com investimento? Não é
verdade que todos ou quase todos nos perguntávamos “onde é que caralho o nosso
vizinho vai buscar tanto dinheiro?” Não é verdade que todos, os que tentam
pensar, os que andamos de bicicleta, sabíamos que a coisa ia mais cedo ou mais
tarde rebentar? A lista de perguntas é quase infinita, e nem vale a pena continuar.~
Vale
sim, a pena, a verdade. A verdade, a verdade, é que nem se sabe o que é essa merda
da verdade. Nem eu. Por isso só pergunto. Mas faço mais. Sugiro uma imagem.
Lembram-se quando estavam a apreender a andar de bicicleta? Toda a gente
letrada na coisa vos dizia "é só sentar o cú no selim e pedalar. Não é para
pensar sobre isso, senão vais cair”. E lá seguíamos o conselho, pondo o veículo
em movimento. E já estava. O vento, a luz, o tempo, o espaço, tudo moldado.
Tudo, menos os travões. Sabíamos que não podíamos apertar o travão da frente.
Mas também sabíamos que o espaço mental desenhado como seguro estava a terminar.
Era necessário travar. Sabíamos aí que a queda estava próxima, nesta primeira
vez. Se parássemos cairíamos; se travássemos cairíamos; mais valia seguir, não
travar senão no fim. E caíamos.
Parece-me,
mesmo que a ideia seja idiota, que o momento económico actual é muito parecido
com a perda de inocência ciclística. Montamos uma certa bicicleta desenhada
para andar a grande velocidade, uma bicicleta grande, difícil de parar. Sabemos
que temos de continuar a pedalar senão vamos cair, mas sabemos que temos de
travar para não cair no fim do espaço mental desenhado para tal; a questão que
se coloca não é saber como continuamos a pedalar infinitamente sem cair; a
pergunta que se coloca é se conseguimos cair e voltar a pedalar pouco tempo
depois.
Convosco
não sei, mas face à previsão de mau tempo, eu prefiro pedalar, moldar o espaço
e escolher se o meu tempo é realmente assim tão mau. Tenham um bom dia.
Sem comentários:
Enviar um comentário