quarta-feira, 3 de junho de 2009

Eu, que não pretendo publicar estas anotações tolas, gosto muito de ser pequenino, neste país onde todos são grandes

Num prefácio a mais uma obra saltitante (da blogosfera para as livrarias, das livrarias para a blogosfera) o Professor Medeiros Ferreira - o mais esclarecido comentador desportivo/ex-ministro do negócios estrangeiros,/professor universitário/militante do PS/crítico literário amador - faz a seguinte afirmação: «Considero haver algumas analogias entre um pensador como o autor de "Esta grande época ainda tão pequena" [Karl Kraus] e o nosso João Gonçalves». João Gonçlaves é o ilustre autor do Blog Portugal dos Pequeninos e lançou uma obra original e acutilante, coroada por um título inaudito: «O Portugal dos Pequeninos». Ao que parece, temos instalada em Lisboa a Viena dos anos 30, com cafés luxuosos, intrigas políticas e comentadores satíricos vomitando a sua acidez felina, castigando – com suas alfinetadas de dama – os passeantes dos corredores de S. Bento, os titulares da soberania. Ora, isto é, na verdade, tremedo. Como tremendas são as ideias de Gonçalves. No seu blog posta um figura de Lucas Pires e comenta: «O cartaz da foto recorda a extraordinária campanha de Lucas Pires nas primeiras "europeias" nacionais, em 1987. Cavaco arrebatou uma maioria absoluta no mesmo dia em que Pires, pelo CDS, obtinha um excelente resultado. Tudo o que não existe nesta campanha, passou-se nesse longínquo mês de Julho de 87. Rua, alegria, bons tempos de antena, debate, festa, multidões, punch. Agora quase toda a gente parece andar a fazer um enorme frete, um frete a que, muito apropriadamente, pouca gente liga. O calor não ajuda. Os protagonistas não ajudam. As ideias não abundam.» Com efeito, não abundam extraordinárias campanhas de líderes políticos entretanto falecidos. João Gonçalves, porque não é pequenino, não tem a tendência incontrolável de apelidar de extaordinários os nossos companheiros entretanto mergulhados na penumbra do Hades. Gonçalves é um original, um crítico de boa cepa onde abundam estas clarificações que nos falam do passado com o odor romântico dos verões de província, o cheiro a feno, as corridas pelos bosques, a alegria dos almoços debaixo da latada, em que se discutia Horácio, Píndaro, a guerra do Peloponeso e a possibilidade da União Europeia nos sagrar a fronte como cidadãos livres e irrepetíveis. Além do punch, claro. Nesse tempo sim, havia protagonistas, de gravata apropriada e rosto talhado no granito, intelectuais com fibra, de voz recortada e estilo apurado, prontos a fazer jorrar o seu sangue – qual nascente súbita – a bem da ideia da Europa. Depois veio a derrota e com ela a desilusão que a passagem do tempo acumulou sobre os nossos ombros. Gonçalves lamenta o calor, os protagonistas, as moscas, a direcção do vento, a inclinação do solo, o lado das árvores onde cresce o musgo, o facto de apenas na Nazaré existir sardinha seca à venda. Somos todos um imenso bando de condenados, fazendo o frete da política, incapazes de acender nos cidadãos os bons sentimentos da discussão pública. Impreparados, dolentes, derrotados, desistentes, tíbios, impotentes. Só nos resta mesmo rasgar as vestes, insultar a roda da fortuna, e correr à livraria mais próxima a comprar o livro o Portugal dos Pequeninos.

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