(Aqui estavam dois palavrões)! Finalmente chegou a crónica em tom indignado. Repare o leitor neste argumentário de José manuel Fernandes: «Sucede com este Governo, como poderia suceder com um governo liderado pelo PSD, talvez com pequenas nuances, e não deve surpreender ninguém: o sonho da maioria dos portugueses é, há décadas, há séculos, acolher-se no regaço protector do Estado. De preferência como seu servidor, se necessário como seu subsidiado.» Ora, a maioria dos portugueses não é feita da massa varonil de José Manuel Fernandes, um homem habituado a enfrentar o risco com um sorriso nos lábios. Nós, todos os que lamentavelmente não somos José Manuel Fernandes, temos medo e queremos recolher ao colo protector do Estado. A aversão ao risco, longe de ser uma característica humana, é o coração da fragilidade ontológica dos portugueses. Como Adão caído do Éden, em busca de redenção, qual Moisés à procura da terra onde corre leite e mel, o português sonha com a protecção do Estado. Qual Estado? Aquele que paga à maioria dos portugueses salários miseráveis quando comparados com os dos altos quadros da Sonae? Ou aquele Estado que paga salários principescos a altos quadros da função pública quando comparados com os dos explorados caixas de supermercado da Sonae? Aquele Estado cujos altos quadros da função pública saltam depois para altos quadros da Soane? Falemos antes de Concursos Públicos. Concursos públicos para a direcção do Público? São, como todos sabem, de uma transparência cristalina, que digo eu, de uma transparência totalmente pelicular. Uma pergunta: qual é a diferença substancial entre o regaço protector do Estado e o regaço protector da Sonae? Será o facto de a Sonae pagar melhor e conferir mais prestígio social? Será o facto de na Sonae, ao contrário do que ainda vai acontecendo nalguns sectores do Estado, sujeitos a maior escrutínio pela natureza da exposição pública, qualquer ignorante poder chegar a cargos de direcção desde que seja produtivo. Ou desde que garanta emprego. Não será este um problema de liberdade? A que toneladas de imbecilidade cultural, como as manifestadas por altos quadros da Sonae, me devo submeter sob os auspícios da liberdade política do investimento económico? Não achará estranho José Manuel Fernandes, o facto de iniciar a sua crónica pelos resultados de uma consulta do Portal do Governo acerca dos currículos de todos os membros do Governo? Em que Portal podemos consultar o currículo de todos os membros da administração da Sonae ou do Público? A diferença talvez palpite na legitimidade democrática, esse lugar pouco respeitado pelos liberais sempre que governos de esquerda, mesmo que apenas salpicados de esquerda, ameaçam o poder, uma legitimidade que José Manuel Fernandes insulta, desesperado, perante a incapacidade de remover Sócrates, o seu arquinimigo, do poder executivo. Sócrates é parvo (olha aí o processo judicial) mas isso não dá a José Manuel Fernandes o direito de confundir Sócrates com a democracia, ontem vibrante, quando elegeu Cavaco, hoje decadente, quado reelegeu Sócrates. Mas se há um problema de funcionamento executivo, o ex-director do Público que recorra ao poder judicial. Também não funciona. Recorra ao poder da inteligência. Também não funciona. Recorra ao poder da metáfora que ainda é uma coutada imune a fanfarrões e embustes intelectuais. É interessante como para os cultores da liberdade, a saúde do regime se encontra genitalmente ligada ao predomínio da sua preferência política. Mas a questão que nos faz mergulhar nas profundezas oceânicas da interpretação histórico-política vem a seguir. «As raízes desta maneira de ser mergulham na nossa muito particular história como povo e uma delas resulta bem evidente quando lemos a nova História de Portugal, coordenada por Rui Ramos. No texto que escreveu para a apresentação da obra, António Barreto não deixou de a destacar» . Rui Ramos e António Barreto como oráculos píticos da genealogia dramática do Leviathan numa história de Portugal que é uma pirueta xamânica na mais reaccionária interpretação que em Portugal vê a luz do dia desde os tempos do senhor Pinheiro Chagas. Deus que me arranje uma doença terminal, daquelas rápidas e indolores, que eu não ando mesmo aqui a fazer nada.
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