As mina pira, ô ô
As mina pira, ah ah
Se fizé gostoso aí as mina vem pra cima
As mina pira, ah ah
Se fizé gostoso aí as mina vem pra cima
Este texto pede ao leitor a paciência do santo e a curiosidade do gato mas garanto aos bravos persistentes que no final se sentirão muito melhores pessoas, além de um claro rejuvenescimento da pele e descontos nos postos de abastecimento de combustível da Galp. Vou começar pela interpretação poética da epígrafe dos dois autores sertanejos, Ronny & Rangel. Os homens, como todos os organismos conscientes e dotados de memória, fazem geralmente uma representação interna dos problemas, e à cabeça de todos, representam sempre muito mal o decisivo problema da apropriação locomovida da beleza, ao qual foi anexado um mecanismo de reprodução, cuja lógica interna permanece em grande parte inacessível. Neste caso, calcula-se que perante a espora do desejo (presa numa bota cujo dono desconhecemos) o homem faz a singela previsão de que as meninas terão que ficar doidas para se poderem atingir alguns resultados, o que é desde logo duvidoso, e característico de uma sociedade, a brasileira, amanhada numa caldeirada de indígenas, africanos, aristocratas bovinos, belas italianas e voluptuosas germânicas, e catolicismos made in Portugal, mas adiante. Assumindo as premissas, é necessário fazer gostoso, ou seja, fazer de acordo com as intenções das meninas. Como isto é tão difícil como convencer Jorge Jesus de que não se vencem campeonatos com dois pontas de lança, os homens são obrigados a esboçar uma ideia geral do que as mulheres consideram gostoso (os autores da epígrafe, «as minas pira», atiram-se ao dinheiro, o mais eficaz e flexível caminho para a satisfação de todos os desejos). Considera-se que perante a ação gostosa, facilitada pela disponibilidade de meios de pagamento, as mulheres virão para cima. Não desenvolverei os inúmeros perigos desta estratégia (e são muitos, são muitos) mas interessa-nos o que revela sobre o mercado editorial.
Partimos do princípio de que a intermediação do editor, garante ao processo de seleção de um texto, o atingir de um resultado gostoso. Como? O especialista sabe o que as meninas e os meninos gostam, e avançando com o dinheiro, garante o cumprimento de todas as tarefas mecânicas, incluindo os difíceis fretes da negociação com os meios de comunicação de massas, tal como o processo de elaboração física do livro. O pobre autor, à semelhança do macaco sovado pelo chefe do grupo, com os seus 10% debaixo do braço, vai lamber as suas feridas, satisfeito com a sua condição de pessoa de sucesso com franco acesso aos meios de comunicação, e um magrinho rendimento que o obriga a aceitar toda a espécie de tolices, incluindo cursos de escrita criativa. Não quero ser injusto. Sendo a edição uma decisão progressiva, em articulação com o esgotamento do stock nas diferentes livrarias, e uma leitura dos resultados das vendas, o editor pode ir alocando os recursos aos que mais vendem. Deste modo, estamos mais ou menos de acordo em relação à justiça do jogo competitivo entre os autores publicados, sobretudo em editoras de escala semelhante e com recursos para aceder ao mercado semelhantes (embora isto coloque desde logo petroleiros de problemas ao conceito de igualdade das condições de partida num mercado, e estou a pensar na esfíngica questão de saber se os resultados dependem realmente do mérito do livro ou de um outro qualquer fator crítico). Admitamos, em suma, que o mercado revela, com efeito, preferências reais de consumo. A questão crítica do sistema económico é outra, ou seja, os custos da matéria prima, os incentivos para diversificar a qualidade da produção de livros, e penso nos milhares de manuscritos inéditos, nunca publicados ou incentivados, e entre os quais poderão ter morrido incontáveis génios, mártires da racionalidade altamente limitada do sistema. A simples existência da rede digital não resolve o problema pois nada nos diz sobre a reputação. Para ultrapassar as editoras não basta automatizar o acesso ao texto, é preciso automatizar, em parte, a crítica. Aqui colocam-se dois bicudos problemas.
Por um lado, acreditamos que o escritor de mérito acaba por encontrar o seu editor. Nada mais falso, pois o falhanço das condições favoráveis podem levar o génio artístico às mais diversas práticas, desde a heterossexualidade à homossexualidade, passando pela criação de impérios do calçado, blogues de moda, comentário desportivo e incluindo a liderança política de grandes partidos do arco da governação. Podemos sempre dizer: temos pena. Mas neste caso, abstenham-se de falar no mercado como um elemento de justiça ou do seu serviço, nas condições atuais, à arte da escrita e ao livro. Por outro lado, as falhas de informação no processo tradicional de escolha dos autores, fazem com que os grandes editores persigam, com os seus afiados dentes, reduzir os altíssimos custos de varrer o conjunto dos potenciais manuscritos (imaginem as centenas de milhares, só em Portugal, que todos os dias enviam material inédito, algum, calculo eu, dolorosamente mau). Nada nos diz que isto tenha de ser assim. No entanto, perante a lógica de decisão instalada nas grandes editoras, os custos de análise dos candidatos (sempre a crescer com a democratização da escola) pressionam o processo de decisão e os editores atiram-se para a frente, quer pela capitulação diante de um cálculo apressado sobre o que o público gosta (sexo, espionagem, inquéritos policiais, conspirações, sentimentalismo) quer pelo recurso à visibilidade, a tão famigerada e aqui comentada plataforma (lunática) do autor. Daí a crescente solicitação a pessoas com personalidade pública firmada (na rádio, na televisão, nos jornais) para abraçarem o mundo das letras. Sem a devida crítica no processo de decisão, os editores tentam depois racionalizar as escolhas, uma das atividades cómico-trágicas a que me costumo entregar quando quero dar boas gargalhadas. Posto o processo em movimento, é difícil tirar conclusões claras sobre os fatores críticos mas não é preciso estar ao nível de Jorge Jesus para se perceber que estamos diante de um claríssimo confronto entre o conceito clássico do mercado, tendencialmente destruidor das grandes empresas (gerador de competição e de pressão sobre os efeitos de monopólio) e os esforços dessas mesmas grandes empresas para controlar a disrupção do mercado, e proteger o interesse e os lucros dos seus membros perante outros possíveis interesses presentes no comportamento dinâmico dos consumidores. Sabemos que a relação entre a escala das empresas e as dinâmicas do mercado é um dos mais difíceis temas da economia clássica mas a alternativa é continuar a galhofar perante a ideia de esgravatar, da lama, uns míseros 10% de um trabalho tão digno como qualquer outro. Não contem comigo para enriquecer o Pais do Amaral.
Uma das mais estimulantes atividades a que se pode entregar um ser humano, além da masturbação, é o sistemático combate às ressurreições inesperadas do mais arcaico e resiliente raciocínio explicativo de que há memória nos anais da evolução, ou seja, a ideia de que o indivíduo é inteiramente impotente (ui) perante o movimento da espécie. Como corolário, vemos permanentemente ressuscitar a ideia de que a natureza encerra uma sabedoria de projeto capaz de garantir a sobrevivência dos humanos, projeto esse inacessível à racionalidade consciente de uma pessoa, ou de um pequeno grupo, ou de uma associação organizada entre todas as pessoas de modo a levar a cabo um processo de decisão. Vulgarmente, chamava-se a isto política, mas caiu em descrédito, precisamente depois das grandes ideias filosófico-científicas do século XVIII. Há também quem diga que foi a explosão tecnológica. Vamos devagarinho para que ninguém se aleije.
Para utilizar uma alegoria mitológica, quanto mais se brande a espada para decepar as mil cabeças desta hidra, mais outras mil nascem em lugar de cada uma das cabeças decepadas. Com efeito, para que uma falácia mil vezes repetida não se transforme num mistério da fé, é necessário vigilância, esforço e falsificação de hipóteses. Ao indivíduo só lhe resta uma racionalidade limitada para vencer os problemas na adaptação a um meio, por vezes hostil, e a relação entre nós, pessoas de bem, oscilará sempre entre cooperação e competição. Podemos fazê-lo à bruta, se continuarmos a esgalhar o pessegueiro da realidade, ou podemos pensar e criticar, de preferência num debate vivo e violentamente participado, sem respeito por qualquer forma de autoridade a não ser a lógica. Sabemos que o «mercado» foi um momento de fulgurante iluminação em que os filósofos de cabeleira e meias de seda avançaram mais um pouco na elegância da nossa adaptação a um ambiente, na época maioritariamente orgânico, mas temos estado de tal forma satisfeitos connosco mesmos que desde então temos assumido a postura do indígena dormitando à sombra da bananeira e continuamos a aplicar as mesmas soluções ao ambiente altamente artificial do século XXI. O problema é que uma visão superficial, e acrítica, do mercado, nada nos diz sobre os mecanismos que no próprio mercado reduzem o leque de escolhas dos consumidores e não estou a falar de teorias da conspiração. Utilizarei o próprio raciocínio da microeconomia clássica.
Desde o século XVI, os altos custos necessários para se imprimir um livro ofereceram às editoras um papel preponderante. O iluminismo setecentista é em parte o resultado do triunfo social deste mecanismo. Mais livros e mais baratos, e melhor eficácia na distribuição dos incentivos para escrever geraram qualidade e quantidade de informação, lançando sobre a crosta terrestre uma fantástica multidão de ferramentas. O livro apresentava maior proteção relativamente à replicação, rápida e a baixo custo, da informação, fortalecendo a produção de textos, e criando uma base económica para a comunicação entre as pessoas. Mas este sistema tinha limites, e esses limites foram estilhaçados pela escolarização do pós-guerra, no século XX, e sobretudo pela invenção do computador.
O mundo digital facultou instrumentos de comunicação e facilidade de expressão, numa escala sem precedentes. O limite de textos que um leitor conseguia assimilar, ou a informação que um escritor podia produzir num dia, tinham uma aplicação direta no papel que a edição convencional (a escolha por um especialista amarrado pelo cálculo de risco) assumia na distribuição das oportunidades para escrever. E o preço a que a informação chegava ao leitor também limitava a possibilidade deste estar em contato com os textos de vários autores. Se estiverem sentados na vossa cadeira, posso afirmar uma novidade explosiva: neste momento, as editoras são o problema e não a solução. Os grandes grupos económicos com interesses na área da edição desunham-se para apertar a violência sobre direitos de copyright precisamente para travar a democratização económica, mais eficiente, do conhecimento. Há toneladas de gordura nas editoras, e a solução passa necessariamente por organizações mais pequenas e mais eficientes, com menor taxa de lucro, e com maior remuneração dos autores, se quisermos utilizar o mercado para gerar mais competição, maior diversidade de produção de livros e uma posição económica mais estável no que respeita aos escritores, que são, em geral, filosófico-politco-económico e às vezes literariamente, tão burros como uma porta. Vendem a alma ao diabo por não acreditarem, nem durante três segundos, na força do que têm para dizer, entrando, como o burro engalanado, para esta vergonhosa procissão. Curiosamente, o único texto, em português, a que tive acesso, sobre a posição dos escritores nesta matéria, dirige o seu ataque aos autores que escrevem textos grátis (recuando medrosamente diante dos 10% pagos, em geral, pelas editoras) incapaz, compreensivelmente, de morder a mão de onde lhe chegam as migalhas. Não compreendeu o autor, apesar de economista, e pobre aliado do sistema editorial cada vez mais concentrado, que todos os autores, praticantes dos textos grátis, estão precisamente a incorrer num custo para furar a muralha de estrangulamento comunicacional montada pelos gigantes da edição.
Na verdade, o festival conceptual que dá pelo nome de mercado, quando aplicado à literatura, tem demonstrado à saciedade um volume infinito de confusões e deslocações estratégicas de teorias, pelo que, previsivelmente, os cientistas da computação resolveram desferir uma autêntico tiro de canhão contra a muralha das coisa serem o que são. Ora, um par de chinesas mais um nórdic@ resolveram cometer suicídio lógico e amandaram-se (grande palavra) à resolução destas dificuldades, e embora tenham falhado com estrondo, forneceram algumas contribuições importantes para a consideração do mais complexo problema do mundo, e começaram pelo que tem de ser, isto é, o sentido da linguagem. Peço a vossa indulgência para um citação em inglês:
Predicting the success of literary works is a curious question among publishers and aspiring writers alike. We examine the quantitative connection, if any, between writing style and successful literature. Based on novels over several different genres, we probe the predictive power of statistical stylometry in discriminating successful literary works, and identify characteristic stylistic elements that are more prominent in successful writings.
Traduzo o explosivo resumo das conclusões:
O estudo garante existirem elementos estilísticos comuns às obras de sucesso, pelo menos no âmbito do género literário, permitindo construir um modelo com surpreendentemente elevada capacidade de previsão (84%) do sucesso literário.
Isto não passa de autoilusão, como é evidente, mas veremos como as conclusões podem ser tremendas. A complexidade do problema dinamita, como é evidente, qualquer modelo estatístico de previsão do sucesso de obras literárias. A previsão aplicada a problemas desta natureza é o mesmo que tentar marrar em comboios (onde é que já ouvi isto?). O desconhecimento olímpico da semiótica e mesmo da literatura, sobre temas de linguagem e sentido, da autoria de cientistas da computação, revela alguma superficialidade na falsificação dos dados nos quais se baseia o estudo. É preciso estar um pouco cansado (pode ter sido o caso) para não identificar a gigantesca falácia implícita no estudo: a sistematização de características associadas aos melhores livros já filtrados pelo tempo, aponta, como é evidente, para confirmações do que o passado considerou como um sucesso literário. O que é muito diferente (pesar dos dados recolhidos começarem em Homero) de saber se essa estrutura de gosto, e a própria resiliência dos textos, se manterão, e se o sucesso não foi antes determinado por contextos institucionais (Universidades, Televisão e até as história editorial das próprias obras) tornando muito difícil extrair conclusões do conteúdo semiótico do texto. Para citar o exemplo mais elegante e espirituoso, Umberto Eco escreveu milhares de páginas sobre isto, e em momento oportuno voltaremos à interessante análise, apresentada no estudo, em torno de uma sistematização do «estilo de sucesso» a muito longo prazo.
Em todo o caso, este tipo de instrumentos merecem o nosso aplauso, pois expõem, de uma forma clara, o calcanhar de Aquiles do sistema editorial, isto é, o pouco investimento na procura da qualidade textual dos autores, ou seja, autores capazes de agarrar o público pela abrangência temática, versatilidade semântica, pertinência dos enredos, domínio do estilo e intensidade retórica dos textos. As editoras preferem incorrer em custos para controlar a informação, aliando-se aos meios de comunicação de massas, capazes de reduzir o risco da edição de um autor escolhido de forma semi-aleatória. Ora, este algoritmo, trabalhado pelas investigadoras da computação, poderia sintetizar o trabalho humano dos júris de concursos e dos esforçados editores (lançando ambos no desemprego e prestando assim ao país um serviço inestimável) convidando a um investimento desses recursos na edição de mais livros e no financiamento de mais autores. Não fujamos às dificuldades.
É certo que as editoras se desculpam com a sustentabilidade e por isso teremos de ser nós, pessoas de bem, a dinamitar a sua posição. Por um lado, a identificação de modelos rígidos e invariáveis poderia obrigar as editoras a descartar (ou pelo menos refrear) o elemento humano na decisão editorial, fornecendo maior competitividade, se reduzidas as distorções, sempre inevitáveis, das limitações humanas na escolha de potenciais escritores, e deixando aos consumidores uma maior parte dessa tarefa, pela convencional análise das vendas. Do mesmo modo, ao eliminar a excessiva interferência de intermediários no processo de escolha, e lembre-se que esta interferência se dá atualmente sem informação de qualidade, os autores receberiam, pelo preço de alguma preocupação com o aspeto mais comercial do processo (elaboração física e distribuição do livro) muito mais liberdade para jogarem o jogo das preferências do público, reduzindo as máquinas de produção de imagem dos escritores (propaganda). Na verdade, chega a ser embaraçoso, se não ridículo, que os escritores se entreguem constantemente à autopromoção, e banalidades orais sobre tudo o que mexe, quando deviam sobretudo escrever textos. Ou seja, uma análise computacional transferiria a decisão, sobre os incentivos para escrever, mais diretamente para os consumidores, garantindo ao autor a marca de uma qualidade prévia (ainda que limitada, eu sei, eu sei, pelos critérios de sucesso do algoritmo) e oferecendo-lhe muito maior legitimidade junto do público. Em suma, seriam poupados avultados recursos despendidos com especialistas em edição, aprofundado a inteligência artificial do mercado.
Duas consequências lógicas: os escritores, devido à maior rapidez e universalidade deste algoritmo para analisar os seus manuscritos, correriam a tentar um selo de garantia. Esquecendo agora as injustiças, que também existem (e talvez em maior quantidade) no modelo humano, isso geraria uma independência brutal do escritor, equivalente ao crescimento do seu poder e legitimidade para se autopublicar e não ficar apenas com 10%. Sem um algoritmo deste género, ou mais afinado, a publicação digital não representa uma solução ótima pois, no mar de informação, irá colocar nas mãos de um gigante editorial qualquer, a faca, o queijo e a broa de Avintes. A outra consequência lógica seria a tentativa de grande parte dos escritores para adequarem os seus textos ao algoritmo, de forma a passar, com boa nota, na máquina, o que abriria, por certo, uma oportunidade para massificar a verdadeira literatura popular, pois as pessoas, em critérios de exigência estética, obedecem melhor às máquinas do que a pobres autores e críticos como eu. Claro que teríamos que submeter-nos a uma máquina e não à Maria do Rosário Pedreira mas não estou certo de que: a) a segunda seja mais inteligente do que a primeira; b) a substituição seja necessariamente má.
Como eu sei que ninguém me leva a sério, chamo a testemunha nº 1 do processo, o senhor Italo Calvino:
«Neste sentido, mesmo confiada à máquina, a literatura continuará a ser um lugar privilegiado da consciência humana, uma explicitação de potencialidades contidas num sistema de signos de todas as sociedades e de todas as épocas: a obra continuará a nascer, a ser julgada, a ser destruída ou continuamente renovada pelo contacto do olho que a lê; o que desaparecerá será a figura do autor, esta personagem a quem se continua a atribuir funções que não lhe competem, o autor como expositor da sua própria alma na exposição permanente das almas, o autor como utente de órgãos sensoriais e interpretativos mais perspicazes do que a média, o autor, essa personagem anacrónica, portadora de mensagens, diretor de consciências, orador de conferências nas sociedades culturais. (...) Desapareça então o autor - este enfant gâté da ignorância -, para deixar o seu lugar a um homem mais consciente, que saiba que o autor é uma máquina e saiba como esta máquina funciona»."Cibernética e Fantasmas"
No fundo, estaremos apenas a afinar o problema de um sistema económico que sustenta a relação
complexa entre a capacidade de análise de manuscritos e automatização de um juízo crítico. A extraordinária importância de incorporar uma máquina
no processo prende-se com a capacidade de analisar milhares e milhares de
manuscritos, minimizando as limitações de tempo e de memória do editor. Claro
que o modelo dotará o processo de rigidez, mas eu pergunto se o modelo humano
atual, baseado, por vezes, na total aleatoriedade, de gosto, de cálculo de probabilidades
de lucro, e no peso da televisão, dos jornais e das rádios, serve melhor a consciência artística, o público e os candidatos a um rendimento na
produção de textos? Claro que isto não é simpático nem para os autores comprometidos com este jogo arcaico e ultrapassado pelos computadores, nem para todos os que, na televisão, nos jornais, nas rádios, nas editoras, gravitam em torno do trabalho do autor. O problema é que o sistema está a matar a dignidade de uma atividade crítica, individual e coletiva, e é tempo de o amor à literatura, à leitura, à lógica e ao raciocínio, e à arte da escrita, desempenharem um certo papel na economia contemporânea. Estamos quase a ponto de poder dar um murro na mesa e dizer com Manuel José, treinador em terras do Egipto, e poeta popular: «ou há moralidade ou comem todos».
Julgo que o importante é continuar a questionar as limitações do atual modelo,
antes de começar a vociferar contra as máquinas. Afinal de contas, não sabemos
bem que espécie de máquina somos nós.
2 comentários:
olha lá pá, o que é uma autoilusão, caralho?
outra coisa, essa merda de que falas por aí, e que fala a notícia em entrangeiro que linkas, não se adequa apenas aos escritores que pretendem obter sucesso comercial? aquele sucesso comercial tipo margarida rebelo pinto, escritora que se autoplagiava?
concluindo, quando alberto joão jardim falou de automasturbação (acho que foi ele) não estaria ele antes a fazer uma crítica mordaz ao meio literário nacional, crítica essa mal compreendida no continente?
O problema é mais simples. Os editores precisam de livros que vendam e os bons escritores não vendem porque as pessoas gostam mesmo é de livros maus. Há uma fórmula, sim (como no cinema, na fotografia e nos restaurantes), mas essa fórmula não exige qualidade literária.
A parte positiva é que o atual sistema permite a rápida identificação das pessoas nos lançamentos de livros de autores desconhecidos. O escritor é o que tem o ar pobre e o editor é o gajo com bom aspeto.
A solução? Uma fórmula comunista. Cooperativas de escritores.
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