sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Theory of Games, Luigi Pirandello, Economic Behavior e o parolo do João Magueijo

Venho aqui hoje com a profunda tristeza que me caracteriza dizer que, além do tempo roubado à minha profissão, e que alegremente me vai empurrando para uma cada vez mais criativa arte de fazer de conta que sou competente - alegadamente, uma coisa que devia ter aprendido no liceu mas que o idealismo precoce me impediu de alcançar -, toda a minha teoria sobre a inanidade das humanidades afinal não é estatisticamente significativa, e desde logo porque o parolo do João Magueijo - que vale por 1 milhão de portugueses, segundo os cáculos do Público - assina neste imortal e lamentável dia de hoje, uma das mais eloquentes manifestações de ignorância sobre todas as coisas em geral, incluindo a física teórica, uma disciplina que se transformou numa espécie de capitalismo selvagem (quem será o primeiro a enriquecer o seu pecúlio de prestígio com a cabeça de Albert Einstein) para pessoas que profundamente ignorantes filosoficamente falando (e lembro que Albert Einstein tinha como desporto de Verão recordar o carácter seminal da Crítica da Razão Pura de Kant para toda a sua potência especulativa) desenvolveram a arte de fingir que pensam variáveis luminosas em movimento no meio de bebedeiras em relvados ingleses.
 

Uma das coisas que mais caracteriza Portugal é precisamente uma lamentável ausência de mais pessoas como eu, o que todos sabem de há muito, mesmo não o reconhecendo abertamente, eis o que se depreende do texto de João Magueijo, bem como de todos os textos publicados por todos os portugueses em todo o lado, incluindo as conversas de taberna, os pregões da feira e as frases psico-eróticas que pronunciamos durante os actos amorosos. Mas é precisamente o domínio consciente desta proposição - que estranho o mundo não ser feito de várias cópias de mim próprio - que devia levar uma pessoa como João Magueijo - que julgo que já leu dois livros com intervalos de menos de dez anos - a querer inteirar-se da complexidade de um mundo habitado por organismos associados por forças desconhecidas, onde a nossa antecipação do que os outros calculam que sejam os nossos movimentos constitui o grande problema político. O capitalismo selvagem é sobetudo uma tentativa (ainda que falhada, reconheço) de resolver pela simplificação a complexidade de um problema, de tal modo desrespeitado, que seria de levar as pessoas a pensarem sobre se a grande questão do dinheiro não está precisamente no facto de todos manifestarmos a posse de uma opinião sobre como resolver a questão do dinheiro sem que se veja explicada ou publicada uma linha sobre o que fazer com a questão do dinheiro. Parece confuso, não é? Pois é.
 

Vitangelo Moscarda, o herdeiro de um Banco que protagoniza Uno, Nessuno e Centomila de Pirandello, um livro escrito entre 1909 e 1926 (olé, as coisas dão trabalho), é apenas um homem que descobre essa fantástica evidência: não temos controlo sobre as milhões de projecções mentais que partindo dos corpos reais interagem umas com as outras, numa espécie de jogo virtual que sistematicamente desilude as nossas expectativas sobre o funcionamento das coisas, para não falar da falência de avestruzes conceptuais como a justiça, o bem, a igualdade. A estabilidade do pequeno Banco da pequena cidade onde vive um homem a quem acontece reparar na deformidade do seu nariz, depende em certa medida da inconsciência sobre este problema, pelo que bem vindo ao mundo contemporâneo, João Magueijo.
 

«Ah senhores, o prazer da história! Nada mais repousante do que a história. Tuda na vida muda continuamente perante os vossos olhos; nada é estável; e há essa ânsia incessante de ver como se determinarão os acasos, de ver como se estabelecerão os factos que vos mantêm son tanta angústia e agitação! Na história, pelo contrário, tudo é determinado, tudo é estabelecido; por mais dolorosas que sejam as vicissitudes e por mais tristes que sejam os acasos, ei-los ali, ao menos ordenados, fixados em trinta ou quarenta páginas de um livro». Um, Niguém e Cem mil, Cavalo de Ferro, p. 79.
 
 
No dia em que, diante do espelho, o indivíduo vê com horror que a imagem que tem de si próprio não coincide com a inatingível imagem que os outros fazem de si, da mesma forma que a imagem que faz dos outros não pode ser reduzida à imagem que os outros fazem de si mesmos, apercebe-se da teia em que vive emaranhado e ao tentar libertar-se entra com estrondo no labirinto da identidade. A partir do momento em que começa a preocupar-se com estes problemas, enquanto mergulha na substância instável da sua essência, tudo rodopia, incluindo a própria estabilidade económica do Banco que herdou do seu, para si mais que para todos, misterioso pai, precisamente porque a previsibilidade do sistema financeiro, da pequena cidade, se baseava na estabilidade dos comportamentos do velho bancário, dos restantes habitantes e sobretudo do responsável e anódino filho do antigo proprietário, estabilidade que era deduzida da imagem flexível e manipulável que todos tinham uns dos outros. Quando um deles começar a querer fixar e determinar a sua imagem junto de todos, pum, estoira o delírio.
 
 
Imaginem então um jogo onde cada um dos jogadores varia constantemente nos seus atributos (força, beleza, sabedoria, memória, energia) mas também nos objetivos, e cujas regras variam segundo príncipios desconhecidos, sendo que a única informação que os jogadores detêm sobre a variação das regras é fornecida pelos mais espertos, perversos e ressabiados dos jogadores (isto é, cientistas, artistas, escritores, filósofos e, claro, políticos) que também variam nos seus atributos e objectivos e também estão sujeitos às previsões de outros jogadores do seu tipo, previsões certas ou erradas, não importa, sobre quais as verdadeiras regras de programação do jogo, não nos esqueçamos. É provável que o mundo se caracterize por ser um jogo cuja principal regra seja a luta pela determinação do conteúdo da principal regra do jogo, sem que seja possível determinar qual a principal regra do jogo sob pena de: a) ou o jogo acabar; b) ou essa regra ser imediatamente alterada pela própria tentativa dos jogadores determinarem a visibilidade da regra, sendo que também eu sou um candidato a um desses jogadores espertos, perversos e ressabiados que se especializam em dizer o que é a vida.
 

4 comentários:

alma disse...

Seria engraçado ir tropeçando em alf´s por aí :)
Não sei se é por ver pior ao pé :) cada dia que passa,gosto mais de me olhar ao espelho :)

Quando percebi que o meu jogo não era o monopólio virei-me para este jogo que propõe :)) este sim é muito engraçado mas não é para todos :)com a tranquilidade que a experiência nos dá sabemos que perdemos sempre :))) mas não o deixamos de jogar e ir tentando.

Quanto à opinião dos outros vale aquilo que vale :)))
cada um lê o Proust que merece :)))



YTn disse...

Palmas. Tenho de passar cá mais vezes.

silvia disse...

O maqueijo não conheço, mas é pouco o que se retira para lá daquilo que os compradores de totoloto falam enquanto aguardam a sua vez na entrega do talão ...:)

O alf, será num futuro próximo se já não o é :) como aquele Zé Maria que punha os amigos em polvorosa :) e diziam : ai se hoje o vir no chiado leva uma bengalada :)))

subscrevo o que alma diz sobre as leituras :)
cada um tem o proust que merece
hahahahahahah

silvia disse...

rectifico :)

cada um tem o alf que merece :))))