De acordo com o Excelentíssimo Senhor Presidente da República «muitas das leis produzidas entre nós não têm adequação à realidade portuguesa», uma vez que a realidade portuguesa pertence a um domínio cognitivo de que apenas indívíduos do sexo masculino, nascidos em Boliqueime, cujo preenchimento dos boletins escolares incluía o conceito dono de uma bomba de gasolina, são portadores, o que nos obriga a qualificar os «impulsos do legislador», não como a decorrência da legitimidade eleitoral democrática e republicana mas como «ditados por puros motivos de índole política ou ideológica», conceitos de uma transparência tão aquosa como o peixe em aquacultura, palavras tão doces como o mel da Ti Palmira quando se estatela no chão, índole política e ideológica que transcende o espaço técnico e especular da realidade vista pelo canudo de York que o Excelentíssimo Senhor Presidente da República trouxe como recordação da pátria da realidade, a Inglaterra, política e ideologia que são como a peçonha dos liberais, que são como a doença venérea dos espíritos contritos criados na social-democracia germânica, que são como o sarampo dos militantes do psd, que são como as lombrigas dos economistas, o que tudo somado quer dizer que as leis muitas vezes produzidas sem o auxílio do Excelentíssimo Senhor Presidente da República «não vão ao encontro das necessidades reais do país» (outra vez a realidade a aflorar as franjas neuro-semânticas do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, quer dizer, dos seus acessores imberbes e lobotomizados), «nem permitem que os portugueses se revejam no ordenamento jurídico nacional», o que tudo somado que dizer que temos leis inadequadas mas, em contrapartida, graças ao divino espírito santo, temos um Excelentíssimo Senhor Presidente da República completa e totalmente adequado às necessidades reais do país, tão adequado, mas tão justamente adequado que já sinto comichão pela real proximidade que as suas palavras provocam na minha infeliz, e horrorosamente real, consciência de ser português. Como diria Valentim Loureiro, «Foda-se».
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