sexta-feira, 5 de junho de 2009

Passou mesmo agora um cão a caminho do portão da quinta que levava na boca uma carteira de títulos e fartíssimas poupanças

Todos pudemos obervar estupefactos as declarações do Presidente da República. É notável o facto de ainda ser possível escutar afirmações de uma figura que procura alcançar, pela suspensão natural dos seus maxilares, a performance imobilista de uma estátua do museu de cera da city. Diga-se, antes de mais, que não é possível escrever este nome sem uma certa emoção de decadência civilizacional, com elefantes, invasões bárbaras e quedas imperiais. Com efeito, temos vivido tempos interessantes. Por um lado, as televisões são acusadas de fazer reportagens neo-realistas sobre os sucessivos despedimentos, entrevistanto mulheres de bata azul acotovelando-se por três segundos de indignação. Por outro, sabemos que é absolutamente normal que o Presidente da República afirme ter uma vasta carteira de títulos, incluindo acções do BCP, BPI, EDP, Jerónimo Martins, Brisa, SONAE». Aqui, devemos sacudir a casaca, ageitar o laço, compor o monóculo, inchar as veias do pesçoco e gritar a plenos pulmões: «Populismo»! Na verdade, o leitor está enganado. Não é populismo, é um pequeno vôo sobre as sociedades por acções, incluindo shake-hands, conferências bem pagas, sebentas de finanças públicas, reviengas protocolares em comissões parlamentares, maiorias absolutas, contratações de acessores intermeadas por vinho da bairrada e presunto transmontano, carreiras fulgurantes, bastões da polícia, desbloqueio de forças várias e ainda a grande capacidade de pronunciar longos discursos evitando, cuidadosamente, qualquer ideia, como esquiador evitando bandeirinhas em performance olímpica de slalom. De acordo com um conhecido comentador, as poupanças foram o resultado de trabalho árduo. Fosse como conferencista, fosse como Professor, o Presidente da República rolou a sua pedra, lentamente, pela ladeira acima e descansou depois, após tudo declarar, com respeito pela legalidade e a devida contrição ascética dos ministérios proféticos. Desde a Figueira da Fiz que assim é: tudo acontece como um desenho estelar que fosse sendo decoberto pela dissipação da nebelina nocturna, ficando só, no céu, o caminho do enriquecimento e do serviço público, nobre e honrado. Trabalho árduo, a fazer lembrar rodas, engrenagens, suor destilado em corpos musculados, chicotes, esforço, ranger de dentes. Em todo o caso, ficamos a saber que o saldo daquelas afirmações se consubstancia numa declaração de desaparecimento das poupanças do prestigiado professor Aníbal e da sua, também professora, respeitável mulher. Pelo que aguardamos todos o rápido aparecimento dos valores referidos, para bem do equilíbrio dos mercados, paz dos consumidores e restabelecimento da confiança nas instuições financeiras, bem como para o consolo da família que zela pela estabilização da república e paira, acima da luta político-partidária, repito, da luta político-partidária, que é como quem diz que aguardamos o aparecimento das poupanças, para bem da nossa santa estupidez.

Sem comentários: