segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Rádio televisão dos Pombos


Entretanto, porque hoje é segunda e não me apetece morrer em contra mão atrapalhando o trânsito, faço a apologia de um certo silêncio típico das manhãs de segunda-feira. Vamos até ao campo ouvir os passarinhos.

A RTP, essa fantástica empresa pública tão hábil a descobrir talentos em casa de colaboradores de longa data, essa instituição anti-húmus, fecundada por uma espécie de colmeia da elite intelectual portuguesa, passava ontem um programa em que o ex-médico-de-família agora designer, e uma ex-sangue-do-meu -sangue (que na verdade daria um bom título para um filme sobre a história da RTP “Sangue do Meu Sangue ou a eterna decadência de escolher pelo sangue”) exerciam uma espécie de luta ideológica entre os que cavam batatas (expressão que não faz sentido, dado que às batatas deve-se fazer tudo menos cavá-las, sob pena de apodrecerem pouco tempo depois) e os que morrem de stress lutando à batatada em Lisboa por uma vida melhor.
 
Mais uma vez, o campo foi retratado como um local idílico, com pessoas naïfs e puras, quase angelicais (apesar dos anjos se estarem a cagar para nós, os mortais) sempre prontas a ajudar o próximo, sobretudo se ele for desconhecido. Não me querendo alongar neste tema, nem querendo arriscar uma classificação das camadas de personalidades que se escondem por detrás das aparências de quem olha apenas para ideias cristalizadas, arrisco dizer que o argumentista da série ou estava bêbado, ou é geográfica e historicamente ignorante (“antropologicamente”, se calhar fica melhor aqui), ou é uma espécie de sanguessuga da RTP, bem longe da magnificência das papas de sarrabulho, não obstante a sua dimensão consanguínea ter tido aqui, certamente, um importante papel. 

O dito argumentista ou vê o campo de uma qualquer janela da sua casa em Lisboa, digital, quem sabe, ou tenta percebê-lo quando passa na autoestrada ou, acredito mais nisto, apenas tenta retratar a sua empregada doméstica. Sangue-do-meu-sangue será, senhor. Sanguessuga, subentende-se na série, é a vida de Lisboa, com o seu cosmopolitismo acelerador do tempo. A cidade está para o diabo como o campo está para os deuses. Ahhhhh (sim, pode ser lido como um grito) romantismo aquecido em micro-ondas da estupidez!!!! (isto faz-me perceber, já agora, aquela letra que diz “dançamos no teu micro-ondas”. Faz-me perceber ainda mais que a letra é uma merda, entenda-se!!!). Até pensei escrever mais sobre isto, confesso. Sobre a ideia de ignorância primária como origem da formação da conceção de campo idílico, da pacífica natureza. Mas o programa não merece mais merda de palavra nenhuma. Vou ouvir La Traviata para descontrair. Faça-se silêncio.

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