sexta-feira, 5 de março de 2010

Moscatel


Depois do prodigioso confronto entre a selecção da China e a selecção da Bulgária, tenho tido dificuldades em adormecer. No dia seguinte, o jornal A BOLA avançava novidades que devem ter desviado o eixo da terra de forma tão incisiva quanto o sismo do Chile - uma catástrofe natural a que fiz o favor de não referir nenhuma das minhas preciosas palavras. Parece que Bolatelli, o primeiro africano com nome de pintor renascentista, reconhece que Mourinho se preocupa com ele. Isto a propósito de carros de luxo e da devida reserva de um jovem na condução de veículos. O problema, assegura Bolatelli, é que nem sempre José Mourinho faz por expressar essa preocupação da melhor maneira. Mas o caso é que entre as várias novidades impressas no jornal desportivo contava-se a notícia de uma Tese de Mestrado (não chegámos a apurar em quê), defendida na Universidade Católica de Milão, sobre o discurso de comunicação de José Mourinho. Parece que Morinho prepara cuidadosamene os discursos mas no momento apenas diz o que sente, o que constitui um método de grande alcance: preparação, desperdício da preparação, preponderância de sentimentos. Eu diria que isto parece o programa discursivo de uma rapariga de Palmela, com treze anos de idade, apaixonada pelo Miguel Veloso, no momento de lhe dirigir um pedido para fotografia conjunta em forma de recuerdo, mas a verdade é que eu não percebo nada de comunicação, diga-se em passagem. De qualquer modo, ora aí está uma afrontosa coincidência entre «pensamento» e «realidade» para quem ainda duvidava da relação estreita que os dois conceitos insistem em fazer respirar apesar dos vários divórcios anunciados nas revistas da especialidade. É que George Steiner define o jornalismo como o espírito da época, um espírito que é capaz de uma temporalidade instantânea e niveladora: «Todas as coisas têm mais ou menos a mesma importância; todas são apenas dia a dia.» Isto não significa qualquer menosprezo pela importância de José Mourinho como emissor de discursos. Nem uma censura à veneranda política de coordenação académica de cursos de pós-graduação da Universidade Católica de Milão. O problema é que tenho tido dificuldades em adormecer e agradecia apenas que a «realidade» não viesse para aqui prolongar este meu estado de manifesto incómodo. Se puderem fazer qualquer coisa por este assunto, desde já fico eternamente (até onde me for possível sustentar esta eternidade, o que dependerá do número de edições e do acolhimento do público) agradecido.

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