Todos os seres vivos evoluídos - i.e., aqueles que leram Nietzsche, Marx, Freud, Foucault - estão carequinhas de saber que a ciência é um apêndice às performances musicais de Ana Malhoa. Ou seja, o conhecimento é um instrumento e possui tanto de metafísico como a digestão intestinal. Não era bem este o caminho sugerido pela metáfora «Ana Malhoa», mas o argumento implicava a utilização de uma analogia entre a frase «sinto-me sexy» e a concretização de uma posição dominante no mercado discográfico e isto remeteria o autor destas linhas para exercícios especulativos muito mais complexos do que as equações de Maxwell. De qualquer modo, a tecnologia (seja um fato-macaco de licra cor-de-rosa ou a Bíblia Sagrada) é o mais antigo passatempo do hominídeo, sabêmo-lo desde os bifaces. Daí que a informática como modernidade esteja para o progresso humano mais ou menos como os Modern Talking estiveram para a consagração dos Queen: aqueles não passavam de dois papa-pitas com sintetizadores à ilharga, enquanto estes abriram novas direcções com os instrumentos mais arcaicos do planeta: a voz e a homossexualidade. Também aquele indivíduo de bigodinho que, no princípio do século, passeava entre o Chiado e o Martinho da Arcada, já apontava para uma certa saturação do problema: «Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistasDas ciências (das ciências, meu Deus, das ciências!)». O problema é que no momento em que a ciência se afirma como religião, a religião logo espreita a oportunidade para ser alcandorar (que bela palavra) em ciência. Em todo o caso, convenhamos que antes Dawkins do que Ratzinger, para não referir um ayatolah qualquer a vociferar que há-de comer-me a tripa com azeite e alho enquanto enrola na língua três versículos do Corão. Todas as teorias estão correctas? Estarão. Mas isso já se sabe. O que falta saber é quem vai pagar a fatura. E aqui a religião só tem baralhado os dados do problema. A César o que é de César. Isto significa contra Belmiro, ou a favor de Belmiro? Ora aí está a razão porque hoje tanto se fala de ciência. A burguesia trouxe o cálculo e, com ele, calou-nos a todos, que andamos ocupados em calcular a melhor forma de não passar fome. Enquanto olhamos para a estatística não discutimos quanto ganha o indivíduo que faz a estatística, ou, mais grave, quanto ganha o indivíduo que paga a quem faz a estatística. Quem entra no ISEG, dá de caras com o anfiteatro Santander Totta: é a ciência que não falha. No entretanto, a ciência produz também umas chupetas (sociedade da comunicação) com que nos entretemos a brincar: «Onde é que estás? Estou aqui. Vais onde? Vou além. Fazer o quê? Não sei». Nem importa saber. Eles que são estúpidos é que sabem.
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