Neste preciso momento, inspirado por uma impressão que Vital Moreira jamais digitaria, mesmo em twiter style, digo-vos que circulo - de cu tremido - no lugar do morto de um reboque, e assiste-me o direito de uma descrição rigorosamente precisa, enquanto o meu carro, um clio branco de 1991, faz provavelmente a sua última viagem: o condutor é um especialista, análise rapidamente confirmada pela forma com que maneja a máquina e o automóvel, o braço direito no volante, tenso, onde se erguem as asas de um dragão tatuado, ao ritmo da força descarregada no peso morto do automóvel; a mão esquerda manipulando o botão automático do comando de tração, com especial destreza, a severidade rápida de um peixe invertendo a direcção no aquário, ao detectar o mínimo obstáculo, tudo isto enquanto desce sobre a tarde uma cortina de fogo. Que há de mais poético do que um carro sendo descido em cabo de aço, eixos partidos, a caminho do esmagamento ecológico que lhe está prometido desde a eternidade? Este traço da vida quotidiana mereceria algumas considerações, com especial referência à obra Market Theory and Price System, obra publicada em 1963 por dois distintos professores da New York University que desenvolveram considerações sobre a meritocracia promovida pelos mercados, sublinhando a eficiência dos serviços de reboques de automóveis inutilizados, especialmente no dealbar da Primavera, quando parte a andorinha a caminho de terras mais amenas e os seus ninhos são abandonados, primeiro aos ventos quentes de Agosto e, mais tarde, ao frio laminar que traz o Outono nos seus braços cépticos, cansados, coroados por uma tonalidade sépia. Uma vez que não sou o Paulo Rangel, não me aventurarei a forjar conceitos sobre qualquer tipo de claustrofobia - mesmo aquela produzida pela vitória de juristas manhosos a soldo de interesses comerciais e tecnocráticos bem específicos - e sigo, de olhos postos no caminho, observando através do vidro frontal do reboque, a ininterrupta frequência com que os traços descontínuos são engolidos pelo movimento dos automóveis. Recordo, como mera impressão ocasional, que as notícias da tarde sinalizam o há muito anunciado fim daquele cadáver adiado que ainda ia procriando chamado Quinta de Belgais. A Câmara não suporta dívidas nem oferece garantias bancárias a empresas ou associações. De súbito interroguei-me se isto não estará relacionado com os princípios da viabilidade económica dos projectos - os 93 milhões de euros pagos pelo Real Madrid a coberto de um vasta operação de franchising assente sobre estudos de mercado que vão até à performance económica dos miúdos na Albânia que é uma espécie de Castelo Branco da Europa. Mas logo me lembrei que não. Não existe qualquer relação e há até uma ligeira repulsão entre Quintas que distem mais de 13 km de uma estrada de alcatrão e o comportamento da gestão das marcas no contexto das experiências dos consumidores. Como li recentemente numa tese de mestrado para obtenção do grau de mestre em gestão de empresas é fundamental ter em linha de conta as restruturações estratégicas das empresas tendo em conta a importância do valor da marca, e discutir, com base no princípio da co-criação, os conceitos de marca relacional e de experiência do consumidor com a marca. Como é possível que não me tenha logo atravessado o espírito esta clara consciência da gestão integrada dos recursos! «Eu sei, tu tens razão, eu realmente.»
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