Nem todas as horas gastas na leitura de jornais de referência terminam, ociosas e vãs, numa completa desolação da mente e do corpo. Sempre que o leitor se levanta, depois de terminada a semana de trabalho, iniciando o Sábado com a leitura do Público, rapidamente se depara com iguarias argumentativas dispostas na mesa pela mão do Professor e crítico – essa espécie raríssima em Portugal – José Pacheco Pereira. Além do mais, nestes últimos dias – como diriam os mormons – verifica-se esta riqueza cronística numa dupla consideração, juntando-se à acutilância corajosa de Pacheco Pereira os ventos favoráveis ao PSD, soprados pela estima dos portugueses. Longamente empenhado e comprometido – no bom sentido do termo, claro está – em desmascarar o governo atroz e socializante do engenheiro Sócrates, Pacheco Pereira é um homem livre, mordaz, parcimonioso na retórica, profundo nos argumentos, sólido nas convicções, que solta a sua veia crítica, como um vendaval em milharal desprotegido, sobre os artificialismos da propaganda. As suas crónicas demarcam-se do estilo geral, praticado no jornalismo português, senão mesmo no jornalismo universal, considerado o passado e o futuro. Que riqueza de imagens, que vitalidade sugestiva nas analogias, que elegância nas construções, pulvilhadas aqui e ali de expressões latinas – infundidas pelas vastas leituras de Cícero – e englesismos que aportam à lingua portuguesa para modernizar a reflexão política quais transantlânticos chegando ao porto de Lisboa carregados com os últimos gritos da civilização. Pacheco Pereira encerra-se, como viúva da República, nesta arca do saber que é a sua casa da Marmeleira. Sobe à estante – arriscando a vida nos velhos degraus – e tira da prateleira um calhamaço de história antiga, amarelecido pelos séculos e coberto de pó. Depois, cofiando a barba, reflecte, para mais tarde tocar a rebate os sinos da consciência cívica, contando-nos a história arrepiante de Sejano (o inventor da guarda pretorina, como força política) que compara ao engenheiro Sócrates. Ó portugueses que não tocais estes limbos da história comparada. O leitor treme na cadeira, engasga-se com a torrada, sente nos olhos o relâmpago sanguíneo a percorrer a neve dos globos oculares, injectado de terror perante a recordação deste facto: o primeiro-ministro é um homem mefistofélico, que frequenta imperadores e maneja o gládio como o telemóvel. Com Pacheco Pereira desfilam Sejano, Tibério nadando entre “golfinhos”, as expressões sugestio falsi e fast food – no mesmo período, pasme-se – o inner self, a ilha de Capri, Facebook e Twitter, o Parlamento Europeu, a co-inceneração, Medeiros Ferreira, soluções governativas, o modo italiano de eleições legislativas e toda um vasto conjunto de problemas a que não ouso guindar os meus neurónios. E o leitor, cansado, leva para casa a declaração de fé que o pode salvar nos próximos meses: o primeiro-ministro é «um animal feroz que parte cada vez mais o país em dois e é gerador de instabilidade por sí só», tudo isto – instabilidade, partir-se o país em dois – conceitos rigorosíssimos da maior utilidade numa relexão que se quer profunda quando, nas próximas eleições legislativas, tivermos que convencer a metade de nós, entretanto partida, que a Drª Manuela Ferreira Leite é a portadora da chave unificadora da pátria, em suma, a União Nacional que urge restabelecer.
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