O ilustre participante do espaço «Novas Políticas» Tiago Moreira de Sá dá o mote e lança-se, qual Indiana Jones do Campo Grande, numa arqueologia perigosa: decifrar o esfíngico enigma das diferenças genealógicas dos principais partidos do sistema político português, sendo que esta palavra sistema invoca aqui qualquer coisa que seja uma mediação entre as caracterizações de Otávio Machado depois de três garrafas de Palmela e as longas evocações de Pedro Marques Lopes sobre a missão histórica do PSD na estabilização do processo democrático nacional. Com efeito, segundo Moreira de Sá, existem três núcleos fundamentais na origem social do PSD: «Uma católico-progressista, ligada fundamentalmente a movimentos católicos que se constituíram em torno da oposição ao corporativismo do Estado Novo. Outra social-liberal, que deu origem à «ala liberal» na Assembleia Nacional, defensora da liberalização e democratização do regime. Finalmente, uma social-democrata, defensora do desenvolvimento económico ligado ao progresso social, representada na SEDES e, em menor grau, por um pequeno grupo de ex-apoiantes da CDE.» e cita para o efeito dois intelectuais de nomeada, saber António José Telo e Marcelo Rebelo de Sousa. Uma vez que o vento faz, neste momento, ondular, numa certa suavidade marítima, os freixos deste vale onde me econtro, nada direi sobre essas caracterizações rigorosas. MAs pergunto: o que é um católico-progressista? É um indivíduo que antes de 1974 assiste à missa; é baptizado e assiste à missa; é batizado, assiste à missa e ouve discos de Sérgio Godinho; é baptizado, assiste à missa, fez o crisma e frequentou a Casa de Sophia de Mello Breyner; ou é baptizado, assiste à missa, fez o crisma, frequentou a Casa de Sophia de Mellho Breyner mas acredita no progresso do género humano, mesmo tendo em conta a queda de Adão no jardim das delícias, explorando, ainda, e seriamente, as eventuais contradições entre as parras colocadas estrategicamente, os problemas da árvore do conhecimento e as necessidades sexuais colocadas pelos imperativos do progresso industrial? Não o sabemos, pelo que será melho passarmos às origens do PS. Serão quatro heranças ideológicas: «a dos socialistas da 1ª República; a dos grupos intelectuais reunidos em torno da Seara Nova e inspirados pelo socialismo de Antero e Fontana; a de antigos militantes do Partido Comunista Português, ou próximos deste; a dos movimentos estudantis dos anos 1960.» Aqui, gosto particularmente da forma como Moreira de Sá, inspirado por uma leve inclinação do plano de observação - que pende decididamente para a ideia desenvolvida por Maques Lopes sobre a missão histórica do PSD -, faz derivar o PS do socialismo de Antero e Fontana. Tendo em conta que o socialismo de Antero terminou na ponta de um revólver num banco de jardim de Ponta Delgada, já estamos a ver esses comícios da base social do PS em que velhinhos analfabetos de Oliveria de Azemeis invocariam as Odes Modernas para justificar a política económica do engenheiro Pinto de Sousa. Em todo o caso, Tiago Moreira de Sá merece o nosso reconhecimento. É um trabalho que urge fazer. Além de que me lembra a minha avó, se por acaso o novelos se enrodilhavam, numa paciência ascética, separando com os dedos os nós imbrincados daquela dança de linhas, persistente e imune ao passar do tempo, segura de que poderia prosseguir a sua camisola de malha colorida, mal os novelos fossem devolvidos à sua posição original, e a vida proseguisse no seu plano divino e harmonioso, em que cada um de nós tem um lugar predestinado e definido, que nenhuma casualidade ou causalidade intencional separaria do seu fim, desde o princípio do mundo até ao fim do mundo.
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